Zagallo morreu.
São 13 letras, uma coincidência. A fixação pelo número 13 e a defesa ferrenha e acrítica da "amarelinha" foram o lado mais visível, um pouco folclórico da vida de Mario Jorge Lobo Zagallo, o maior treinador brasileiro de todos os tempos.
Se contra fatos não há argumentos, os números comprovam a grandeza de Zagallo, morto hoje em consequência de falência múltipla dos órgãos, causada por uma infecção urinária. Foi campeão do mundo como jogador em 1958 e 1962, como treinador em 1970 e coordenador técnico em 1994. Foi vice-campeão como treinador em 1998. E conquistou a medalha de bronze olímpica em 1996.
Alagoano, nascido em 9 de agosto de 1931, Zagallo chegou ao Rio no ano seguinte, com oito meses. A família foi morar na Tijuca e, quase como consequência natural, foi frequentar o América. E lá, no América, Zagallo destacou-se como meia esquerda e jogador de tênis de mesa. Logicamente, o futebol falou mais alto e ele já começou a pensar em chegar à seleção brasileira. "Eu era meia e vi que não teria lugar para mim, então resolvi ser ponta esquerda para ter mais chance", afirmou ao globoesporte.
Chegaria lá, mas sofreria antes. Em 1950, estava no Maracanã no dia 16 de julho. Não como jogador e sim como soldado do Tiro de Guerra destacado para ajudar na segurança da final contra o Uruguai, quando 200 mil brasileiros viram o Maracanazo, vitória de 2 x 1 de virada do Uruguai. Oito anos depois, seria importante na conquista do primeiro título mundial do Brasil.
Depois de disputar dois campeonatos pelo América, chegou ao Flamengo em 1950. Conquistou o tricampeonato carioca de 1953 a 55. Era um jogador franzino e muito combativo. Em 1955, ele se casou com Alcina, com quem teria cinco filhos. Eles se casaram em 13 de janeiro e Alcina era devota de Santo Antonio, cuja data é comemorada dia 13 de junho. Começou aí a paixão pelo número 13. O livro "Zagallo, Um Vencedor", de Luiz Augusto Erthal e Vanderlei Borges, conta que, ao comprar um apartamento na Barra da Tijuca, Zagallo exigiu que estivesse no 13º andar.
O tricampeonato e o futebol constante o levaram a ser lembrado para a Copa de 1958. Mas não seria fácil uma vaga. Ele era o menos espetacular dos três pontas convocados. Não tinha o chute forte de Pepe, do Santos, - autor de 405 gols na carreira - e nem o drible de Canhoteiro, do São Paulo, que era chamado de o Garrincha da esquerda.
Zagallo e Pepe foram os escolhidos. E não se pode falar em injustiça. O treinador era Vicente Feola, que, como Canhoteiro, trabalhava no São Paulo, campeão paulista de 1957. Feola era auxiliar do húngaro Bela Guttman, que havia dirigido o mágico time do Honved, campeão húngaro e base da seleção olímpica medalha de ouro em 1952.
Feola apostou em um 4-3-3, com Zagallo ajudando o meio campo. Um trabalho parecido com o de Zinho em 1994. Com fôlego, dedicação e técnica também, Zagallo ganhou um lugar no time. Sua presença permitia os avanços de Nilton Santos, autor do segundo gol na vitória por 3 x 0 contra a Áustria. Gol de lateral. Uma modernidade graças à genialidade de Nilton e ao suor de Zagallo. E sorte também. Afinal, Pepe se machucou pouco antes da Copa e o caminho ficou aberto para Zagallo, que marcou um gol na final - 5 x 2 contra a Suécia.
Quatro anos depois, ele era o titular novamente, agora na Copa do Chile. Não havia contestação. E ele fez uma Copa de alto nível. Mostrou que era mais do que o apelido de "formiguinha" deixava antever. Fez o primeiro gol do Brasil na Copa. Percebeu um espaço na defesa do México, se apresentou, recebeu o passe de Pelé e abriu caminho para o bicampeonato.
Deixou a seleção em 1964, com uma vitória por 4 x 0 sobre o Peru. Foram 33 jogos e cinco gols.
Em 1958, após 205 jogos e 29 gols, trocou o Flamengo pelo Botafogo. Formou um ataque lendário com Garrincha, Didi, Vavá e Quarentinha. Foi campeão carioca em 1961 e 1962. E deixou a carreira de jogador para iniciar outro caminho vitorioso.
Assumiu o time juvenil do Botafogo e foi alçado ao principal. Ganhou os campeonatos cariocas de 1967 e 68 e a Taça do Brasil, que, décadas mais tarde, seria reconhecida como Campeonato Brasileiro. Deixava de existir o "formiguinha" e começava a nascer o "Velho Lobo".
Em 1970, o Brasil vivia o sonho do tricampeonato impedido por uma campanha muito ruim em 1966. O treinador era o jornalista João Saldanha, o "João sem Medo". Ele disse que convocaria onze feras e se classificou com seis vitórias em seis jogos. Mas "João sem Medo" era comunista e, em entrevista na Europa, denunciou torturas no Brasil. Foi demitido e Zagallo assumiu a 77 dias da Copa.
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Quero receberE, se com Saldanha a seleção se classificou com seis vitórias, com Zagallo ela foi tricampeã também com seis vitórias. Foram 21 gols marcados e cinco sofridos. Mesmo assim, houve quem questionasse o trabalho de Zagallo. Seria apenas a continuidade do que fizera Saldanha.
Não foi assim. Basta uma simples olhada nas escalações. Na última partida das eliminatórias, o Brasil, diante de 183 mil pessoas no Maracanã, venceu o Paraguai por 1 x 0. A escalação foi: Felix, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo, Piazza e Gérson, Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. Zagallo mudou. Fixou Brito na zaga. Recuou Piazza e colocou Clodoaldo ao lado de Gérson. Everaldo foi o lateral esquerdo. E ele tirou Edu, um ponta-ponta para colocar Rivellino, um meia. A mais questionável de suas decisões foi convocar Dario, centroavante do Atlético, uma sugestão do ditador Emílio Garrastazu Medici.
Na Copa seguinte, o mundo foi surpreendido pela seleção holandesa e seu carrossel, com jogadores sem posição. Na véspera do jogo, Zagallo disse que era um esquema tico-tico no fubá. O Brasil foi eliminado com derrota por 2 x 0, e ele disse que a frase era uma maneira de dar confiança aos seus jogadores.
Ele sempre foi assim. A "amarelinha" acima de tudo. E ai de quem apresentasse alguma contestação. A cada competição, sempre dizia: 'faltam seis jogos, faltam cinco, quatro' e sacava da manga coincidências com o número 13.
Em 1994, ele voltou a uma Copa do Mundo. Era o coordenador, e Parreira, o treinador. Zagallo era a salvação de rádios do interior do Brasil, que sempre têm mais dificuldades em conseguir uma entrevista. Ele atendia a todas, com enorme paciência. E prazer. Estava no seu habitat. Nas eliminatórias da Copa, em 1993, a BBC levou Barbosa, o goleiro de 1950 no Maracanazo, para conversar com Taffarel, o goleiro do Brasil. Parreira proibiu. E Zagallo recebeu Barbosa com fidalguia e emoção. Conversaram por um bom tempo.
Em 1997, na Copa América, mesmo com enorme currículo, Zagallo era contestado. Então, em entrevista a Tino Marcos, da Globo, desabafou. "Vocês vão ter de me engolir", gritou, referindo-se aos críticos. No ano seguinte, nova Copa do Mundo. E dois fatos marcaram a presença de Zagallo.
Na semifinal, empate por 1 x 1 com a Holanda. E, antes da disputa por pênalti, Zagallo conversou com os batedores. Incentivou a todos, com gritos, dizendo que o Brasil venceria. Ganhou por 4 x 2. Na final, um dia antes, Ronaldo Fenômeno teve uma convulsão. Edmundo foi escalado de forma oficial. Então, Ronaldo disse que estava bem e que iria jogar. Zagallo aceitou, e o Brasil entrou em campo muito cauteloso, com medo de que algo acontecesse com seu craque. Zagallo foi criticado por uma decisão que levou mais em conta o desejo de Ronaldo do que possíveis consequências com sua saúde. Houve críticas também por não levar Romário, contundido, o destaque da Copa de 1994.
Mas não foi o último ato. Em 2001, viu o Flamengo vencer o título carioca. Gol de Petkovic no finalzinho do jogo, em cobrança de falta. A televisão mostrou um Zagallo, com 69 anos, rezando com uma imagem de Santo Antônio, aquele que é comemorado no dia 13, nas mãos.
A dobradinha Parreira e Zagallo voltaria a dirigir o Brasil em 2006. E foi derrotada pela França, nas quartas, por 1 x 0.
Foi sua despedida da seleção, com 135 jogos, 99 vitórias, 26 empates e dez derrotas.
Além do Brasil, Zagallo treinou Kwait, Emirados Árabes e Arábia Saudita. Além de Flamengo e Botafogo, dirigiu Vasco, Bangu, Portuguesa, Fluminense, Al Hilal e Al Nassr.
O "formiguinha" ganhou um título pelo América, oito pelo Flamengo, onze pelo Botafogo e cinco pela seleção. O "Velho Lobo" ganhou seis títulos pelo Botafogo, três pelo Fluminense, quatro pelo Flamengo, dois pelo Vasco, um pelo Bangu, um pelo Al Hilal, seis pela seleção brasileira e outro pela seleção saudita. Como coordenador técnico, foram cinco títulos.
Mario Jorge Lobo Zagallo e o futebol brasileiro, não apenas a seleção, formaram uma parceria indelével e que continuará mesmo com seu desaparecimento físico.
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