Quem é o brasileiro que treina a 3ª pior seleção do mundo 'no paraíso'

As Eliminatórias da Concacaf para a Copa do Mundo de 2026 começam hoje (22), e o "clássico virgem" entre lhas Virgens Americanas e Ilhas Virgens Britânicas terá um apelido bem brasileiro: Giba.

Não é por acaso. O mineiro Gilberto Damiano é o atual treinador das Ilhas Virgens Americanas, a terceira pior seleção do mundo segundo o ranking da Fifa — atual 208ª colocada. Em entrevista ao UOL, o brasileiro falou sobre os desafios de comandar o país (futebolisticamente falando).

Amor à primeira vista

Giba tentou a vida como jogador, mas logo se tornou técnico após passagens discretas por times do interior de Minas Gerais e Goiás. No cargo, ele trabalhou na base do Crystal Palace (Inglaterra), Cardiff City (País de Gales) e em escolinhas do Barcelona em Londres.

O brasileiro assumiu a seleção de Ilhas Virgens Americanas em 2019. Em 2018, ele foi convidado por Marcelo Serrano, outro brasileiro que comandava o país, para conhecer o ambiente e se apaixonou, herdando o cargo no ano seguinte.

Quando eu cheguei lá, eu vi que necessitava de uma educação para profissionalizar aquele ambiente e me apaixonei pelo projeto. Ligou o meu propósito de ajudar pessoas usando as ferramentas do futebol. Creio que não foi por acaso. Eu acho que o país precisava de alguém que tenha essa vontade de ajudar. Gilberto Damiano, em entrevista ao UOL

Giba tenta implementar o "DNA brasileiro" no futebol local com a ajuda do futsal. "O que a gente está desenvolvendo lá dentro, e se tudo correr bem, daqui uns 10 anos, 12 anos, o pessoal vai poder ver o toque brasileiro ali dentro. É o futsal, o futsal tem um papel enorme no meu desenvolvimento como jogador e no meu desenvolvimento como treinador."

A posição no ranking da Fifa pouco importa para o treinador brasileiro. As Ilhas Virgens Americanas aparecem acima de Anguilla e San Marino — a Eritreia também fica abaixo, mas não está sendo considerada pela entidade máxima do futebol por questões internas.

Eu não vejo como pior seleção, eu vejo como falta de oportunidade, porque é um país novo, que entrou para a Fifa tarde, que teve, infelizmente, muitos problemas com as pessoas que eram dirigentes no passado, que optaram em dar prioridade para certas coisas que não ajudaram no desenvolvimento.

Gilberto Damiano, técnico brasileiro, durante treino da seleção de Ilhas Virgens Americanas
Gilberto Damiano, técnico brasileiro, durante treino da seleção de Ilhas Virgens Americanas Imagem: Arquivo Pessoal
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Desafios e limitações

Giba Damiano não vive nas Ilhas Virgens Americanas. O brasileiro mora com a família em Londres, onde tem um projeto em que ensina futsal a jovens, e apenas viaja para o território estadunidense no Caribe para os períodos de treinos e jogos.

O treinador tenta manter contato com os jogadores da seleção por chamadas online. Por viver em Londres, Giba e os atletas de Ilhas Virgens encontram dificuldades pelo fuso horário — a diferença pode chegar a oito horas dependendo da localização.

Giba também lida com a escassez de jogadores. Segundo ele, o grupo que pode representar as Ilhas Virgens chega a 32 nomes. Destes, 23 são chamados para os jogos.

Temos uma restrição onde só podemos selecionar jogadores que nasceram no país ou que os pais e avós tenham nascido lá. Também podemos chamar jogadores que já moraram lá por, no mínimo, dois anos. Hoje nós temos um grupo de 32 jogadores para selecionar. Destes 32, uma porcentagem de 3 a 5% são profissionais no nível bem baixo; 12 a 25% são jogadores de universidade e também temos cerca de 8% de jogadores semiprofissionais. O resto é jogador inativo, jogador que só treina, que joga futsal.

"No paraíso", mas com cocô em campo

As Ilhas Virgens Americanas têm um estádio aprovado pela Fifa hoje, mas nem sempre foi assim. Em 2018, quando ainda era assistente técnico, o brasileiro viveu uma situação inusitada.

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Em 2018, eu cheguei para o primeiro treino como assistente técnico. Um paraíso, que país lindo, hotel de frente para a praia. No dia seguinte, acordamos para ir para o treino, não tinha o estádio ainda. Devia ter mais ou menos 18 carneiros no campo. Tinha mais carneiros do que jogador. O campo estava cheio de cocô. Meu goleiro, que jogava no Miami FC, era um dos únicos profissionais nossos na época, virou para o preparador de goleiro e falou: 'eu não vou pular no chão, vou ficar só em pé. Olha lá, só cocô de carneiro'. O treinador de goleiro virou para ele e falou: 'se você não pular, você pode voltar para casa'. Ele saiu do treino coberto de cocô.

A preparação para as Eliminatórias para a Copa de 2026 também foi impactada. Por questões internas e de investigações na federação local, a seleção não realizou os períodos de treinos previstos no começo de 2024 e só se juntou para o jogo de hoje (22) na última semana.

Poucos brasileiros e trabalho no fim

Giba é, ao lado de Dorival Júnior (Brasil), Sylvinho (Albânia), Emerson Alcântara (Vanuatu) e Antônio Carlos Zago (Bolívia), um dos únicos cinco brasileiros a comandar uma seleção masculina de futebol atualmente. Para ele, há três motivos para os treinadores do Brasil terem pouco espaço no comando de países.

"O primeiro motivo é: o treinador brasileiro tem necessidade de estar dentro do campo todos os dias, diariamente. Em seleções, não é assim. Nelas, você tem períodos. A segunda coisa que eu acho que é um fator importante ou que deve ser considerado com relação a isso é o perfil do treinador brasileiro hoje em dia lá fora. A gente está provavelmente atrás do português, atrás do espanhol, atrás do alemão, atrás do inglês, atrás do holandês, atrás do argentino. A terceira coisa é: trabalhar em seleções demanda algo que vai além de ser somente treinador. Demanda entender de cultura e estar disposto às vezes a abrir mão de certas decisões que você geralmente toma para o bem do país."

O trabalho de Giba nas Ilhas Virgens Americanas está chegando ao fim. O brasileiro vai deixar o cargo após o fim da participação da seleção nas Eliminatórias para a Copa do Mundo. Ele, no entanto, já indicou um auxiliar para dar sequência ao "DNA brasileiro" no país.

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Eu já estou num período da minha vida onde eu entendi que o momento que eu tinha que passar lá, ele se encerrou no passado. Já era para eu ter saído antes das Eliminatórias. Eu achei que era o momento de dar uma oportunidade para outras pessoas. Na minha opinião, dois ciclos de Eliminatórias de Copa do Mundo não é justo com eles. Eu queria ter saído ano passado, mas eles pediram para eu ficar até o final das Eliminatórias. Eu passei para ele [presidente] alguns nomes. Um desses nomes é o meu assistente técnico atual, que é um brasileiro também.

A passagem do brasileiro pelas Ilhas Virgens Americanas pode acabar ainda neste mês. Após o jogo de hoje, a seleção volta a enfrentar Ilhas Virgens Britânicas na próxima terça-feira (26), pelo duelo de volta. Caso some menos pontos nos confrontos, as Ilhas Virgens Americanas estarão eliminadas.

Gilberto Damiano, técnico brasileiro, posa junto com a seleção de Ilhas Virgens Americanas
Gilberto Damiano, técnico brasileiro, posa junto com a seleção de Ilhas Virgens Americanas Imagem: Arquivo pessoal

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