'Destruí tudo em um dia': o volante impedido de jogar futebol por trapaça
Gabriel Tota, ex-Juventude, tem uma nova rotina desde junho deste ano. Toda sexta ele pega a estrada de Santa Fé do Sul (SP) rumo a Minas Gerais, onde disputa campeonatos de várzea que pagam cerca de R$ 500 por partida.
Bom batedor de falta, o meio-campista é destaque dos torneios amadores. Mas está proibido de entrar em campo como profissional, aqui e em qualquer lugar do mundo. Pelo menos até 2025.
Aos 21 anos, Tota foi um dos eliminados do esporte pela CBF e pela Fifa no escândalo de manipulação de resultados que balançou o futebol brasileiro.
Ele diz que recebeu no ano passado mensagens de um empresário ligado ao esquema de apostas esportivas. O jogador já o conhecia por ter comprado dele um par de tênis pela internet.
Como não estava jogando como titular, o volante foi convencido a aliciar colegas de clube para tomar cartão amarelo em jogos do Campeonato Brasileiro de 2022 em troca de dinheiro. A investigação identificou depósitos de até R$ 70 mil nas contas de Tota, que se diz arrependido.
Os golpistas apostavam em quais jogadores tomariam cartões em jogos das séries A e B do Brasil e, com a participação dos próprios atletas, conseguiam altos lucros.
No momento, eu não pensei em consequência, na gravidade que eu estava causando na minha vida. Depois, acordei para a vida e olhei o erro que fiz. Gabriel Tota, que voltou a viver com a mãe e o irmão
Longe dos holofotes, ele passa os dias varrendo o quintal de casa e lavando a louça. Também tira fotos de joias que compra de um fornecedor para revendê-las na internet e complementar a renda familiar.
O lazer se resume a peladas nos campos de Santa Fé do Sul, cidade onde cresceu, com os amigos que não se afastaram após a condenação.
Operação Penalidade Máxima
"Tota", ele explica, é um apelido, uma corruptela de "Coca", o refrigerante que o menino pedia antes de saber articular todos os sons da língua.
A Coca, os biscoitos, os pães doces e as balas coloridas povoavam seus desejos infantis, mas não cabiam no orçamento da sua mãe, que criou três filhos sozinha, com salário de atendente de motel.
"Na infância eu não tinha nada, e no momento aquele dinheiro poderia ajudar a minha família. Eu podia ajudar minha mãe, meu irmão, minha irmã que faz faculdade. Era um dinheiro que com certeza faria diferença. Mas se eu tivesse consciência que tudo aquilo podia prejudicar a minha vida, jamais teria aceitado."
Os olhos de Terezinha Ferreira Barbosa se enchem quando lembra o que sentiu quando soube que o filho tinha sido cercado pela polícia, em abril passado.
Ela tentou ligar, mas Gabriel não atendeu porque seu celular já tinha sido apreendido pela Operação Penalidade Máxima, que entrou às 6h da manhã no hotel em que ele morava em Erechim, no Rio Grande do Sul.
Os promotores encontraram provas do crime em celulares de jogadores e empresários.
"Eu sempre ensinei aos meus filhos o caminho correto e não entendi por que o Gabriel tomou a decisão que tomou", diz a mãe, sentada na calçada em frente de casa em Santa Fé.
Até hoje, ela não consegue falar do assunto na frente do filho, primogênito que cresceu longe do pai e que sentiu desde cedo sobre os ombros a responsabilidade de prover.
"Nós dois sempre enfrentamos nossas dificuldades juntos, e ele cresceu com essa coisa de precisar ajudar em casa, de ter que ganhar dinheiro para dar para gente uma vida melhor. Talvez isso tenha contribuído."
O esquema
Segundo Tota, o homem que o abordou é o empresário Victor Yamazaki Fernandes. No primeiro contato, ofereceu entre "R$ 30 e R$ 50 mil". Victor também se tornou réu no processo e responde em liberdade.
Ao UOL a defesa do empresário confirmou que o empresário abordou jogadores, mas sustentou que as conversas não giravam em torno de manipulação de jogos.
"Eu não tinha ideia, não tinha consciência de que um cartão amarelo poderia render tudo isso, por ser um ato simples. Mas acabou que esse ato simples complicou a minha vida e a de outros atletas também", admite Tota.
O Ministério Público de Goiás descobriu provas da fraude em partidas do Juventude realizadas desde setembro de 2022. A quadrilha também atuava com outros times em outros estados.
Trinta e quatro pessoas foram acusadas de participar do esquema, entre jogadores e empresários. Nove atletas fizeram acordo, admitiram participação e aceitaram colaborar com as investigações, segundo o Tribunal de Justiça de Goiás.
Os processos correm na Justiça goiana porque foi onde os primeiros casos aconteceram.
Suspensões
Na esfera esportiva, as penas variaram entre multas, suspensões, e a mais grave, a eliminação, casos de Tota e outros dois jogadores (Matheus Gomes, ex-Sergipe, e Romário, ex-Vila Nova de Goiás).
Eles ficaram proibidos de atuar profissionalmente no Brasil. A Fifa confirmou a punição e os proibiu de jogar também no exterior.
Um ano após entrar no esquema, ser descoberto, ser demitido do Juventude e eliminado do futebol, Tota procura em seu passado alguma explicação (mas não uma justificativa) para o erro que cometeu, para a falha de caráter que contraria os valores morais que diz ter aprendido desde cedo.
Minha vida no dia a dia é onde eu tento sorrir, para não ficar lembrando. Mas quando eu deito a cabeça no travesseiro, vejo tudo o que conquistei e como tudo isso foi destruído em apenas um dia
A espera para voltar ao futebol
A advogada de Tota, Cláudia Noventa, diz que seu cliente tem chances de reverter a eliminação do futebol, graças a uma possibilidade prevista no Código Brasileiro de Justiça Desportiva.
A lei garante aos eliminados do esporte o direito de pedir uma reabilitação depois de dois anos da sentença, desde que três pessoas de "notória idoneidade" no meio atestem que o eliminado tem condições de voltar a ser profissional.
Graças a esse dispositivo, o jogador confia que pode voltar a jogar em 2025, quando terá 23 anos, ainda com anos de carreira pela frente.
É por isso que hoje ele tenta se mostrar arrependido de ter causado o que ele mesmo chama de "uma mancha no futebol".
Ele pede desculpas ao Juventude, aos torcedores e ao futebol, que o fez ser quem é e o ajudou a dar condições melhores à família. Quer voltar a ser um orgulho para a mãe e um exemplo para os irmãos.
Isso, diz Tota, vale mais que qualquer dinheiro que um dia ele possa ter.
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