Exposição da vítima e rompimento com defesa: 420 dias do caso Daniel Alves

Daniel Alves foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão pelo estupro de uma mulher de então 23 anos. Cabe recurso.

A decisão do julgamento, que aconteceu entre 5 e 7 de fevereiro, foi divulgada ao jogador e à acusação no Tribunal de Justiça da Espanha ontem (22), exatos 399 dias depois da prisão preventiva do jogador, em 20 de janeiro de 2023, e 420 dias do crime.

O caso aconteceu em 30 de dezembro de 2022 e começou com a ativação de um protocolo chamado "No callem", que auxilia vítimas de violência sexual no momento (ou quase) em que o crime acontece. O protocolo foi acionado quando a vítima disse ao segurança da boate Sutton que havia sido violentada.

O segurança que a atendeu, assim como o gerente e o sócio da boate, afirmaram em juízo que a mulher não queria denunciar a nenhum custo, por se tratar de um homem famoso. "Ninguém vai acreditar em mim", teria dito.

Mas a ativação do protocolo foi fundamental: policiais foram acionados e convenceram-na a denunciar. Enquanto isso, a área da boate onde o crime aconteceu foi fechada para perícia, que chegou rapidamente ao local.

A coleta de provas e exames de corpo de delito foram determinantes para que Daniel Alves fosse condenado. A vítima foi atendida por psicólogos e psiquiatras desde o primeiro dia — todos ouvidos durante o julgamento e convergentes sobre o estado dela: em choque, falando pouco, muito nervosa.

A mulher teve sua identidade preservada até dezembro de 2023, quando páginas de fofoca do X (antigo Twitter) e a própria mãe de Daniel Alves publicaram imagens dela.

A preservação da identidade dela, mesmo se tratando de um caso de extrema repercussão, faz parte da legislação espanhola. No país, é crime divulgar imagens de denunciantes de supostos agressores sexuais. No Brasil, a lei não é tão rígida. Ainda assim, todos estão sendo processados pela advogada da mulher.

Prisão em 20 de janeiro de 2023

Daniel Alves foi detido no escritório de sua advogada, Miraida Puente, em 20 de janeiro de 2023. A prisão preventiva teve o intuito de que ele não atrapalhasse as investigações, que começavam naquele momento. Ele foi para a penitenciária de Brians 2, que tem até piscina e teatro.

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Miraida, advogada de Alves e da ex-esposa Dinorah Santana, foi quem o representou inicialmente, sem experiência em direito criminal. Miraida era uma mera burocrata da família, cuidava de questões financeiras e contratuais. O caso acabou sendo demais para ela, que cometeu uma série de equívocos nos primeiros dias, como:

Antes de prestar depoimento, Daniel Alves gravou um vídeo e divulgou ao portal de notícias espanhol Antena 3 em que afirmava nunca ter visto a mulher que o acusa, antecipando a estratégia da defesa de negar tudo.

Quando viajou para Barcelona, decidiu voluntariamente se apresentar à Justiça para prestar depoimento — coisa que ele poderia ter feito à distância, no México. A defesa de Daniel sabia que ele seria preso e não evitou a viagem a Barcelona.

Ao saber da possibilidade de prisão, a advogada Miraida Puente tentou ser recebida pela juíza do caso, que não aceitou o contato. Ainda assim, Miraida não recomendou que o jogador ficasse calado em juízo.

Não ter conseguido reverter a prisão preventiva pesou para Miraida. Daniel Alves decidiu, então, contratar o advogado especialista em fazer acordo, Cristóbal Martell. Ele, junto de Miraida, assumiu o caso.

No entorno do jogador, a escolha de Martell sempre foi vista com ressalvas. Primeiro, porque o advogado não é especialista em casos de agressão sexual; segundo, porque havia o entendimento de que uma advogada mulher poderia causar melhor impressão diante da Justiça espanhola.

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Foi sob as rédeas de Martell que foram pedidas duas vezes a liberdade provisória do jogador. A defesa entregou os documentos do jogador à Justiça alegando que o brasileiro não fugiria e que tinha vínculos familiares na Espanha.

A ex-esposa e ex-sócia de Daniel Alves, Dinorah Santana, inclusive se mudou com os filhos do jogador para Barcelona para reafirmar esse laço com a cidade. Não adiantou. O laço entre eles se rompeu no fim do ano passado, quando Dinorah alegou que o ex-marido devia três anos de pensão.

Quatro dias depois da prisão, o UOL conseguiu com exclusividade uma entrevista com a advogada do caso, Ester García López — a única entrevista concedida por ela a veículos de imprensa no mundo.

À época, a advogada disse que a denunciante estava em estresse pós-traumático e fazendo tratamento para inibir ISTs (infecções sexualmente transmissíveis): "Quero prisão, não quero dinheiro", teria dito a vítima a Ester.

Em maio de 2023, o UOL teve acesso exclusivo às gravações que têm sido usadas pela Justiça espanhola no caso. As imagens mostram a denunciante e a prima caminhando em direção à saída — ela apresenta dificuldade para caminhar; mostra o joelho ferido para a amiga e começa a chorar. As duas se abraçam por cerca de um minuto, até que são abordadas por um segurança da discoteca, a poucos metros da porta de saída. Ainda chorando, a vítima explica ao funcionário o que aconteceu e volta a mostrar o joelho ferido; o segurança chama o gerente da Sutton.

Cinco versões

A primeira entrevista de Daniel Alves, a uma rede de televisão espanhola, seguiu a mesma linha de sua primeira versão oficial do que teria acontecido naquela noite: ele foi enfático ao dizer que nunca tinha visto a mulher que o acusava. Depois, afirmou que esteve com ela no banheiro, mas que nada aconteceu; a terceira versão foi de que entre os dois teve apenas sexo oral. Em abril de 2023, Alves deu uma nova versão, admitindo que houve, sim, penetração, mas com consentimento.

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Enquanto ele seguia preso, Martell tentava colocar em prática todo seu conhecimento em acordos para conseguir a liberdade do atleta. O caso Robinho, entretanto, pautou as decisões judiciais de não permitirem que o brasileiro respondesse em liberdade. A Justiça espanhola disse, sequenciais vezes, que o jogador tinha condições de fugir para o Brasil, e vínculos que permitiriam essa fuga.

A defesa de Daniel Alves tentou fazer acordos com a própria vítima, por intermédio de sua advogada, mais de uma vez. A ela, foi oferecida uma quantia equivalente a R$ 1 milhão. Mas, como antecipado por Ester García López ao UOL, a vítima não aceitou o acordo. Ela seguia em busca do julgamento.

Martell nunca foi uma decisão unânime por parte dos que cercavam o jogador: ele, um advogado tributarista, não parecia ser a melhor opção quando visto sob a perspectiva de um defensor de um acusado de estupro. Foi quando, em outubro de 2023, ele foi deposto do cargo oficialmente. Sua arma principal, os acordos bem-sucedidos, não estava sendo útil no caso do brasileiro.

Neymar paga multa

A última cartada de Martell foi o pagamento da multa de R$ 900 mil na época (150 mil euros) à Justiça espanhola, cujo intuito era diminuir a pena de Daniel pela metade em caso de condenação. O pagamento da multa está previsto em lei, e seria repassado à vítima caso o brasileiro fosse considerado culpado.

O pagamento foi feito em agosto de 2023. Segundo o UOL apurou com exclusividade, quem repassou a quantia à advogada Miraida Puente, que nunca deixou o caso, foi o pai de Neymar Jr. A família Neymar transferiu o dinheiro, que foi de fato eficaz para abrandar a pena do atleta na decisão publicada ontem (22).

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Martell sai, entra Inés

Já mirando o julgamento, Daniel Alves e sua equipe demitiram Martell e contrataram Inés Guardiola: mulher, advogada criminal, de perfil pouco midiático e com retórica impecável. Seu foco foi no que poderia amenizar uma possível condenação, que parecia o destino de seu cliente.

O brasileiro ensaiou, então, uma quinta versão dos fatos da noite de 30 de dezembro de 2022. Apostou na teoria de que estava altamente alcoolizado na noite do crime, endossado pelas testemunhas da defesa no dia do julgamento. Na Espanha, há um atenuante de pena que pode existir se comprovado vício em álcool e drogas.

Não passou: o atenuante do álcool não foi considerado pelo Tribunal, que enfatizou que as análises periciais e de testemunhas não dão indícios de que o jogador estaria fora de suas faculdades mentais no dia do crime. Ainda assim, o pagamento da multa resultou num atenuante de pena: no julgamento, o Ministério Público havia pedido nove anos de prisão a Daniel Alves. Ele foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão.

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