Na seleção, Leila revoluciona função, rompe silêncio e canta Roberto Carlos

"Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo. Olhando pra vocês, e as mesmas emoções sentindo."

De pé, em cima de uma cadeira na sala de jantar da luxuosa Sopwell House, Leila Pereira, presidente do Palmeiras, tentava não desafinar. Os olhos se dividiam entre a tela do celular — que mostrava a letra de "Emoções", de Roberto Carlos — e os jogadores e comissão técnica da seleção brasileira, que cantavam junto.

Era o trote dos novatos, e a chefe da delegação, estreante que era, não escapou. A escolha da música foi fácil. Leila, a presidente mais vencedora da história do Palmeiras, queria expressar seus sentimentos diante dos novos colegas.

Cantar em público, com uma voz que ela mesma diz não ser das melhores, foi apenas um dos desafios de Leila durante a semana em que estreou na função.

A primeira mulher a chefiar uma delegação de seleção brasileira foi pioneira, também, em falar sobre um tema que costuma causar um incômodo silêncio na CBF: os casos de Robinho e Daniel Alves, ambos condenados por estupro e que voltaram às manchetes esta semana.

"Ninguém fala nada, mas eu, como mulher aqui na chefia da delegação, tenho que me posicionar sobre os casos do Robinho e Daniel Alves. Isso é um tapa na cara de todas nós, mulheres, especialmente o caso do Daniel Alves, que pagou pela liberdade. Acho importante eu me posicionar. Cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte", disse Leila ao UOL.

Leila Pereira e Rodrigo Caetano durante a preparação para os amistosos de Londres e Madri
Leila Pereira e Rodrigo Caetano durante a preparação para os amistosos de Londres e Madri Imagem: Rafael Ribeiro/CBF

A declaração foi uma exceção. Embora esteja sempre entre os jornalistas, conversando e assistindo às entrevistas coletivas, ela já avisou que não gravará entrevistas. "Vocês adoram a Leila, né?", disse Rodrigo Paiva, diretor de comunicação da CBF, dispersando uma "rodinha" de profissionais que aumentava em torno da dirigente.

As atribuições do chefe de delegação nas viagens da CBF sempre foram algo abstratas: fazer aparições protocolares, substituir o presidente durante sua ausência e lidar com políticos locais. Muitas vezes, a função foi usada como homenagem a cartolas que quase não apareciam diante das câmeras.

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Com Leila, a história é diferente. A presidente do Palmeiras faz questão de ser notada, vai aos treinos e senta entre os repórteres durante as entrevistas. Ela está concentrada com a equipe a 35 km do centro de Londres e não saiu do hotel nem para fazer as unhas: usou o serviço do centro de beleza do local.

"Londres sempre vai estar lá. E eu não sei quando estarei aqui de novo", disse, ao lado da psicóloga Marisa Santiago, antes de uma das entrevistas de jogadores. Observar Leila nessas coletivas é uma atração à parte: formada em jornalismo, ela escuta com atenção as perguntas e reage com surpresa a momentos que os mais veteranos na cobertura tratam como triviais.

Quando a jornalista japonesa Kiyomi Nakamura pegou o microfone e começou uma pergunta, Leila abriu um sorriso. "Ela é uma graça, né?".

Durante as entrevistas, a dirigente quase não olha para a tela dos dois celulares — ambos protegidos por capas com escudo do Palmeiras. Quando um deles toca, o hino do clube alviverde é interrompido por uma frase. "Opa, tocou o hino da minha seleção".

Leila Pereira, presidente do Palmeiras, durante jogo da equipe contra o São Paulo
Leila Pereira, presidente do Palmeiras, durante jogo da equipe contra o São Paulo Imagem: Abner Dourado/AGIF

Leila atende poucas ligações, mas fica sempre atenta a mensagens de funcionários do Palmeiras sobre eventuais demandas. A presidente elogia a todo momento a "estrutura profissional do Verdão", mas não consegue ficar sem saber das notícias.

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Uma das medidas foi fazer lobby com a Federação Paulista de Futebol para que o Palmeiras enfrente o Novorizontino no dia 28, pela semifinal do Campeonato Paulista.

Se passar pelo Novorizontino e o Santos eliminar o Red Bull Bragantino, haverá novo clássico na final do Estadual. E Leila não perdeu a oportunidade de provocar em um papo com um repórter que admitiu ser santista: "É meu eterno vice".

Papo de boleiro

Leila Pereira está quase sempre próxima a Dorival Júnior: no ônibus, na mesa de jantar e em conversas no hotel. Ela entende que os jogadores são tímidos e pouco conversa com eles. Com um deles, porém, houve um momento especial: foi João Gomes, ex-jogador do Flamengo, e hoje no Wolverhampton, com quem a dirigente nunca havia conversado.

No primeiro dia da seleção em Londres, Dorival Júnior, Rodrigo Caetano e Leila Pereira discursaram. Leila falou sobre a dificuldade de ser mulher no ambiente do futebol e de como as pessoas precisam acreditar em si mesmas. João, então, inspirou-se e foi um dos jogadores a pedir a palavra na sequência.

O volante tem disfemia (distúrbio conhecido popularmente por gagueira) e raramente fala em público. Mas, depois de ouvir as palavras de Leila, encarou os colegas e falou de peito aberto com o restante da delegação. Depois daquele dia, ele passou a conversar mais com a Leila e fazer perguntas sobre como é ser mulher no futebol e como a dirigente trilhou seu caminho no esporte.

Com os outros jogadores, não houve tanta conexão. Leila está aberta a conversar, mas vê uma resistência dos atletas. A presidente crê que isso não tem a ver com ela ser mulher, e sim com uma questão de hierarquia.

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A empresária custou a ter assunto durante as 10 horas de voo com Endrick, Murilo e Richard Rios no seu avião. Os três estavam "meio travados", até que ela perguntou a trajetória de cada um, puxou assunto sobre o Palmeiras e até quis saber se o colombiano Rios estava seguindo a conversa: "Você entende mesmo o que eu falo?".

No voo de volta ao Brasil, ela terá uma nova oportunidade de falar com o trio. Para acelerar a recuperação, um fisiologista do clube também estará a bordo, fazendo tratamento regenerativo com os alviverdes.

Entre uma sessão e outra, Leila terá novos temas para tratar com os atletas. O desempenho nos amistosos, as experiências, alegrias e angústias dos últimos dias. Deles e dela.

"Se chorei ou se sorri. O importante é que emoções eu vivi."

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