Para uma mulher se destacar em um ambiente tão masculino como o futebol brasileiro, é preciso dar a cara a tapa. E foi isso que a atual diretora jurídica do Fluminense fez há quase 19 anos, em 2005, quando começou sua trajetória como advogada assistente no clube. Menos de 10 anos depois, em 2014, assumiu como CEO (diretora-executiva) do Fluminense, acumulando também a função de diretora jurídica. A primeira mulher a assumir um cargo desse em um clube de futebol brasileiro.
Mas lá em 2005, em busca de uma oportunidade no clube do coração, Roberta Fernandes descobriu quem comandava o departamento jurídico do Fluminense e foi lá. "O vice-presidente de Interesses Legais da época era advogado trabalhista com um escritório no centro. Eu marquei um horário como se eu fosse uma potencial cliente do cara, literalmente", contou Roberta ao UOL.
De volta ao Brasil depois de uma temporada morando no exterior, ela tinha se formado em Direito havia pouco tempo e queria entender que rumo tomar na carreira. Foi quando "caiu do céu", em seu colo, uma matéria de jornal sobre as dívidas dos clubes de futebol na área trabalhista.
A curiosidade para entender o jurídico de um clube começou aí. "Fui para o tribunal, comecei a montar um relatório dos processos do clube na área cível, que é a área que eu me identifico mais. E preparei todo aquele 'paper', encadernei, botei escudo do clube, fiz prognóstico, atualizei cálculos".
Com o material pronto, Roberta chegou ao escritório do vice-presidente de Interesses Legais do Fluminense. "Ele olhou para mim assim, sem acreditar naquilo que ele estava vendo, que eles não tinham aquilo ainda, era o início de gestão. Eles não tinham aquele tipo de relatório, eles não tinham nada daquilo feito", disse.
"Parecia que eu tinha ouro na minha mão, quando ele viu, literalmente. E ele me falou que eles tinham vaga de fato, estavam procurando, só que era um estagiário", completou. Roberta foi chamada para fazer uma prova — e passou.
'Era eu sozinha, 15 homens e uma mulher em uma reunião, sempre'
Mas, claro, até chegar lá, existiram "situações desconfortáveis". "[Cheguei ao clube] em um universo muito diferente do que a gente vive hoje. Do ponto de vista político, do ponto de vista de consciências, do ponto de vista do tratamento à mulher. Era um mundo completamente diferente", disse.
"Então eu lidei obviamente com situações bastante difíceis, eu tive muito jogo de cintura para sair dessas situações difíceis. Eu tenho várias passagens aí de situações desconfortáveis que vivi no passado. Eu sempre vi, eu nunca levantei essa bandeira como algo negativo, eu nunca me vi como uma vítima dessa situação, ao contrário. Sempre vi isso como algo que me dava a oportunidade de crescer e de me fortalecer", completou.
No início da carreira, ela admite que passou por situações difíceis ao chegar em um ambiente em que não existiam mulheres ocupando cargos de destaque. Ao assumir como CEO, no entanto, Roberta afirma que não se sentiu desrespeitada por jogadores, outros diretores ou CEOs de outros clubes.
"Quando eu assumi o cargo de CEO, eu já tinha consolidado a minha posição de uma forma muito firme aqui, muito forte, as pessoas já me conheciam, já me respeitavam", disse Roberta. "Não era uma pessoa chegando de fora, do nada, já era minha casa, já era minha vida, minha família, eu já respirava e vivia o Fluminense 24 horas do meu dia".
"Então acabou sendo um processo super natural e foi um momento em que tive a ajuda do clube inteiro, sem exceção, de todos os funcionários, jogadores, comissão técnica, de todas as pessoas, pessoas que eu tenho carinho até hoje", completou Roberta, que deixou o cargo para ser mãe. "Eu saí do clube, literalmente, na véspera (de ter o filho)".
Sobre o futuro de lideranças femininas no futebol, Roberta prefere ser otimista. "Eu acho que hoje o mercado vê de uma forma diferente a posição, a contratação de lideranças femininas. Eu vejo que isso está acontecendo, é uma crescente. Eu comecei em um ambiente que não tinha, era eu sozinha, 15 homens e uma mulher em uma reunião, sempre. Hoje eu tenho colegas", disse.
A diretora jurídica do Fluminense também acredita que os clubes estão entendendo esse movimento do mercado. Para ela, a profissionalização da gestão também ajuda. "Independente do modelo associativo, de SAF, o que quer que seja, está trazendo isso também, tem esse viés, tem essa pegada, a mulher entrega pra caramba", disse.
"É o trabalho, é o empenho, é a competência, é isso que tem que ser determinante, não o gênero. Eu vejo dessa forma, mas de novo, acho que é um movimento sem volta, acho que está acontecendo, em uma velocidade ainda mais tímida, mas já vejo uma mudança gigantesca para o cenário que encontrei no passado. Então, eu procuro olhar sempre o copo mais cheio", completou.
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