O camisa 10 acabou? Ou nós simplesmente não sabemos o que ele faz?
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Dorival Júnior, em sua primeira coletiva após convocação da seleção brasileira, foi claro ao afirmar que o 'camisa 10' está faltando em muitos times. Justificando a necessidade de adaptação, o treinador jogou luz a um tema recorrente no nosso futebol: onde estão os camisas 10?
Mas para acharmos esse item valioso e que parece em falta no mercado, é necessário entender o que faz tal jogador, quem ocupa este espaço nos times brasileiros, quem já fez isso no passado... Atrás das respostas para tantas perguntas, o UOL buscou dissecar o jogador 'em extinção' no mundo da bola.
Temos alguns jogadores com funções, temos Andreas, Paquetá. Os próprios volantes que falam segundo volantes, mas pra mim são meias, alguns de chegada, outros de criação. Estamos cientes de que é uma posição que tem faltado em muitos clubes. Por isso estamos readaptando volantes para funções de criação Dorival Júnior, técnico da seleção brasileira
O que faz um camisa 10
Dentro de campo, o 10 é visto como fator criativo do time. É o jogador citado como peça-chave na construção de oportunidades.
"A função é alimentar a equipe através da capacidade dele e definir o jogo com possibilidade, com criatividade ou com bolas paradas, é o cérebro do time", explicou Emerson Leão, ex-técnico de futebol.
Mas não é só isso, hoje em dia o camisa 10 também é cobrado por iniciar a transição defensiva da equipe.
"O 10 deve passar bem, dar ritmo, ser um dos primeiros a comandar a parte defensiva, ter gols e normalmente é um equilíbrio entre atacar e defender", comentou Alex, ex-meia de Coritiba, Palmeiras e Cruzeiro.
O camisa 10 está acabando porque na base já estão privilegiando mais o treinamento tático, a formação tática do que propriamente talento, normalmente quando pegam esses números 10 e o garoto tem talento, botam ele pra armar no canto direito e no canto esquerdo. Então, os meias hoje viraram quase um meia ponta e, lógico, ali no meio, na criação, não tem praticamente ninguém Zico, ex-camisa 10 do Flamengo
O 10 ideal
PVC, colunista do UOL, conta no livro 'A Escola do Futebol Brasileiro' que desde sua origem há dois tipos de 'camisas 10'. Nunca foi fácil criar um padrão para estabelecer este jogador.
Gerson, o mito: Gerson simboliza o 10 armador, que tinha controle tático do jogo e seu tempo, capaz de realizar jogadas plásticas e encontrar espaços com lançamentos e passes. Este perfil de camisa 10, como também era Rivelino, é pouco visto no futebol atual.
Zico, o 10 atacante: Zico, tal qual Pelé, atuava como segundo atacante, com atribuições de armação e entrada na área. Semelhante a Bebeto na seleção, ou Neymar e Messi atualmente.
"Quando falamos num 10 ponta de lança, hoje podemos ter o Neymar, que não é um ponta esquerda. O Zico era um segundo atacante. O Bebeto jogava com a sete, a nove no Flamengo, mas fazia este movimento em relação ao Romário", disse PVC.
Zidane, o último 10: No futebol moderno, a melhor forma de entender a evolução do camisa 10 é lembrar de como jogava o francês Zinédine Zidane.
"O camisa 10 do século 21 é o Zidane. Mas ele parou em 2006 e estamos em 2024, faz quase 20 anos. O Zidane já era um milagre, porque era um 10, que jogava com a 5 no Real e a 21 na Juventus, a 10 só na França, e era um milagre porque sobrevivia apesar da lentidão e do estilo clássico. Ele cumpria funções táticas defensivas importantes", emendou PVC.
Ganso, o 10 que sobrou: Paulo Henrique Ganso poderia ser o 'último 10', mas ao mesmo tempo que trabalha como armador clássico, ele não conseguiu se firmar em grandes cenários. "Mas Ganso não sobreviveu na Europa. Esse 10 não sobreviveu. Agora o 10 segundo atacante é o Messi, que joga, hoje em dia, livre atrás do atacante", explicou.
Quando falamos que o 10 está acabando, de qual 10 falamos? Esse 10 está sucumbindo porque não existe mais um cara com esta função exclusiva de organizar. Ele é um meio-campista que pode ser o Ganso e ao mesmo tempo o Gerson (do Flamengo). O De La Cruz também, que muitas vezes é segundo volante. O 10 estilo Gerson (ex-jogador) não existe mais porque hoje é preciso um nível de competição maior PVC, colunista do UOL
Pelé criou um mito inatingível
Ainda que a numeração no futebol brasileiro date de 1948, o mito criado por Pelé passou a escravizar qualquer um que vestisse a 10. Não basta jogar, é preciso ser 'o Pelé do seu time'.
"Quando falamos do Camisa 10, nos referimos ao Pelé dessa equipe, 'camisa 10' deve ser o meia que tem a referência técnica da equipe", disse Vagner Mancini, técnico do Ceará.
"Normalmente, um atleta de muito boa relação com a bola, que faz uma ligação entre o meio campo e o pessoal de ataque. É um termômetro de quando acelerar e diminuir o ritmo", afirmou Alex.
"Depois do Pelé, o 10 ficou como uma referência de capacidade total, então você vai ser o responsável pelo peso da sua camisa", lembrou Leão.
"É um líder dentro de campo, é aquele que, quando entra em campo, o torcedor e o próprio grupo sabem que ali tem um comandante, esse é o camisa 10", disse Pita, ex-meia de Santos e São Paulo.
Estamos carentes demais de camisas 10, é difícil você encontrar hoje um camisa 10 igual que nós tínhamos na década de 60, 70, 80. A camisa 10 não é tão valorizada como era antigamente. Não dá para entender o por quê sumiu aquele camisa 10 raiz, aquele camisa 10 que realmente representava muito bem a camisa 10 dentro de campo. Porque quando você colocava a camisa 10, já vinha na sua mente Pelé, porque ele eternizou essa camisa, então você tinha a responsabilidade muito grande dentro de campo de ter o rendimento acima da média Zenon, ex-meia de Guarani e Corinthians
Quem é o maior 10 do Brasil na atualidade?
Para encontrar os camisas 10 do passado e do presente, a reportagem do UOL questionou sete profissionais da bola, entre ex-jogadores e treinadores, pedindo sugestões de quem fez a função ou a execute atualmente no futebol nacional.
O resultado: é muito mais fácil encontrar alternativas olhando para o passado do que hoje em dia. Entre os camisas 10 de antigamente, 25 opções apareceram.
Deixando Pelé, o maior de todos os tempos, fora da lista, o primeiro na eleição foi Zico, com cinco votos. Em seguida, Rivellino e Ademir da Guia, com quatro. Dicá e Pedro Rocha tiveram três.
Mas faltam alternativas no presente. A mesma questão sobre jogadores que executam a função atualmente no futebol brasileiro teve apenas 10 opções como resposta.
Um dos mais votados não é brasileiro. Dos cinco mais lembrados, dois são estrangeiros.
Os mais citados foram o uruguaio De Arrascaeta, do Flamengo, e Ganso, do Fluminense, com quatro votos cada. Alan Patrick, do Inter, Raphael Veiga, do Palmeiras, e James Rodríguez, colombiano do São Paulo, tiveram três.
Não tem mais camisa 10, acabou. Tem o Ganso, ele não corre, joga porque tem talento, o Ganso flutua, não é muito de meter a bola. Me fala outro 10? Tem o Neymar, ele é um 10, mas não é um armador. Mudaram o conceito tático, o futebol brasileiro está pobre, hoje não temos mais jogadores criativos, eu ouço o seguinte, centroavante tem que marcar, tem que marcar gol pô, é um outro conceito Rivellino, ex-meia de Corinthians e Fluminense
O 10 'saiu de moda' no mundo
Colunista do UOL, Rafael Reis conta que a maioria dos clubes da Europa deixou de usar a figura do camisa 10 a partir de uma mudança de sistema. Quando os principais clubes do mundo abriram mão de um volante trocando o 4-2-3-1 pelo 4-3-3, também abdicaram de tal figura.
"Geralmente, os meio-campos são formados por um volante e dois box-to-box (expressão em inglês para jogadores que vão de uma intermediária até a outra do campo)", contou.
As principais exceções são o Manchester City, que tem De Bruyne em tal posto, o Bayern de Munique, que alterna Musiala e Muller como 'camisa 10', e principalmente o Real Madrid, cujo '10', Jude Bellingham, joga atrás de Vini Jr e Rodrygo e tem conquistado grande destaque.
A figura do camisa 10 era muito frequente nos times do Velho Continente quando o sistema da moda era o 4-2-3-1. Agora, a maioria dos clubes joga no 4-3-3, Barcelona, Liverpool, Manchester United... A Inter de Milão, por exemplo, joga com dois atacantes, uma formação que pediria um meia, mas ainda assim não tem esse camisa 10 Rafael Reis, colunista do UOL