Sobrevivente do incêndio no Ninho hoje joga na várzea e trabalha em fábrica
Gabriel Castro ainda veste uniforme e calça chuteiras, mas o futebol mudou de lugar em sua vida. Sobrevivente do incêndio do Ninho do Urubu, o jovem de 20 anos seguiu um rumo diferente do sonhado quando pisou no Flamengo. O hoje ex-lateral não esconde que a noite de 8 de fevereiro de 2019 mudou seu destino.
Mexeu bastante com todos nós, interrompeu sonhos. Parecia que nada daquilo era real, que não tínhamos perdido os nossos amigos. Quando alguém fala de Flamengo comigo, o que vem à mente é aquela tragédia. Ficou a tristeza
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Gabriel Castro
Gabriel, atualmente, mora em Franca, com a família, e trabalha com o pai em uma fábrica de bolsas para o público feminino. O futebol, porém, ainda está presente: ele participa do Campeonato Varzeano, torneio amador organizado pela prefeitura local.
Ele passava por um período de testes no Rubro-Negro e dormia no CT na noite em que o alojamento pegou fogo. Foi um dos 16 jovens que escaparam com vida — outros 10 não conseguiram.
Foram cerca de seis meses de Flamengo. Gabriel permaneceu no clube por mais três meses após a tragédia, até o adeus forçado, sob a alegação de que, naquele momento, a lateral direita não era um setor carente.
Do Rio de Janeiro foi para Campinas, onde desembarcou na Ponte Preta. Na Macaca, foram dois anos e meio atravessados pela pandemia da covid-19. "Foi muito tempo sem treinos e jogos. Fui dispensado porque precisavam diminuir o grupo", disse.
Gabriel aguardou nova oportunidade no mundo da bola, mas decidiu mudar de rumo: "Houve a saída da Ponte e a pandemia atrapalhou algumas coisas, também para o surgimento de uma nova chance. Neste cenário, decidi não seguir mais esse caminho. Tive o apoio da minha família, mas, claro, se aparecesse outra chance, eu voltaria".
Os convites para jogar ainda não são da forma que esperava, mas não param de surgir na região onde mora: "O pessoal chama bastante e não tem coisa melhor do que jogar futebol".
Longe dos treinos diários e dos jogos, a rotina do jovem consiste em chegar à fábrica às 6h e sair às 18h. À noite, quando não vai à academia, reencontra a bola nas "peladas" com os amigos.
Lembranças de um sobrevivente
Falar sobre aquela noite de fevereiro de 2019 ainda causa dor. Gabriel conta o que lembra do momento em que foi acordado até a ligação para o pai para contar que estava bem, e externa a angústia que sentiu. Ele recorda que, ao sair do alojamento, viu as chamas e companheiros chorando.
"João Vitor e Naydjel foram me acordar dizendo: 'O alojamento está pegando fogo'. Achei que fosse brincadeira, estava sonolento, mas eles insistiram. Levantei correndo. Assim que saí, me deparei com o alojamento em chamas e meio que travei. Vi uma boa parte dos amigos de equipe chorando porque não havia mais o que fazer. Tinham vários extintores jogados no chão, que foram inúteis contra o fogo que se formou", lembrou.
O responsável naquela noite nos chamou no refeitório e fez uma chamada para ver quem estava ali. Naquele momento, faltavam 10 meninos. Enquanto ele fazia a chamada, chorava. Em seguida, tive a calma necessária para ligar para o meu pai, que já estava acordado para trabalhar. Ele atendeu: 'Pai, o alojamento está pegando fogo e tem 10 meninos desaparecidos'. Avisei que estava bem e desliguei porque o telefone estava com pouca bateria
Em meio ao trauma, o jovem reconstruiu um novo caminho. Com rotina bem diferente, mas com a mesma paixão pelo futebol.