'Pressão louca': novo diretor abre o jogo sobre as contas do Corinthians

O novo diretor financeiro do Corinthians, Rozallah Santoro, concedeu entrevista ao UOL e abriu o jogo sobre as contas do clube.

O que ele falou

Tamanho da dívida: "A dívida é de mais ou menos R$ 1,7 bilhão, R$ 1,6 bilhão. Cerca de R$ 850 milhões no clube e mais R$ 700 milhões na arena".

E como contratar reforços? "Diria para você que o caminho, sim, é fazer proposta parcelada. Vai querer R$ 10 milhões à vista? Fica mais difícil".

Dá para formar um time forte mesmo com a dívida alta? "Problema não é não gastar. É gastar bem. Estamos carentes de gastar bem o que temos".

Qual o maior objetivo? "R$ 400 milhões de dívida seria saudável. Temos quatro vezes mais, R$ 1,6 bilhão. Dá para chegar nessa dívida saudável em três anos? Do jeito que está, a resposta é não. Mas dá para chegar em uma dívida saudável com mais um ou dois mandatos, talvez".

O dia a dia é uma pressão louca. Receitas recorrentes e extraordinárias. O fluxo tem que linearizar Rozallah Santoro

Veja a entrevista de Rozallah Santoro na íntegra

Como está sendo a transição?

"A transição, até aqui e pelo que pude vivenciar no financeiro, é bastante cordial, profissional. Eu tive, sim, acesso a tudo que eu podia ter acesso. Não faltaram informações sobre a dívida, acordos assinados. Eu já mergulhei alguns dias, passei alguns dias conhecendo dinâmicas de trabalho, as pessoas que formam a equipe, as consultorias que dão suporte para a gestão financeira. Tive acesso a tudo que eu podia ter."

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Qual o patamar da dívida do Corinthians?

"Diminuiu um pouquinho. Falam que a dívida do clube cai para R$ 850 milhões, mas continua a pressão com as dívidas que vencem até o meio do ano. A dívida real é de R$ 1,7 bilhão, R$ 1,6 bilhão. Cerca de R$ 850 milhões do clube e mais R$ 700 milhões só da arena."

Dívidas de curto prazo

"Não tem dinheiro carimbado no caixa. O grande desafio no dia a dia é entender quais são as parcelas das dívidas longas que não se pode deixar de pagar e perder o que foi negociado, e como se encaixa o dia a dia nisso. A dívida da arena está para 20 anos, numa taxa de juros que se eu for buscar no mercado eu não consigo a mesma taxa. O refinanciamento de impostos pós-pandemia foi feito, e são cerca de R$ 550 milhões em 12 anos, reajustados na taxa Selic. Mais barato que Selic ninguém consegue. O grande desafio é manter o fluxo do que foi negociado para longos prazos e não perder os benefícios. O dia a dia é uma pressão louca. Receitas recorrentes e extraordinárias. O fluxo tem que linearizar."

Como escolher o que pagar das dívidas?

"Temos um grande problema de curto prazo que foi alongado. Existia um sufoco que com o programa de refinanciamento foi alongado. Vem outro fluxo financeiro, com a construção de um novo problema de curto prazo e chega uma hora que não dá mais para alongar. Estou muito preocupado com o que vence até o meio do ano. É impossível a gente analisar a gestão sem comparar com os nossos pares. Se pegar o endividamento de impostos, o Corinthians é o maior devedor e deve mais que o dobro que o segundo, o Botafogo. A gestão que foi feita até hoje deixou o clube numa situação que não dá para brincar de não pagar impostos. Tem que encarar o problema."

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Dívida do Fausto Vera e transfer ban

"Queria aproveitar a pergunta para dizer que não vai ser fácil. Principalmente nesse começo. Existe, sim, a preocupação [de transfer ban]. A dívida do Fausto Vera de alguma forma está planejada no fluxo, mas não é a única. O curto prazo é o maior problema por causa de bloqueio de conta, penhora, transfer ban. Se olhar na ponta do lápis, temos algo em torno de R$ 350 ou R$ 400 milhões que são o grande problema do Corinthians. Contas que vencem até o meio do ano. É difícil, não é terra arrasada. Dá para fazer, mas é difícil. Temos que contar com o fluxo extraordinário para compor o fluxo. Televisão, patrocinadores, Liga... Com 100 ou 150 milhões de receitas extraordinárias dá para encarar o desafio de curto prazo."

Direitos de TV

"Fala-se de R$ 100 milhões, mas não sabemos se janeiro. Começo do ano vai ser conturbado. A Fiel não pode esperar calmaria de cara."

Conciliar dívidas com o investimento em futebol e a venda do Moscardo

"Não pressionei ou pressionarei para vender jogador a curto prazo. Se ocorrer, é decisão administrativa do futebol. Não conto com a venda do Moscardo para arrumar o financeiro. O futebol é o motivo da nossa existência."

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Premiação por performance

"É exatamente por isso que insisto que todos entendam que a janela de oportunidade do Flamengo, que entrou em grande renegociação no Profut em 2015 com R$ 700 milhões. R$ 700 milhões atualizados estariam perto de R$ 1 bilhão hoje. O Flamengo se deu ao luxo de não ter performance esportiva na gestão Bandeira de Mello por um período e manteve receita de televisão por causa de audiência. A premiação não tinha relação direta com performance como hoje. Hoje não há opção, precisamos de um elenco competitivo. 30% da televisão vem da colocação no campeonato. Em termos financeiros, isso nunca foi negligenciado. Só comparar orçamento do Corinthians com pares da Série A. Corinthians tem a quarta folha de pagamento do país. E a colocação no Campeonato Brasileiro mostra que as três primeiras folhas chegaram no fim com chance de título, e Grêmio e Bragantino fizeram mais com menos. E o Corinthians fez menos com mais, tinha dinheiro e não montou elenco competitivo."

Vai manter a folha salarial?

"Problema não é não gastar. É gastar bem. Estamos carentes de gastar bem o que temos."

As dívidas com atletas são um problema muito grande?

"Deixar de pagar acordo é sempre pior. Nunca é um bom caminho deixar que seja judicializado. Principalmente os acordos tributários. Quando se faz esse acordo, juros e multa são perdoados. Se deixar de pagar, volta tudo. Com ex-jogadores, não tem problema dizer que vai pagar daqui a uma semana, um mês, fazer uma composição em negociação individual com jogador, empresário, fornecedor. Todas as empresas são assim, é a vida."

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O Corinthians tem orçamento disponível para comprar jogadores?

"Com o sufoco do curto prazo, posso até ter orçamento e o dinheiro não é carimbado no caixa. Tenho verba para gastar, mas precisa ter no caixa e o problema é agora. Quando falamos que tivemos recorde de receita em 2023, próxima de R$ 1 bilhão, boa parte veio da venda de Murillo, Pedro, Adson, Róger Guedes... O pacotão é de uns R$ 250 milhões. E não veio à vista. É uma receita, não está errado, mas não mexe no caixa em 2023. Entra nos próximos anos, meses. Diria para você que o caminho, sim, é fazer proposta parcelada. Vai querer R$ 10 milhões à vista? Fica mais difícil. Todos os clubes têm mesma situação de caixa, a nossa um pouco mais, mas não significa que outros não têm."

Pode comprar jogadores e combinar as parcelas de acordo com as parcelas recebidas dessas vendas?

"É nessa linha. A gente vai ter que buscar compor, sempre. Qualquer negociação compromete o caixa de alguma forma e deixaremos de pagar algo pela aquisição. É uma decisão. Uma decisão executiva do presidente e é papel nosso, do financeiro, fazer isso acontecer. E ele vai colocar os desafios para gente. Não podemos fugir da responsabilidade. Tenho um negócio importante a fazer, então vamos fazer e entender como é possível."

O presidente Augusto Melo cria expectativa alta sobre brigar por todos os títulos. Como lidar com isso?

"Adorei a pergunta. Ela traz exatamente o teor do desafio que a gente se propõe a encarar. Não vamos resolver tudo no primeiro dia, primeiro campeonato. Tudo que foi falado em campanha, tudo que Augusto falou e se compromete com torcida, é tudo em perspectiva sobre trabalhar para acontecer na gestão Augusto Melo. Aqui [financeiro], temos que colocar o pé no chão. Não traremos todos os jogadores. Não temos a regalia do Flamengo de abrir mão de disputar títulos. O desafio na largada é ter uma reestruturação do elenco. Não é uma jornada como a do Grêmio ou Red Bull, porque teremos mais dinheiro. A expectativa do torcedor é fazer o possível dentro do disponível. Transatlântico não dá cavalo de pau, a lancha dá. É importante o torcedor ter em mente que o começo será muito difícil. Não só o desafio financeiro, como o de trocar as peças sem ter todo o elenco. É um desafio do futebol. E o papel do financeiro é ajudar a colocar esse time em campo. Não tenho expectativa de mega virada em curtíssimo prazo. Vamos entrar e torcer para ganhar o Paulista de cara, mas de forma realista, podemos esperar uma boa pré-temporada, um novo elenco, ter resultado... O orçamento do clube é o jeito mais transparente: semifinal do Paulista, sétima colocação do Brasileirão, oitava da Sul-Americana e oitavas de final da Copa do Brasil."

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Augusto promete brigar por tudo, não ser campeão de tudo. Mas o torcedor é torcedor...

"Tem o componente de brigar por tudo ao longo dos próximos três anos, mas a evolução é gradual. A gente continua sendo conservador com orçamento de premiação. Se passarmos mais de fase, vamos comemorar juntos. É o tipo da meta que faz para bater."

Como você vê o discurso do "jogador que vem de graça"? Duilio contratou vários jogadores de salário alto com esse argumento...

"Não existe jogador de graça no futebol. Aí falam que um patrocinador paga um jogador. O discurso até cabe, um dinheiro novo, patrocinador novo, para um jogador que vem fora do orçamento. Mas não tem jeito. Dinheiro no caixa não tem carimba, vai para necessidade emergencial. Jogador de graça vem com tudo que não se paga em transação, com luva e comissão geralmente mais altos. Tem que avaliar, ter critério. O Corinthians já fez isso muito bem, se pegar o time campeão do mundo pela última vez tinha peças que vieram de estudo estatístico. Ralf, Paulinho, Jorge Henrique, Danilo, Alex, Douglas... Muitos jogadores que não eram badalados e se encaixaram como luva nas suas posições, com o Edu Gaspar cuidando da inteligência de contratação. O Tite queria um jogador que fazia isso, isso e isso, e, estatisticamente, se buscava para compor elenco em cima das necessidades. O desafio é retomar um trabalho que já fizemos com maestria. Quando falamos de executivo de futebol, é para buscar alguém que desempenhe exatamente esse papel."

O Corinthians e outros clubes maquiaram um pouco as contas nos últimos tempos para anunciar superávit. Dá para esperar uma posição mais transparente dessa gestão?

"Dá para tomar por base esse fim de ano. Dizemos para todos que batemos R$ 1 bilhão de receitas e estamos antecipando R$ 24 milhões na Federação Paulista. Está no balanço. Uma coisa é um plano, o ano de 2023 tem essa receita, ok, mas não entrou tudo no caixa. Falo com tranquilidade pois sempre levantei isso nas reuniões do Conselho. Tem que fazer escolha. Se quero fazer o balanço e reportar tudo, tem que ter bilheteria, despesa de dia de jogo, mas não tem, por exemplo, aluguel da arena. Então faz de conta que não tem arena. Não paga aluguel para ninguém se não tiver a arena? Joga no Pacaembu sem pagar? Se não estamos pagando aluguel, deveríamos guardar recursos para pagar a dívida da arena que custou R$ 100 milhões esse ano em juros. Será que não fica mais barato ano que vem? Fica, mas pagando só juros, sem a amortização. Se eu estou lá dizendo que a bilheteria entra nas receitas e pago as despesas da arena, como não pago o juro da arena? São CNPJs diferentes, mas para quem chega o boleto? Sai do caixa. Discutimos no Conselho que o resultado de bilheteria menos despesa de jogo é coisa de R$ 70 milhões. E reportamos R$ 10 milhões de superávit. Cadê a dívida da arena? Tem que reportar -60. Tem que reportar tudo junto. Depois do acordo com o fundo e a Odebretch saiu, é uma dívida com a Caixa e vamos dizer que arena não existe? Ignoramos por três anos a dívida com a arena. Todas as matérias falaram em R$ 900 milhões de dívida sem contar a arena."

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Você teve acesso à proposta de quitação da dívida com a Caixa?

"Sim, parte em naming rights. Dos R$ 700 milhões, basicamente R$ 350 milhões em naming rights e outros R$ 350 milhões em títulos de dívida com o tesouro nacional que a Caixa gere. Tomara que a Caixa aceite, imagina o tamanho das pedras que saem da mochila nas costas. E aí faria mais sentido a conversa de usar a arena para captar dinheiro. Enquanto a dívida existe, não tem equação econômica que pare em pé, como por exemplo vender um pedaço. É um grande zero a zero. Quem compraria um pedaço esperaria dividendo, que seria maior do que é pago para a Caixa nos juros. Sem a dívida com a Caixa, esse plano faz sentido. Daria para levantar recursos e financiar a curto prazo. É um potencial gigantesco."

Quanto você acha que é possível reduzir a dívida nesse mandato de três anos do Augusto Melo?

"Estou disposto a encarar os R$ 400 ou R$ 450 milhões do curto prazo. Se resolvermos isso durante o mandato, saio com a sensação de dever cumprido. Para isso ser resolvido, estaríamos em dia com a arena, questões tributárias antigas e os novos tributos, e rodando sem pressão no curto prazo. Como isso volta para o clube em performance esportiva? Teria o dinheiro para dizer para o Augusto gastar 100, 150 milhões no mercado e ajustamos orçamento mensal. O custo da dívida hoje, por mês, é de R$ 8 milhões da arena, uns R$ 4 milhões de impostos. Se temos 20, 22 milhões com futebol, teríamos outros 12 para investir, mais de 50% de aumento. Transformar isso de dívida em orçamento é montar o passo que alguns rivais nossos deram. E aí dá para montar um super time. São R$ 12 milhões, é muita coisa. A gente compara a dívida com o resultado operacional. Sem entrar em economês, é receita menos despesa, o basicão, o que sobra. Mas a conta é feita antes dos juros, do pagamento de taxas do balanço, amortização, impostos... Esse resultado nosso é de R$ 180 a R$ 200 milhões. A dívida saudável é até o dobro. R$ 400 milhões seria saudável. Temos quatro vezes mais, R$ 1,6 bilhão. Dá para chegar nessa dívida saudável em três anos? Do jeito que está, a resposta é não. Mas dá para chegar em uma dívida saudável com mais um ou dois mandatos, talvez. Para deixar tudo saudável, talvez uns nove anos. Mas se entregarmos o clube com gestão financeira para ser tocado adiante, com redução de caixa de curto prazo, para mim seria uma vitória".

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