Ednaldo Rodrigues é assumidamente desconfiado. Quando virou presidente da CBF, cargo que ocupava até o começo da semana, quando o interventor José Perdiz assumiu, não assinava contratos ou aprovava gastos sem olhar cada item. Não importava o valor.
Ao bater o olho em um orçamento de viagem de sete dias da seleção brasileira feminina, percebeu que o documento previa US$ 35 mil gastos em lavanderia. O presidente pediu que se buscasse um fornecedor mais barato. "Para assinar, eu levei um tempo. Eu levei um tempo para confiar", contou o próprio Ednaldo ao UOL em entrevista antes de cair.
O que não se sabe, agora, é se Ednaldo vai assinar outros acordos ou aprovar novos gastos. Uma semana depois dessa conversa, ele foi destituído do cargo — muito por culpa desse "jeito Ednaldo" de administrar.
Para aliados, ele é detalhista e honesto.
Para desafetos, é centralizador e comete erros administrativos.
Para os dois lados, é unanimidade que a guinada foi significativa. Tanto que criou um cenário perfeito para a oposição conseguir seu afastamento por decisão judicial um dia após a rodada final do Brasileirão 2023.
Seu futuro será provavelmente decidido em uma nova eleição em que as forças de situação e oposição da CBF vão entrar em disputa. A confederação, como poucas vezes, está dividida e em guerra.
O UOL ouviu Ednaldo antes da decisão de destituição judicial. Todas as declarações dele aqui são, portanto, anteriores à medida do Tribunal de Justiça. As apurações da reportagem se deram durante todo o processo. Antes e depois da queda.
O presidente que irritou muita gente
O renascimento da oposição na CBF fica evidente no segundo semestre de 2023, quando uma série de dossiês com supostas irregularidades da administração de Ednaldo começou a ser distribuída para a imprensa. Passagens caras, viagens de avião charter, assédio. Boa parte das denúncias não parava de pé, outras sinalizam problemas administrativos, todas sugerem uma paralisia da confederação.
Essa chuva de denúncias mostrava um grupo descontente com o descumprimento de acordos feitos durante o período de consolidação no poder. Havia conversa sobre Andrés Sanchez ser o diretor de seleções, o que atenderia aos interesses de Ricardo Teixeira. Ele ignorou. O vice da CBF, Fernando Sarney, era o representante do Brasil na Fifa. Foi retirado do cargo. Diretor da CBF, Flávio Zveiter teve todos os seus projetos engavetados pelo presidente. Pediu para sair.
E Ednaldo nem sempre ouvia os presidentes de federações. Às vezes, nem mensagens ele respondia. Só os procurava quando lhe interessava por força política. Isso foi criando um desgaste no corpo político da CBF. É esse corpo de pessoas insatisfeitas que gerou força para uma oposição.
A crise da seleção brasileira, sexta colocada nas Eliminatórias e com técnico temporário, foi o golpe mais duro. A oposição entendeu como o momento da ofensiva.
Onde entram Marco Polo e Ricardo Teixeira
Ednaldo é um homem do sistema do futebol, não um outsider. Antes de virar vice da CBF, foi presidente da Federação Bahiana por 18 anos. Por isso, foi uma surpresa quando, ao se consolidar na presidência, passou a romper laços com o velho poder, principalmente o financeiro.
Um exemplo é a concorrência do contrato comercial da Copa do Brasil, vencida pela Brax. Ela substituiu a Klefer, que teve acordo com a CBF de 2012 a 2022, em um acordo assinado por Ricardo Teixeira pouco antes de renunciar à presidência da entidade.
O valor daquele contrato era inferior em quase dez vezes ao novo acordo. A investigação do Fifagate, na Justiça dos EUA, apontou que a Klefer era suspeita de pagar propinas a dirigentes da CBF por esse contrato. A empresa nega e diz que foi inocentada - tem um documento que a isenta de consequências do processo.
Recentemente, a CBF decidiu alugar um avião para levar a seleção brasileira a Barranquilla, na Colômbia. Pagou entre US$ 650 mil e US$ 750 mil por um voo de luxo que saiu da Europa. Quem prestou esse serviço foi um parceiro novo e não o Grupo Águia, de Wagner Abrahão, que costumava ser contratado em casos assim. Antes, o valor era maior e o serviço inferior, segundo o UOL apurou.
A investigação de promotores americanos, de novo no caso Fifagate, apontou que propinas tinham sido pagas ao ex-presidente da CBF José Maria Marin por meio de empresas de Abrahão. Também existem indícios de transações de imóveis suspeitas do empresário com Del Nero, além da acusação, feita pela CPI de 2001, de superfaturamento de passagens para a CBF. As empresas de Abrahão continuam a prestar serviços à entidade em outros campos, operando a maior parte dos transportes do futebol brasileiro.
Del Nero e Teixeira não são os únicos incomodados com Ednaldo. Há dirigentes, na CBF e no futebol, que falam que ele descumpriu acordos políticos, engessou a entidade com centralização, é incoerente com promessas de campanha e os prejudica na gestão. Ao lado de Ednaldo, estão nomes como Ricardo Lima, que comanda a Federação Bahiana e é seu concunhado, e Gustavo Vieira, presidente da Federação do Espírito Santo, que virou diretor financeiro da CBF.
As críticas à gestão de Ednaldo
Ednaldo estudou ciências contábeis e, na CBF, tornou função da presidência avaliar notas fiscais e orçamentos. Um dia, recebeu um contrato de troféus para campeonatos de categorias de base e não acreditou que eles custavam, por unidade, entre R$ 90 mil e R$ 110 mil. Mandou encerrar o vínculo. "Ando pela CBF e as pessoas sabem que sou um presidente presente", justificou.
O UOL ouviu de pessoas que conviviam com Ednaldo que essa característica torna cada decisão demorada. Entendem que não cabe ao presidente de uma entidade que arrecadou R$ 1,072 bilhão em 2022 conferir gastos pequenos. Existem, por exemplo, protestos de despesas não pagas pela CBF de R$ 238 (com um laboratório) e R$ 1.069 (com um açougue).
A consequência disso está no Serasa. A entidade chegou a ter nota 2 na avaliação de crédito. O índice começa em zero e vai até 1.000. Nota 2 é aquela de empresas quebradas. A reportagem encontrou, no total, R$ 2,5 milhões em títulos reclamados. Lembrando: a CBF tinha cerca de R$ 900 milhões em caixa no início de dezembro.
A justificativa de Ednaldo é que alguns dos valores têm sido cobrados em duplicidade, já tinham sido pagos ou eram de serviços sem comprovação de prestação. Há, ainda, a alegação de que parte dos montantes era de gestões passadas. "Não vou me submeter a chantagens. Se fizerem isso, coloquem no cartório, protestem. Só pagamos o que realmente foi feito", disse Ednaldo.
Ao mesmo tempo em que rompeu contratos, Ednaldo contratou novos prestadores de serviços para a CBF. Uma empresa chamou muita atenção da oposição.
A ACS era uma MEI (empresa de pequeno porte com limite de arrecadação de R$ 81 mil) e passou a emitir notas que somavam R$ 1,3 milhão para a CBF por serviços de transporte - para funcionários, colaboradores e convidados da entidade. Só mudou o regime de tributação (que permite arrecadação maior) no primeiro semestre. A empresa pertence a Anderson Castro de Souza, motorista de Ednaldo quando chegou à CBF.
Ednaldo afirma que foi feita uma concorrência e que se paga pelos serviços menos do que para as empresas anteriormente contratadas. Também diz que não conhecia Anderson antes de ele prestar serviços na entidade.
O que Ednaldo tentou para se manter no poder...
Assim que a campanha da oposição tomou corpo, Ednaldo aproveitou-se de uma reunião para discutir um projeto de infraestrutura para buscar apoio. Conseguiu assinaturas da maioria das 27 federações estaduais - pelo menos 25 delas - contra um possível golpe e em favor de sua permanência.
Na sequência, os clubes da Série B assinaram um documento de apoio. Entre os clubes da Série A, há pelo menos um cartola claramente insatisfeito: John Textor, dono da SAF Botafogo. Entre os outros clubes, Ednaldo sofre críticas, mas também mantém uma relação próxima.
...E o que ele pretende fazer para voltar
Com Ednaldo deposto, haverá nova eleição, provavelmente com chapas de oposição e situação. Após a queda, o ex-presidente da CBF foi procurar antigos aliados, se mostrou arrependido pela forma centralizadora de gestão e prometeu lançar uma nova candidatura em que dividiria poderes. O presidente da FPF, Reinaldo Carneiros Bastos, é um aliado.
Ednaldo busca outros, mas há desconfiança de que promessas podem não ser cumpridas. E existe uma candidatura construída por insatisfeitos. No momento, o ex-diretor da CBF Flávio Zveiter aparece como provável candidato de oposição, mas esse quadro ainda pode mudar.
De qualquer maneira, ganhe ou perca, Ednaldo dificilmente poderá fazer de novo o escrutínio em cada conta da CBF e centralizar decisões.
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