É raro ver mulheres comandando algo no futebol brasileiro, seja à beira do gramado ou usando terno para dirigir um clube. Quem toma as decisões hoje no futebol masculino são homens. Um levantamento feito pelo UOL mostra que só uma mulher preside um clube grande no Brasil: Leila Pereira, presidente do Palmeiras.
A pesquisa considerou os cargos que mais influenciam um time de futebol nas séries A e B do Brasileirão: técnico, presidente e diretor de futebol. Quem escala, quem manda e quem monta o elenco. Nos casos em que o clube optou por não utilizar um diretor ou vice-presidente de futebol para planejar o elenco, o levantamento considerou a pessoa que toma essa decisão.
No total, de 117 cargos analisados, em 116 essas funções são ocupadas por homens. Em clubes considerados grandes no Brasil, apenas 3 mulheres foram presidentes até hoje. No Coritiba, após a morte do diretor-executivo de futebol Júnior Chávare, a posição está em aberto, assim como a Ponte Preta e o Athletico, que não têm um executivo definido para o cargo.
Classificação e jogos
Presidente do clube mais vitorioso dos últimos anos no futebol brasileiro, Leila assumiu em dezembro de 2021 e já mira a reeleição no Palmeiras. Ela é a única mulher nos 40 cargos de presidente analisados pelo UOL, nas séries A e B do Campeonato Brasileiro.
As únicas
Em clubes considerados grandes no Brasil, a pioneira foi Marlene Matheus, que, em 1991, tornou-se presidente do Corinthians. Esposa de Vicente Matheus, presidente do clube alvinegro por 18 anos, em mandatos não consecutivos, ela sucedeu o marido e comandou o Timão até 1993.
O Corinthians não levantou taças no período de Marlene na presidência, mas ela continuou envolvida na política do clube. Foi, inclusive, em 2007, vice-presidente social na gestão de Andrés Sanchez. Um ano após assumir, rompeu com o grupo que comandava o Corinthians e deixou o cargo.
Quase 20 anos depois de Marlene assumir o Corinthians, clube que tem a segunda maior torcida do Brasil, foi a vez da ex-nadadora Patrícia Amorim ser presidente do clube com a torcida mais populosa do país: o Flamengo.
Primeira mulher a comandar o Rubro-Negro, Patrícia ficou de 2010 a 2012 na presidência, período em que o clube levantou apenas uma taça: o Campeonato Carioca de 2011. Nacionalmente, o Flamengo ficou sem títulos durante a gestão da ex-nadadora, que também ficou marcada pela contratação — e saída — de Ronaldinho Gaúcho.
Talvez você imagine quem foi a terceira a presidir um clube grande no Brasil: sim, Leila Pereira. Ela foi eleita conselheira do clube em 2017, dois anos depois do início do patrocínio da Crefisa e da Faculdade das Américas no Verdão, ainda sob gestão de Paulo Nobre. Leila é dona das empresas ao lado do marido, José Roberto Lamacchia.
A primeira grande contratação do Palmeiras com ajuda das novas patrocinadoras — das quais Leila é presidente desde 2008 — foi o atacante Dudu, em um chapéu sobre os rivais Corinthians e São Paulo. E o resto foi história: Leila assumiu a presidência em dezembro de 2021 e quer a reeleição até 2027, depois de seis títulos conquistados no clube.
Marlene, Patrícia e Leila eram as únicas em clubes grandes em suas respectivas épocas. Mas por que essas três mulheres sempre foram as únicas?
Ações afirmativas para mulheres em cargos de gestão
Em 2017, nas séries A, B e C do Brasileirão, apenas cinco mulheres estavam em cargos de comando no futebol brasileiro. Os dados foram obtidos por Monique Torga, em sua tese de mestrado no Curso de Educação Física da Universidade de Juiz de Fora (MG), "A trajetória de mulheres em cargos de gestão nos clubes de futebol do Brasil".
A pesquisa analisou cargos considerados como chefia nos clubes: presidente, vice-presidente de futebol, supervisor de futebol, diretor-geral e diretor de futebol. No total, eram cinco mulheres em 240 cargos analisados — ou 2%.
E hoje, sete anos depois da análise inicial, em conversa com o UOL, Monique não vê um cenário tão animador assim. "Para homens, é permitido treinar e gerenciar e liderar equipes de mulheres, mas, por outro lado, para mulheres ainda não há esse espaço (no futebol masculino)", disse.
Além disso, Monique critica o número de ex-jogadores que, rapidamente, passam a fazer parte do futebol dos clubes mesmo sem a capacitação profissional adequada - de maneira muito mais rápida e fácil do que as mulheres.
"Se a gente for colocar na ponta do lápis a quantidade de jogadores aposentados que vai fazer parte da diretoria do clube, da supervisão do clube, sem saber absolutamente nada de gestão esportiva, é muito grande", disse.
"Então, primeiro, eles ocupam a posição e aí, depois, a quem interessa, eles buscam capacitação. Na contramão de que, para mulheres, é completamente ao contrário", completou.
Monique também defende as ações afirmativas para mulheres como uma forma de inserir profissionais nas diretorias dos clubes, predominantemente masculinas. "Por mais que algumas mulheres e homens também se sintam incomodados com essa reserva de mercado, de barras afirmativas e tudo mais, é a única forma que a gente tem quando a gente fala de um viés sociocultural. Porque é uma característica que está na sociedade há anos", disse.
A solução? Dar oportunidade. "Para que elas assumam esse protagonismo e elas provem, por meio do resultado, do desempenho, que foi como a Leila fez, que elas são tão capazes quanto e estão tão aptas quanto os homens", completou Monique.
Profissionalização é importante
Com a chegada das SAFs (Sociedade Anônima de Futebol), o comando do futebol passou a seguir um modelo mais "profissional". E, para Monique, esse movimento é importante, já que a influência política no momento da contratação pode começar a pesar menos.
"Eu acho que esse movimento de SAF, de que as pessoas precisam enviar um currículo, de que, tecnicamente, esse currículo precisa ter alguns atributos, isso é importante. Porque hoje, dentro de recrutamento e seleção, já existem formas de a gente fazer esse recrutamento cego e que façam que você escolha o melhor currículo", disse.
"Esse movimento de profissionalização é muito importante, mas vai demorar muito para a gente conseguir minimamente uma equidade, falando principalmente em cargos de liderança, porque o machismo sufoca, você ficar ouvindo piada o tempo todo sufoca, você ficar tendo o seu trabalho descredibilizado por homens o tempo todo sufoca", completou Monique.
Outras mulheres no futebol
Já do outro lado do país, no Nordeste, o exemplo vem do Sport Recife. Pós-graduada pela Escola Superior de Marketing de Pernambuco e com curso de extensão de marketing realizado pela Boston University, Roberta Negrini é, desde meados de 2021, a vice-presidente de Inclusão e Diversidade. Com uma missão inédita no clube, ela assumiu a função com o desafio de dialogar e incluir a diversidade dentro dos temas e projetos desenvolvidos pelo clube.
"Esse tema ainda é bastante controverso, principalmente quando falamos de futebol, entidades em geral e até mesmo em empresas. Apesar dos avanços, ainda vemos pouca representatividade feminina nesses ambientes. A própria ONU Mulheres vem fazendo um trabalho neste sentido. Mas não podemos negar que, cada vez mais, o ambiente esportivo está buscando esse equilíbrio. Eu mesma sou uma prova disso. Temos evoluído no sentido de inserir algumas pautas como no combate à violência contra a mulher e meninas, alteração do contrato de trabalho dos jogadores com inclusão das cláusulas antirracistas e homofóbicas, instalação de um painel gigante com um manifesto à diversidade, além de venda de camisas do orgulho LGBTQIA+. Vejo como uma semente plantada que não tem mais volta", explica.
Já no caso do Vasco, desde que tornou-se SAF, conta com Katia dos Santos, atualmente no cargo de CFO, para liderar as finanças cruz-maltinas. Contratada em outubro de 2022, ela chegou em meio ao projeto para a construção da empresa, com a missão de auxiliar na implementação de controles internos, na gestão e na profissionalização de processos. Pioneira para a função que exerce no futebol brasileiro, ela destaca as perspectivas para atuação de mais mulheres no futebol:
"Acho que a principal mensagem é que não podemos desistir por encontrar portas fechadas ou por às vezes chegarmos num ambiente em que talvez sejamos minoria num primeiro momento. É nunca desistir realmente daquilo que acreditamos e confiar muito em si, porque eu poderia não ter aceitado. Tem toda uma questão de vulnerabilidade, é uma questão de como é que vão me ver nessa posição. Para mim, todo esse tempo no Vasco tem um significado que estamos realmente conseguindo ampliar os horizontes. E vai ficar um legado para as mulheres de que é possível. Quando eu comecei, não tinha referência de mulheres na área financeira, então a gente também tem de trilhar um caminho para poder ser referência", analisa.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.