Ex-Corinthians concilia três empregos após parar por doping: 'Até hoje dói'

A expectativa em cima de Bruno Bertucci era alta: campeão da Copinha em 2009 como um dos destaques do Corinthians e promovido aos profissionais no mesmo ano para jogar com Ronaldo sob o comando de Mano Menezes. Mas a carreira nos campos teve um destino diferente.

O ex-lateral esquerdo se aposentou precocemente em 2019, após cumprir dois anos de suspensão por doping. Na casa dos 30, se reinventou para conseguir sustento e hoje se divide entre três empregos. Bruno conversou com o UOL sobre passado, presente e futuro. Ele está prestes a ser pai.

É muito triste acabar como acabou. Eu imaginava que ainda daria volta por cima e que eu ainda iria traçar meu caminho no profissional. Então, até hoje dói. É lógico que algumas cicatrizes vão ficar pelo resto da vida, mas a gente aprende a viver com elas e passa a valorizar outras coisas também. É um processo dolorido, com o tempo isso vai diminuindo, mas vai ficar marcado pelo resto da minha vida. Mas sou grato por ter chegado onde eu cheguei, ter jogado onde eu joguei e ter seguido e me levantado. Não é fácil sair da situação que eu saí e ter me reerguido. Bruno Bertucci, ao UOL

Três empregos

Bruno Bertucci tem uma escolinha de futebol em São Bernardo do Campo
Bruno Bertucci tem uma escolinha de futebol em São Bernardo do Campo Imagem: Reprodução/Instagram/Bbertucci

Bruno acorda às 6h em sua casa em Santo André. De lá, parte rumo à capital para o emprego em uma importadora de semijoias. Ele é funcionário da empresa, com carteira assinada, e a estabilidade do serviço foi importante na decisão de encerrar a carreira de jogador profissional. O expediente começa às 8h e vai até as 18h, mas o dia está longe de terminar.

Ele concilia o trabalho com outras duas ocupações. O ex-atleta é sócio de uma escolinha de futebol em São Bernardo, a Nacional da Vila Vivaldi, e também tem uma empresa que oferece aulas de futebol em condomínios espalhados pela Grande São Paulo. Depois do serviço, Bruno vai dar aulas e costuma voltar para casa só às 22h30.

"Todo dia é essa pegada aí, e depois jogos no final de semana", comentou, após narrar a jornada que enfrenta no cotidiano. Além dos empregos, ele ainda divide o tempo livre com o futebol de várzea. O ex-Corinthians disputa vários campeonatos e é tetracampeão seguido por times diferentes.

Final de carreira

Bruno Bertucci em ação pelo Corinthians contra o Flamengo, em 2009
Bruno Bertucci em ação pelo Corinthians contra o Flamengo, em 2009 Imagem: Reprodução/Instagram/Bbertucci

Bruno nunca teve sequência no Corinthians e acumulou empréstimos, sem nunca ter emplacado, até tentar a sorte fora do Brasil, em 2011. Foram apenas quatro jogos no time principal do clube que o revelou. Ele passou quatro temporadas fora do país até fechar com a Portuguesa. Também não deu certo. Em 2017, no Atibaia, foi o início do fim dos dias como jogador profissional.

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O então lateral sofreu uma lesão no tornozelo nos primeiros jogos no novo time. Para acelerar a recuperar e não perder todo o campeonato, aceitou tomar uma injeção de Diprospan para combater a dor, mas foi flagrado no exame antidoping e tomou o gancho de dois anos. Ele afirmou que o medicamento foi uma sugestão de um massagista e que não teve nenhum apoio do clube no julgamento.

Eu sofri bastante com o final da carreira, principalmente da forma como foi, que lidei com situação de doping. Até voltar, as portas meio que se fecharam, e infelizmente a carreira acabou. Esse recomeço foi muito difícil porque a gente acaba ficando sem rumo, principalmente da forma como foi. O jogador de futebol, no final de sua carreira profissional, ele normalmente já vai se preparando para um pós-carreira. No meu caso, fui pego de surpresa e de imediato. Eu não tinha nada programado, não tinha ideia do que seria feito.

Recomeço

Suspenso, o ex-Corinthians se virou para não ficar parado. Ele tirou certificado de monitor no sindicato dos atletas e começou a dar aulas de futebol, além de ter entrado no emprego na importadora e na faculdade de Educação Física. Uma coincidência do destino o levou até uma unidade da Ronaldo Academy, franquia de seu ex-companheiro de time, para dar aulas. Depois disso, abriu sua própria escolinha e engrenou.

Naquela época, Bruno encontrou amparo na família, principalmente na esposa Mayara, que o ajudou a encontrar o rumo. Ele enfrentou dificuldades financeiras, mas se reestabeleceu.

O ex-jogador tocava os trabalhos enquanto nutria a esperança de ainda voltar a jogar. Passada a suspensão, Bruno esperou cerca de um ano para retornar ao futebol, mas não recebeu uma oportunidade que o agradasse. O emprego CLT pesou mais na balança do que se arriscar em uma nova empreitada nos gramados. Ele tomou a decisão consciente, mas a dor do fim precoce da carreira está lá até hoje.

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Eu esperei mais um ano depois que acabou a punição por doping. Tentei encontrar novas oportunidades em outros clubes, mas as propostas que vinham não agradavam, não eram legais. Ficava muito difícil você trocar o certo, um emprego regime CLT, carteira assinada, tudo bonitinho, por algo duvidoso que eram as propostas que estavam surgindo. Eu tinha muito bem claro que o profissional tem que ter até um limite.

Saída do Corinthians e arrependimento

Bruno analisa que quatro fatores pesaram para que ele não tivesse sucesso no Alvinegro: pressão do Centenário, concorrência na posição, falta de oportunidade e de confiança.

Primeiro, o período, essa questão da pressão do centenário, da falta de uma Libertadores. Também na minha posição, com os jogadores que chegaram, inclusive o Roberto Carlos. Tem ainda a questão da falta de oportunidade com o treinador, a base não era muito valorizada, e, da minha parte, a timidez. Não ter confiança de colocar em prática aquilo que fazia na categoria de base, de ficar muito preso e admirado com as coisas de profissional. Devia ter sido mais corajoso e botar para quebrar mesmo.

Bruno Bertucci em ação pelo Neftchi, do Azerbaijão, contra a Inter de Milão, pela Liga Europa, em 2012
Bruno Bertucci em ação pelo Neftchi, do Azerbaijão, contra a Inter de Milão, pela Liga Europa, em 2012 Imagem: Valerio Pennicino/Getty

O maior arrependimento no futebol é ter retornado ao Brasil. Após sair do Corinthians, ele passou uma temporada na Suíça, mas depois encontrou estabilidade no Azerbaijão, onde ficou entre 2012 e 2014. Apesar de a carreira ter ido ladeira abaixo depois disso, o ex-jogador encontrou sucesso na vida pessoal: conheceu a esposa, com quem construiu e está aumentando a família.

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O que eu tenho de arrependimento é de ter voltado ao Brasil, não ter ficado no Azerbaijão, onde eu tinha uma carreira sólida. Eu deveria ter continuado lá, estava familiarizado com a cidade, éramos atuais campeões nacionais, disputávamos Liga Europa. Poderia ter me estabilizado financeiramente. Mas eu não posso só enxergar o lado ruim. Isso fez eu conhecer e estar com a mulher que eu estou hoje. Acredito que foi uma uma troca justa, né? A minha carreira pela mulher da minha vida, mãe da minha filha.

Várzea e novo sonho

Bruno encontrou na várzea a solução para seguir praticando o esporte que ama. A sensação de jogar completou o vazio que tinha se formado nele com o drama do fim da carreira profissional, sem falar na ajuda financeira. "A várzea é bem remunerada, inclusive até melhor que muitos clubes por aí de Série A2, A3... Então, você pode ter seu trabalho normal e nos fim de semana ter os jogos", complementou.

Bruno Bertucci e a esposa, Mayara, fizeram o chá revelação em um campo de futebol
Bruno Bertucci e a esposa, Mayara, fizeram o chá revelação em um campo de futebol Imagem: Reprodução/Instagram/Bbertucci

Outra realização é a filha que está por vir. Maria Clara deve nascer em junho e vai mudar a rotina do ex-Corinthians, que terá que frear o futebol para se dedicar à nova e tão esperada função: ser pai.

A gente vai ter que se virar nos 30 em relação aos horários, conciliar trabalho com o nosso papel de pai, mas isso é um sonho, é algo planejado por nós, é o maior sonho a ser realizado. Vamos virar verdadeiros super-heróis para nos adaptar à questão dos horários e manter o trabalho e o sustento de casa. No final de semana, os jogos vão diminuir para dar mais atenção à família. À medida que vai chegando o momento próximo do nascimento, o frio da barriga aumenta, mas é o maior sonho, não vejo a hora da chegada dela. Bruno Bertucci, ao UOL

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