Ritual dos 'hinchas': brasileiro incorpora tradições e torce pela Argentina
Luís Augusto Símon (Menon)
Colaboração para o UOL
21/11/2023 04h00
A versão 110 do clássico Brasil x Argentina colocará mais uma vez em polos distantes os habitantes dos dois países. De forma geral, seriam 214 milhões torcendo por Diniz e 47 milhões ainda em êxtase com a Scaloneta.
É assim, mas não exatamente assim. A defecção de José Marques Junior é insignificante estatisticamente falando, mas existe. Brasileiro, nascido em Campo Grande, o personal trainer formado em Londrina e estudante de medicina em Buenos Aires é totalmente apaixonado pela seleção argentina e por Gabriel Omar Batistuta, o segundo maior artilheiro argentino.
A primeira lembrança é da Copa de 94, com Maradona, gols e doping. A simpatia começou em 1997, na Copa América, com uma vitória argentina por 1 x 0, gol de Piolho Lopez, no Brasil, mas o amor teve data marcada para acontecer.
Foi em 14 de junho de 1998, quando a Argentina estreou no Mundial da França, vencendo o Japão por 1 x 0. Gol de Batistuta. O jogo mudou a vida de Junior.
"Foi impressionante como me identifiquei e me apaixonei. O jeito de jogar bonito, a raça e a seriedade. Virei torcedor na hora", diz.
Ele havia ganhado uma camisa de Dunga, mas nunca a usou. Em compensação, pediu ao pai, professor de Química, uma camisa de Batistuta.
"Meu pai precisou se virar. Tinha um amigo que tinha um amigo em Buenos Aires e conseguiu me dar o presente que eu queria".
Muitos anos depois, veio outro presente parecido. Em 2014, foi ver Argentina x Bósnia e ficou perto de Juan Pablo Sorin. Contou sobre sua idolatria por Batistuta e meses depois recebeu um vídeo de Batigol. "Foi muito marcante. Tenho guardado, sempre vejo e ouço".
O amor pela Argentina — não, pela seleção da Argentina — veio acompanhado de muito bullying. As comparações eram com Romário, Ronaldo, Ronaldinho e outros. Nada que o incomodasse. "Eu sempre levei numa boa, aceitava brincadeiras e brincava também".
O início da paixão aconteceu quando o jejum de títulos internacionais já durava cinco anos, desde a Copa América de 1993, e se solidificou até que completasse 29 anos, novamente com a Copa América, desta vez no Brasil.
"Quase morri com o gol de Di Maria. Foi para esquecer tudo o que eu havia passado. Lembrei das finais de Copa América contra o Chile, foi ótimo deixar tudo de lado".
De torcedor a 'hincha'
Torcer pela Argentina fez com que Junior passasse a assimilar todo o ritual dos "hinchas". Até o mate foi incorporado. "Coloco meia, camisa, touca, tomo o mate, canto as canções para incentivar a seleção. Ninguém torce como os argentinos, pode ter certeza".
Vestir a camisa em todos os jogos, claro. Mas qual camisa? Ele tem 30 delas de Messi, uma de cada Copa. E Messi é talvez, na opinião de Júnior, um dos motivos para que a loucura de torcer pela Argentina seja mais aceita.
"O mundo está globalizado, a televisão mostra jogos do mundo inteiro. É fácil torcer pelo Messi, um cara tranquilo, sem polêmicas e de perfil baixo. E daí as pessoas começam a entender minha preferência".
Com Maradona seria diferente. "Com Diego, a polêmica seria muito maior. As pessoas preferem esquecer o bem que Maradona fez ao futebol para fixar-se no mal que ele fez a si mesmo".
Messi poderia ser um argumento a mais para Junior, logo após a frase "não sei, nasci com isso", que foi sua resposta por muito tempo. "Diziam que eu não deveria torcer pela Argentina porque eu nunca veria um argentino torcendo pelo Brasil. Já conheci três, são loucos pelo Ronaldinho, é o que eu falei sobre a globalização".
Junior e sua mulher, Gabriela, se mudaram para Buenos Aires, mas nada relacionado ao futebol. Com mais de 30 anos, ele cultivava o sonho de fazer medicina, mas isso era financeiramente inviável.
Eles estão morando na Hector Alejandro Barceló e pagam talvez 5% do que gastariam no Brasil. "Estou muito bem adaptado, gosto da cumbia, da banda de rock airbag, parece que nasci gostando de tudo daqui.
Mas, cuidado, como dizem os argentinos, José Marques Junior é cidadão brasileiro e pede que não haja discussão sobre o assunto.
"O fato de eu gostar do futebol argentino nunca me fez menos brasileiro ou mais argentino. Não se deve confundir patriotismo com futebol. Patriotismo é pagar imposto, é pagar contas e ter compromisso social com seu país. O meu compromisso é com o Brasil".
E no futebol, ele é fã da "Scaloneta", que ele defende desde 2018, quando no Twitter defendeu a permanência de Lionel Scaloni. E um de seus jogadores favoritos é De Paul, o segundo jogador que ele mais gosta. "Ele tem postura, técnica e raça, tudo o que eu admiro no futebol argentino".
E o primeiro?
"Messi".
Claro.