O Bico do Papagaio é uma região de Tocantins, transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica. É composta por 27 cidades, com um total de 230 mil habitantes. É uma região com muitos conflitos agrários. A Guerrilha do Araguaia passou por lá. Hoje, é região turística, principalmente em Araguatins, onde se juntam os rios Araguaia e Tocantins.
Ao sul, o Bico do Papagaio faz divisa com Araguaína, a segunda cidade mais populosa de Tocantins, com 180 mil habitantes. Está a 384 quilômetros de Palmas, a capital. A cidade tem dois times disputando o campeonato estadual, o Araguaína Futebol e Regatas, conhecido como Tourão do Norte, e o União Atlético Clube.
É ali, em Araguaína, é ali no União, que um tetracampeão mundial de futebol está praticando o gratificante esporte de sentir os pelos do braço se eriçarem e aquele friozinho tomar conta da barriga quando começa - ou até antes de começar - uma partida de futebol. É Luiz Carlos Prima, preparador físico da seleção brasileira por sete anos, de 1991 a 1998 e que deixou o futebol por 20 anos para poder, segundo ele, namorar a esposa Cristina, com quem é casado há 44 anos.
"Eu sempre acompanhei o Zagallo. Saímos da seleção em 1998, eu fui para o Japão e depois fomos juntos para a Portuguesa e Flamengo. Em 2001, ele resolveu parar de vez. Eu ainda trabalhei um ano no Taubaté, mas percebi que não aguentava mais. Muita viagem, não via os filhos e resolvi deixar tudo para namorar minha mulher, ir a restaurante, tomar vinho, a vida não é só futebol, na época eu percebi".
Cristina tinha feito cursos de culinária, era chef e Prima resolveu investir em gastronomia. Comprou um restaurante, reformou e deu o nome de Alecrim. Parreira, Zagallo, Branco, Romário e companhia iam com frequência. "Ganhei muito dinheiro e 16 anos depois, eu vendi o restaurante para um auxiliar que queria ser sócio. Não gosto de sociedade".
Mas gosta - e como gosta - de futebol. Em 2019, foi convidado por Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol, a fazer o curso da CBF. Licença A. Como a sede estava ocupada, as aulas foram no Oscar Inn, um centro de treinamento pertencente ao ex-zagueiro Oscar, que fica em Monte Sião.
Na primeira aula, os alunos deveriam dizer qual o motivo de estarem ali. Prima falou: "Eu parei com o futebol para não me separar da minha mulher, como muitos de vocês que já estão no segundo ou terceiro casamento. Agora, quero voltar para ter alegria novamente". Foi aplaudido.
Diploma na mão, foi trabalhar no Gama, em Brasília, como diretor. Depois, foi treinador do Taguatinga e, em seguida do Independente do Amapá. Ficou em segundo lugar, atrás do Trem. No início do ano, recebeu o convite de Tiba, que havia sido seu jogador naquele Bragantino campeão, dirigido por Luxemburgo.
Prima é técnico. Preparador físico. Coordenador. Tudo passa por ele. O primeiro passo foi observar vídeo de 40 jogadores, enviados por empresários. "Escolhi oito e juntamos com um pessoal da cidade".
O segundo passo, se dependesse de Tiba, seria jogos amistosos para conhecer melhor os jogadores. Prima recusou. "Quero jogadores em ótima forma física, para correrem mais que os outros. Foquei nesse trabalho. Eu tinha feito a mesma coisa no Amapá, lá, ganhamos as seis primeiras e ficamos em segundo lugar. Aqui, com o campeonato com 12 jogos, não dá para perder tempo".
O Campeonato Tocantinense tem oito clubes. Eles se enfrentam em turno único. São sete jogos para cada um. Os quatro primeiros vão para as semifinais, ida e volta. Estão aí os 12 jogos falados por Prima. Os finalistas levam tudo: vaga na Série D, na Copa do Brasil e na Copa Verde.
O União venceu os cinco primeiros jogos. Tem seis gols marcados e nenhum sofrido. É o líder e no sábado (24) enfrentou o Araguaína, no clássico local, com vitória por 1 a 0.
"É um campeonato de tiro curto, não dá para experimentar muita coisa. Eu utilizo 14 jogadores no máximo, não fico trocando. Não tenho fisiologista, minha experiência é que define se alguém vai ter alguma lesão. Você viu o Ramon Menezes reclamando que a seleção olímpica não tinha fisiologista e nem auxiliar de preparador de goleiros? É muito luxo".
Prima repete sempre uma expressão: "No meu tempo não tinha nada disso e a gente ganhava tudo". A gente, no caso, é o futebol brasileiro. Ele se sente decepcionado com o atual estado de coisas. "Tem gente que faz de tudo, faz qualquer coisa para dirigir a seleção. O Diniz aceitou ser treinador interino. Isso não pode. Nem ele aceitar, nem a CBF convidar. Outra coisa, os treinadores devem ter um leque de 30 a 35 jogadores no máximo. Hoje, tem 50, 60. Convocam cada um que ninguém conhece".
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Quero receberEm Tocantins, Prima vai tocando do seu jeito. Não gosta de jogador com fone e nem com brinco na orelha. Trata todo mundo com respeito, mas mantém uma certa distância. Vai a churrasco, mas não bebe com jogador. Está longe de tudo, mas está feliz. E só ficou triste uma vez. Conta com a voz embargada. "Daqui não tem avião para o Rio. Precisa tomar um ônibus até Palmas e depois o avião. Não pude me despedir do Zagallo, mas minha mulher e meus filhos foram me representar".
Com tamanho currículo, poderia estar em outro lugar? "Vou fazer 69 anos e é claro que poderia estar em um grande centro, mas hoje em dia quem manda nos clubes são os empresários. Eles colocam seus jogadores e ninguém pode falar nada porque os clubes devem para eles. Meu empresário é meu espelho. Meu trabalho me recomenda".
Mas, e se vier um convite de um grande centro? Aceita? "Sim, aceito, mas tem que ser do meu jeito. Sem palpites".
O campeonato termina em abril. Depois, a paixão em Tocantins se vira para campeonatos de escolinha, de peladas e peladas no barro. Prima não estará mais lá. Ou estará em casa namorando ou vendo o pelo do braço se arrepiar em algum outro rincão brasileiro.
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