Cuca diz querer ajudar na luta contra violência à mulher: 'Podem me cobrar'
Do UOL, em Santos
10/03/2024 22h17
Cuca fez uma longa declaração hoje e disse que quer ajudar a diminuir a violência contra a mulher.
O que aconteceu
Cuca citou um texto da colunista do UOL, Milly Lacombe, para refletir sobre seu papel na sociedade.
Ele aproveitou a coletiva de imprensa após estrear pelo Athletico para dizer que entendeu que o debate sobre violência contra a mulher não é sobre ele.
O treinador preparou um texto que foi lido no microfone. Nele, Cuca disse que uma sociedade machista deixou ele conviver com a condenação por estupro de uma menina de 13 anos em 1987, durante uma excursão do Grêmio à Suíça.
A condenação foi anulada pela Justiça Suíça, mas Cuca não provou sua inocência. Agora, ele diz que sua angústia não acabou e não pode mudar o passado, mas ajudar no futuro.
Veja a declaração completa
"Antes de encerrar essa coletiva eu quero falar sobre os últimos meses da minha vida, que foram de muita reflexão, muitas conversas. Porque antes de falar eu tinha necessidade de escutar. Minha esposa e minhas filhas estão me ajudando bastante. Eu escrevi um texto com a ajuda delas porque ainda não me sinto com conhecimento suficiente para falar sem esse respaldo sobre algo tão sério. Por elas e por todas. Não quero errar! Tenho escutado opiniões e tenho tentado entender o meu papel.
Recentemente, li uma coluna da Milly Lacombe no UOL em que ela dizia que isso não é sobre mim. Entendi o que ela queria dizer, mas eu quero colocar assim: Hoje sei que isso não é só sobre mim. Escolhi me recolher durante muito tempo e mesmo assim pude seguir minha vida. Uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir com a vida dela sem permanecer machucada. O impacto dura para sempre! Eu pude levar a minha vida contornando a história porque o mundo do futebol e dos homens em que vivo não tinha me cobrado nada. Mas o mundo está mudando, acho que para melhor, e por isso estou me dando conta de que não adianta eu entender o que é ser um grande treinador, pai, avô e esposo se eu não entender que o mundo é feito de outras coisas além do futebol, e que eu faço parte disso também.
Eu enxergava sim os problemas, inclusive recorrentes aqui no nosso universo do futebol e dos homens. Mas me calei porque a sociedade permite que um homem se cale. Aliás, permitia. Agora eu entendo, mesmo sem ainda conseguir me aprofundar para falar do jeito que seria certo, eu entendo que não posso mais me recolher, ficar calado, porque silêncio soa como covardia. Venho buscando ouvir mais, aprender, compreender. Não posso mudar o passado. Quantos de nós, homens, que agora me escutam, são capazes de olhar para o passado e rever atitudes? O mundo é um lugar muito diferente para homens e mulheres e quando a gente enxerga isso a gente pode até resistir, mas alguma coisa começa a mudar. E esse é o primeiro passo. Depois o sentimento é de real desejo de mudança. Só que as mudanças honestas e verdadeiras levam tempo, exigem dedicação, estudo, são dolorosas e desafiadoras. Já entendo que a realidade tem que ser transformada para que o mundo seja um lugar seguro para as mulheres, para todos.
O mundo do futebol ainda é campo de muitos preconceitos. Entendi que quando me cobram, não é só sobre mim: é sobre a forma como nós homens - e a sociedade como um todo - trata as mulheres de maneira desigual e muitas vezes violenta. Eu não estou falando isso aqui hoje como uma fala isolada, para agradar alguém, da boca pra fora. Fosse assim já teria me manifestado antes. Eu falo isso do coração. Eu tenho me dedicado a isso, quero e me comprometo a aprender cada vez mais e fazer parte dessa transformação. Como eu vou fazer isso? Eu acredito no poder transformador da educação. Quero ajudar, quero jogar luz sobre a gravidade e a seriedade da violência contra a mulher. Quero usar a voz que tenho para, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens a falar sobre esse tema, principalmente com os jovens que amam futebol.
Masculinidade, poder, sucesso repentino. Tudo isso é um desafio para qualquer jovem. Muitos se perdem. De repente ganham fama, dinheiro, a vida muda muito rápido. Somos levados a pensar que podemos tudo, inclusive desrespeitar as mulheres. Acho importante que os homens que estão nesse processo de busca de entendimento como eu, fiquem perto da meninada da base, dos nossos filhos, netos, sobrinhos. Precisamos dar a eles a oportunidade de não errarem como tantos homens de muitas gerações erraram. Porque é ali que a gente consegue sensibilizar, colocar para pensar, orientar. Todos deveriam entender o que venho aprendendo: Sucesso e dinheiro não servem para nada se você se perder pelo caminho. Eu pensei que estaria leve, que minha angústia acabaria com a resolução legal do processo. Não acabou! E entendi que não acabou porque ela não dependia só de uma decisão judicial, mas também de entender o que a sociedade espera de mim. Daqui em diante, o que vocês vão ver são atitudes. Podem me cobrar. Obrigado por me escutarem e boa noite".