Ancelotti deu cano ou CBF que se iludiu? As versões em um ano de espera
A CBF esperou um ano até ver o técnico Carlo Ancelotti renovar com o Real Madrid. O italiano deu cano? O presidente Ednaldo Rodrigues se iludiu?
O que aconteceu
O presidente afastado Ednaldo Rodrigues nega o "toco" e afirma a pessoas próximas que foi ele quem liberou Ancelotti para renovar com o Real. O motivo seria a crise da CBF.
A confiança era tanta que Ednaldo ligou para Ancelotti quando trouxe Fernando Diniz como interino e até comentou sobre o início ruim dele nas Eliminatórias. O contato era frequente.
Afastado da presidência, Ednaldo teria dito nos últimos dias a Ancelotti que não conseguiria honrar o suposto acordo verbal. O treinador, então, teria aceitado a proposta antiga de renovação do Madrid.
Essa versão de Ednaldo, porém, só foi informada depois da renovação de Ancelotti no Real Madrid até 2026. Até então, o discurso era o mesmo: havia um acerto com o italiano, mesmo que informal.
Ancelotti nunca confirmou acerto com a CBF. O técnico sempre disse que tinha contrato com o clube espanhol.
A cronologia
A CBF apontou Carlo Ancelotti como prioridade logo após a eliminação para a Croácia no Qatar. Essa informação foi antecipada pelo UOL em dezembro de 2022.
A negociação sempre foi tratada como difícil, mas possível por Ednaldo Rodrigues. O presidente elogiava Ancelotti e afirmava que a CBF tinha outras opções e não teria pressa. Os prazos sempre eram esticados, primeiro em janeiro, depois março, maio e junho. Ramón Menezes foi o interino.
O discurso começou a mudar em março, quando Ednaldo ouviu os líderes do elenco e confirmou o interesse em Ancelotti. O mandatário dizia à imprensa que queria e a pessoas próximas que era possível.
Não precisa de apresentações. É mesmo um treinador top, que tem várias conquistas e esperamos que possa ter ainda mais
Ednaldo, em março, à Reuters
O UOL ouviu que, após "quatro ou cinco encontros" presenciais na Europa, Ancelotti deu o "sim" entre maio e junho. Houve um suposto acerto verbal para assumir em julho de 2024, no fim do vínculo com o Real Madrid.
Em julho, a CBF anunciou Fernando Diniz como interino até Ancelotti chegar. E Ednaldo Rodrigues finalmente falou abertamente sobre o italiano.
"Ele vai estar, pode ter certeza", disse Ednaldo ao ser perguntado sobre Carlo Ancelotti na seleção brasileira em 2024.
O presidente afastado repetiu o discurso de acerto com Ancelotti sempre que perguntado. E todos na CBF ratificavam esse acordo.
Centralização
A negociação entre CBF e Carlo Ancelotti foi mais difícil do que o usual no mercado da bola. A falta de intermediários é o motivo.
Ednaldo Rodrigues centralizava tudo na entidade, enquanto Ancelotti não tem empresário. O contato era direto entre os dois.
Ednaldo entendeu que o "sim" verbal de Ancelotti era suficiente e compreendia que Ancelotti negasse por questões éticas em respeito ao Real Madrid.
Com o afastamento na CBF e sem um diretor para honrar o acordo, Ednaldo desistiu de Ancelotti. A renovação com o Real Madrid foi a pá de cal.
Dinizismo vai ficar?
Fernando Diniz tem contrato até junho e ainda não foi procurado pela CBF para renovar. O treinador foi contratado como "interino" ciente da provável chegada de Ancelotti no segundo semestre de 2024.
Diniz está de férias e resolveu descansar. Ele teve um ano puxado entre Fluminense e CBF e pessoas próximas a ele dizem que o técnico mal acompanha o noticiário.
A permanência de Fernando Diniz no ciclo para a Copa do Mundo de 2026 é uma possibilidade, mas os problemas da CBF deixam o cenário incerto.
O Brasil tem amistosos contra Inglaterra e Espanha, já em março, e uma partida preparatório contra o México em junho, dias antes da estreia na Copa América.
Afastamento
Ednaldo Rodrigues tentou, sem sucesso, se recolocar na presidência da CBF. José Perdiz é o mandatário interino da CBF até a realização de novas eleições.
No último dia 22, o ministro André Mendonça negou, no Supremo Tribunal Federal (STF), o pedido de liminar feito pelo Partido Social Democrático (PSD), que tinha como objetivo derrubar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), que destituiu Ednaldo da presidência da entidade.
O mérito da questão era reconhecer o Ministério Público do Rio (MPRJ) como parte legítima para sugerir um Termo de Ajustamento de Conduta que serviu como alicerce para a eleição de Ednaldo, em 2022.
Mendonça considerou que não há motivo para lidar com o mérito da questão com alguma medida de urgência, como é a liminar.
Ednaldo Rodrigues afirma que não será candidato às eleições e só voltaria à CBF se o atual mandato fosse ratificado.
A tentativa
O processo no STF foi aberto pelo PSD porque o senador Otto Alencar é próximo a Ednaldo.
A discussão também não avançou em recursos feitos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recursos levados pela CBF e pelo Ministério Público.
Com a negativa, continua deflagrado o processo eleitoral na CBF. Flávio Zveiter e Reinaldo Carneiro Bastos aparecem como possíveis candidatos. A expectativa é que José Perdiz, presidente licenciado do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), marque nos próximos dias a data da eleição.
A tentativa de Ednaldo de disputar a eleição perdeu força nos últimos dias com uma sinalização dele de deixar a aliança com Reinaldo e tentar acordo com a oposição.
A Fifa e a Conmebol estão de olho no processo, sob a alegação de haver uma interferência externa na CBF. As duas entidades disseram que em janeiro virão ao Brasil para autorizar ou não a eleição.
A confusão jurídica
O processo foi aberto em 2018, em uma ação civil pública que contestava a mudança de estatuto feita pela CBF em 2017, que alterou as regras eleitorais da entidade.
O caso se arrastou ao longo dos anos e, pela decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o cenário de poder precisa voltar ao que era em 2017.
Ou seja, não valeram as eleições e assembleias subsequentes, como a que elegeu Rogério Caboclo, em 2018, e a que elegeu Ednaldo, em 2022.
"O MP entrou com a ação questionando a alteração. Nenhum legitimado entrou? Aqueles que poderiam entrar, ninguém se mexeu. Os autores foram VP, presidente, uma briga de poder. Mas, repito, os legitimados ordinários (clubes e federações) nunca se mexeram. Os supostos afetados mantém-se silentes. A ingerência do Estado no direito associativo deve ser mínima. Se há entes com capacidade de lutar pelo próprio direito, que o faça. É imprópria a substituição do papel dos órgãos da entidade pelo Ministério Público do Rio", disse o desembargador Gabriel de Oliveira Zéfiro, relator do caso.
Na decisão, Zéfiro disse que não havia relação de consumidor entre os torcedores e a CBF e isso tirava a legitimidade do MP de interferir e fazer o TAC a respeito das regras eleitorais da entidade.