Infiltrado na área do Boca: 'Gritei gol do Flu sem querer e quase apanhei'
Diego Albuquerque
Colaboração para o UOL
07/11/2023 04h00
Leandro Peres, 43 anos, e a esposa Sarita Dourado, 42, são torcedores do Fluminense e moram em Portugal há 7 anos. Eles viajaram ao Rio para assistir à final da Libertadores, mas um "detalhe" quase colocou tudo a perder: o casal estava no meio da torcida rival, do Boca Juniors.
Para Leandro, valia qualquer coisa para estar presente na partida, já que, 15 anos atrás, ele esteve lá, no mesmo Maracanã, vendo a LDU derrotar o seu tricolor nos pênaltis na única final dessa competição que a equipe fluminense havia disputado em toda a sua história até então.
Eu estava lá em 2008, naquele dia trágico. Então, eu não poderia ficar de fora dessa vez. Ainda mais com a final única. Minha esposa é professora de pilates, e um aluno da turma dela comentou que conseguiria ingressos. Pedi para ele os mais baratos e já fui comprando as passagens.
Era a chance de o torcedor expurgar de vez os fantasmas daquele 2 de julho de 2008. Valia tudo para estar presente. Tudo mesmo.
Os ingressos eram uma espécie de voucher da Conmebol, então acreditávamos que seria em uma daquelas zonas mistas, para convidados. Porém, chegando perto da data, conferimos no site e eles eram para o setor norte. Na torcida do Boca Juniors.
A essa altura já não dava mais para trocar os ingressos, nem procurar por outros. Leandro e a esposa então não pensaram duas vezes. Os dois fizeram as malas e vieram para o Brasil para se arriscar no meio da tradicional e temida barra brava do time argentino.
E, não satisfeitos em se colocar em risco, os dois ainda levaram o pai de Sarita, Agenor Dourado, de 74 anos, com eles.
"Ele tem boa saúde. Morrer do coração não ia. Só ia dar problema se tentassem dar porrada na gente. Ele não ia aguentar correr", contou, rindo da situação.
Chegada já teve tensão
Parecia que o universo estava avisando que essa operação arriscada poderia dar problema para eles. Logo na chegada, o primeiro momento de tensão. Devido às brigas entre torcedores da "La 12", torcida organizada do Boca Juniors, o policiamento estava pesado no setor norte.
"Na entrada, os policiais já não queriam deixar a gente entrar porque somos brasileiros. Tive de mostrar os ingressos para conseguirmos entrar com os argentinos."
Lá dentro, no meio da torcida do Boca, era fácil reconhecer os únicos intrusos. Então, eles teriam de disfarçar bem.
Nós éramos os únicos 'à paisana', sem uniforme do Boca. Era um mar de gente de azul e amarelo e eu estava de camisa rosa. Ficamos bem no começo das cadeiras, perto da saída, para o caso de dar alguma confusão e a gente sair correndo.
Gol colocou 'disfarce' à prova
A confusão que Leandro estava prevendo, é claro, seria no instante do gol. Poderiam três tricolores apaixonados não vibrarem no momento máximo de alegria?
O primeiro teste veio aos 36 do primeiro tempo, depois da finalização certeira de German Cano para abrir o placar. Dessa vez, deu tudo certo.
Na hora do primeiro gol, foi difícil demais. Segurei, fiquei quietinho. A gente comemorou só com a força do pensamento. Ficamos ali trocando aqueles olhares de felicidade, bem contidos.
O segundo teste veio com o empate do Boca Juniors. O chute certeiro de Advíncula, aos 27 do segundo tempo, fez com que a barra brava viesse abaixo. Festa em azul e amarelo. Os únicos que pareciam não vibrar eram os pontinhos coloridos ali no meio. Mas os fanáticos xeneizes não deixaram os tricolores lamentarem o empate.
"A galera abraçou a gente né? Me mandaram vibrar e eu, p*** da vida, tive de disfarçar uma comemoração ali meio sem graça, mas consegui."
Conforme o tempo passava, o nervosismo crescia. Era impossível não lembrar aquela final em 2008, já que o empate também poderia levar a partida para os pênaltis.
"O tempo ia passando, a ansiedade batia. Eu pensava 'poxa vou perder outra final no Maracanã?' Mais uma decisão por pênaltis eu não ia aguentar."
Vibração no terceiro gol
E, provavelmente, por causa de toda essa tensão acumulada, e pela emoção do momento, Leandro não passou no terceiro teste: o gol de John Kennedy, aos 9 minutos do primeiro tempo da prorrogação.
Ali eu não aguentei, foi totalmente no automático. Gritei no meio do silêncio. Só dava para me ouvir no meio da galera do Boca.
Depois disso, a confusão estava armada. Eles até pensaram em correr, já que estavam perto da saída, mas não deu tempo.
A gente pensou que ia passar impune. Mas aí bem na hora do grito passou um torcedor do meu lado. Aí não teve jeito: ele começou a gritar comigo. 'Hijo de p***, está torcendo para Fluminense' e eu fiquei quieto só olhando para a frente, com ele metendo o dedo na minha cara. Sarita tentou argumentar, meu sogro ficou assustado. E então o resto da torcida começou a perceber a confusão e se tocaram que tinha intruso no meio deles.
Policial retirou torcedores
Já pensando que ia apanhar, Leandro se preparava para o pior. Até que veio um herói para salvá-los.
A gente deu sorte que tinham uns policiais ali na saída vendo o jogo. Um deles viu a discussão, viu a torcida vindo para cima da gente e chegou rodando o cassetete, espantando o torcedor irritado que gritou comigo. Aí ele disse que era melhor a gente sair dali e fomos convidados a nos retirar. Ele salvou a gente. Quase apanhei no meio da barra brava.
Mas ainda faltava todo o segundo tempo da prorrogação. Leandro tinha a esperança de continuar no estádio até o fim da partida, mas não teve jeito. Tiveram de sair do Maracanã.
O policial disse que a gente tinha de ir embora, pois não conseguimos mudar de setor e ficar ali poderia dar confusão na saída, que eles poderiam ter gravado nossa cara, então tivemos de sair. O problema: a saída era atravessando a torcida do Boca. E lá foi a gente de novo voltando no meio deles, só que dessa vez escoltado. A Sarita falava 'faz cara de triste, finge que tá sofrendo' e eu nem ai, só queria ver o resto do jogo.
O final da partida teve de ser visto numa telinha minúscula, fora do Maracanã.
"A gente saiu e foi correndo procurar um bar ali no entorno. Tivemos de ver o final em uma TV pequenininha em um estacionamento lotado de tricolores. Mas, dessa vez, eu estava entre os meus e pude comemorar o título direito", contou Leandro aos risos, com a felicidade de quem saiu ileso —e campeão da América.