Advogados de defesa, juristas e especialistas em direito internacional divergem sobre a prisão de Robinho por estupro, confirmada em março pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Para o professor Valério Mazzuoli, a corte se equivocou ao homologar a condenação italiana e não considerar aspectos técnicos que proibiriam a prisão de um brasileiro condenado no exterior.
Outra corrente de juristas defende que a lei permite, sim, a transferência da pena.
Robinho é o primeiro brasileiro condenado na Itália a ser preso no Brasil, e o caso deve servir de jurisprudência para processos futuros.
A discussão, que em breve deve chegar ao STF, e os bastidores do julgamento que levou o ex-jogador pra cadeia são o tema do oitavo episódio de "Os grampos de Robinho", a quarta temporada do podcast UOL Esporte Histórias.
Os argumentos usados pela defesa de Robinho são compartilhados pela advogada de Ricardo Falco, o amigo também condenado na Itália, que aguarda para saber seu destino.
Os pontos principais do episódio
Juristas contrários à prisão dos brasileiros condenados no exterior apontem três argumentos: a Lei da Migração é de 2017, mas o crime foi em 2013; o artigo dela que fala em transferência de pena valeria apenas para brasileiros naturalizados e estrangeiros; e o tratado Brasil-Itália de cooperação internacional não prevê pena de prisão.
Advogada de Falco afirma que prisão seria inconstitucional. Lorena Machado teme que a punição a Robinho permita ao STJ acelerar o processo do amigo, que poderia ser julgado por um único ministro e não pela Corte Especial.
Debate no STJ durou mais de quatro horas e mostrou uma corte dividida. No julgamento de março, nove ministros votaram para confirmar a condenação de Robinho, enquanto dois foram contrários. Mas quando os juizes debateram a urgência da prisão, antes do esgotamento dos recursos, o placar ficou em 5 a 4.
O esgarçamento da possibilidade de aplicação de uma lei mais maléfica ao então acusado transborda os limites, sejam eles legais ou constitucionais. "
James Walker, presidente da Anacrim, em entrevista ao UOL.
UOL Esporte Histórias - Os grampos de Robinho
Você pode ouvir o episódio completo no player acima e ler a transcrição dele abaixo. UOL Esporte Histórias também está disponível no Youtube de UOL Esporte, no Spotify, na Apple Podcasts e em todas as plataformas de podcast.
Episódio 8: Novos ventos
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Resumo dos resultados dos atletas brasileiros de olho em Los Angeles 2028 e os bastidores do esporte. Toda segunda.
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Fazia tempo que os moradores da Baixada Santista não viam uma ventania como aquela. As rajadas varriam o litoral a mais de 130 km por hora.
Carros foram arrastados, 17 árvores caíram. Os semáforos pararam de funcionar e o trânsito ficou completamente caótico.
Esse era o clima na noite de quinta-feira, dia 21 de março de 2024, quando um dos moradores mais conhecidos de Santos se viu cercado por policiais federais no apartamento dele, na praia de Aparecida.
Depois de muita conversa e negociação, Robinho entrou no carro preto da Justiça federal e começou a cumprir a pena de 9 anos por estupro.
Repórter
O carro da PF chegou ao endereço de Robinho às 15 pras 8h da noite. O ex-jogador mora em um apartamento em frente à praia em Santos. Robinho e os agentes da PF deixaram o condomínio pouco depois. Os policiais trouxeram Robinho pra sede da Polícia Federal, que fica na região central de Santos. Ele será submetido a uma audiência de custódia pra depois ser encaminhado a uma penitenciária, que ainda será divulgada.
Narrador
A prisão do Robinho é o desfecho de um longo processo que durou mais de 11 anos, que começou em 2013 quando uma mulher imigrante fez uma denúncia na Itália.
Um processo que, pra ser concluído, envolveu ao menos 78 pessoas, entre juízes, promotores, testemunhas, advogados, policiais e especialistas, em três países diferentes.
Eu contei os nomes de todas essas pessoas em algumas das milhares de páginas do processo, escritas em todos esses anos e guardadas nos tribunais de Milão e de Brasília.
O desfecho do caso foi uma notícia comemorada por defensoras e defensores dos direitos femininos. Por todos que acham que diminuir os índices de violência contra a mulher passa por punir quem comete esses crimes.
Ricardo Falco, o amigo de Robinho que também foi condenado na Itália, agora teme ir pelo mesmo caminho. Os outros quatro amigos que se envolveram no crime de Milão, também. O processo deles está suspenso e pode ser retomado caso eles sejam notificados pela promotoria da Itália. Pra isso acontecer é necessário um esforço de cooperação internacional entre os dois países.
Mas será que eles devem mesmo ser presos? Ninguém duvida da gravidade do crime que eles cometeram. Mas será que a lei brasileira permite a prisão de brasileiros condenados no exterior? E, nesse caso, qual a consequência de fazer eles pagarem a pena por aqui?
LORENA MACHADO
A transferência dessa pena, ela é inconstitucional e inconvencional porque viola a convenção americana e viola a Constituição Federal.
JAMES WALKER
O esgarçamento da possibilidade de aplicação de uma lei mais maléfica ao então acusado transborda os limites, sejam eles legais ou constitucionais.
VALÉRIO MAZZUOLI
A lei penal não retroage pra prejudicar o réu. O crime dele é de 2013, a lei de migração é de 2017. E agora, José?
OS GRAMPOS DE ROBINHO - EP 8 - NOVOS VENTOS
Narrador
Era 20 de março, eu tava na sala da Corte Especial do Tribunal Superior de Justiça, em Brasília. E junto comigo tinha muita gente.
Centenas de jornalistas, advogados, estudantes, funcionários e militantes dos Direitos Humanos, além dos 12 ministros, se reuniram pra um dos julgamentos mais importantes de 2024.
PRESIDENTE DA SESSÃO
Começamos a pauta, sustentação oral, primeiro feito eu que chamo, a homologação de decisão estrangeira de número 7986.
Narrador
O caso do Robinho chegou ao STJ porque a Itália pediu pro Brasil para que ele e o Ricardo Falco fossem extraditados para lá depois que a condenação deles foi confirmada pela última instância, em 2022.
PRESIDENTE DA SESSÃO
Requerente: governo da Itália, requerido: Robson de Souza, interessados: União Brasileira de Mulheres e Associação Nacional de Advocacia Criminal.
Narrador
A Constituição não permite a extradição de brasileiros natos, e isso é uma coisa comum na maioria dos países. A Itália pediu então pra que eles cumprissem a pena aqui.
Nesses casos, um novo processo é aberto e o STJ deve decidir se essa condenação pode ser considerada válida no Brasil.
Naquela quarta-feira, portanto, depois de mais de um ano em que esse processo passou de mãos em mãos no tribunal, o Robinho saberia se seria obrigado a cumprir a pena no Brasil.
PRESIDENTE DA SESSÃO
Sustentações orais requeridas pela Dr. José Eduardo Rangel de Alckmin em favor de Robson de Souza.
Narrador
Parece simples pra quem não entende tanto de direito. Parece lógico que, se a pessoa foi condenada, ela pague pelo que cometeu. Só que eles não foram julgados nem condenados aqui no Brasil.
O que tava em jogo ali era uma decisão que ultrapassa os limites do próprio caso do Robinho.
Era uma audiência bastante espinhosa tanto pra Justiça quanto pra diplomacia brasileira. Naquele dia não era a inocência do Robinho que tava em jogo. Isso já foi decidido em 2022. Ele é culpado, de acordo com a Itália. Mas o que tava em jogo era se essa condenação teria validade no Brasil.
Minutos antes do julgamento do Robinho começar no STJ, eu entrei na sala onde os advogados se reúnem antes da sessão. Lá eu encontrei o James Walker, o presidente da Anacrim.
A Anacrim é a Associação Nacional da Advocacia Criminal, uma entidade que se habilitou no processo do Robinho como amicus curie, um termo jurídico em latim para "amigo da Corte". Um amigo da corte é uma instituição, uma pessoa, alguém de fora do caso que entra no processo pra ajudar os juízes a tomar uma decisão. Eu quis entender qual seria a participação do James no julgamento.
JAMES WALKER
A Anacrim defende o seguinte: que independentemente de nós ingressarmos na discussão meritória daquilo que ocorreu no julgamento lá na Itália, isso não é mais passível de discussão, nós temos uma outra questão de fundo muito importante de ser tratada, que é a questão da verificação neste processo aqui, de homologação de sentença estrangeira para transferência do cumprimento de pena no BrasiL . Tem uma outra questão que pra mim é uma das mais importantes. Acontece que como é que os países da Europa olham, enxergam e tratam alguém como o Robinho? O Robinho é um menino da periferia, pobre, que cresceu, ganhou dinheiro, ficou rico e famoso, o fato dele ser pobre e se tornar rico e famoso e atuar como alguém rico e famoso na Europa, já é algo que afeta a normalidade de um pensamento próprio de uma sociedade muito conservadora. Para além disso, para eles não pra nós, o Robinho tem um grande defeito existencial. O Robinho é preto.
Narrador
Na última entrevista que o Robinho deu antes de ser preso, ele levantou esse ponto: o de que a Justiça italiana teria praticado racismo contra ele.
ROBINHO
Só quatro anos eu joguei na Itália e eu cansei de ver histórias de racismo. Então, infelizmente, isso tem até hoje. O ocorrido foi em 2013, nós estamos em 2024 e o que que a justiça italiana fez, o que que a justiça faz em relação a isso? Nada. O que me leva a crer que os mesmos que não fazem nada com esse tipo de ato, que eu repudio, o racismo, são os mesmos que me condenaram, que tavam ali no meu julgamento.
Narrador
É inegável que a Itália, assim como a maioria dos países, convive com o racismo, e que jogadores negros já sofreram e sofrem preconceito em campo e fora dele. Mas tem duas coisas que me chamam a atenção nesse argumento que o Robinho tem levantado ultimamente.
Nos nove anos em que esse processo tramitou nas três instâncias na Itália, nenhum dos cinco advogados do Robinho jamais apontou o racismo como explicação pras condenações. Na primeira entrevista que deu sobre o caso, em 2020, o Robinho também não fez essa acusação.
Ela só apareceu às vésperas do julgamento no STJ. O outro detalhe que a meu ver enfraquece essa tese é que o Ricardo Falco, o outro condenado no processo, é um homem branco.
FALCO
Dei depoimento, falei toda a verdade para o meu advogado. Só não falei que você comeu a mina.
ROBINHO
Aham.
Narrador
Esse é o Falco falando com o Robinho em um dos áudios obtidos pela polícia italiana.
FALCO
Eu falei assim, quer dizer: "Oh, quando eu entrei, eu vi tudo o bagulho, eu tava lá." "Robinho estava, né?" Falei pra ele: "Não, não tava". "Você tá mentindo". Eu falei: "Não tava, mano, não preciso defender ninguém, não tava."
FALCO
Sua amizade pra mim não vale 50, 100 mil euros, porra nenhuma. Já falei isso pra você.
ROBINHO
Claro, claro.
FALCO
Posso falar, mano? Não precisa estudar para ser inteligente. Eu cheguei à conclusão que a defesa que seu advogado usou para defender você foi a pior de todas. Ele quer tirar o sofrimento das suas costas, jogar no meu.
Narrador
O Falco também foi condenado a nove anos de prisão, e a Itália também pediu pra ele cumprir pena aqui. Mas o processo dele chegou depois e ainda não tem uma data pra ser julgado no STJ.
JAMES WALKER
Por isso, eu entendo que o que poderia haver de melhor no julgamento de hoje, era o não julgamento e sim a conversão desse julgamento em diligência.
Narrador
Esse é o Walker outra vez, agora argumentando que a investigação tanto do Robinho quanto do Falco recomece no Brasil.
JAMES WALKER
Abrindo-se mais um prazo pra defesa, pra trazer toda a apuração daquilo que houve eventualmente de violação de garantia ou não, para ser submetido ao Ministério Público daqui. Por quê? Porque o Ministério Público não foi fiscal da lei de nada aqui, tá sendo fiscal de uma mera homologação. O Brasil vai ser carimbador de uma decisão vinda do exterior. E isso me preocupa sobremaneira. Hoje é o Robinho, amanhã podemos ser eu ou você.
Narrador
E isso é algo que os advogados do Falco também têm defendido. A defesa do Falco, assim como a do Robinho, não trata do crime em si, do que aconteceu ou não aconteceu na Itália. Isso já foi encerrado, os dois foram condenados em todas as instâncias.
Os advogados dos dois argumentam apenas que a legislação brasileira não permite a transferência de uma pena imposta contra um brasileiro nato por um país estrangeiro.
Pra entender melhor esses argumentos, eu fui encontrar a Lorena Machado no hotel onde ela estava hospedada em Brasília, depois do julgamento. A Lorena é especialista em direito internacional.
ADRIANO
Explica um pouco sobre como você entrou nesse caso? Você já conhecia o Falco, como é que você passou a defendê-lo?
LORENA
Não tenho qualquer tipo de relação com o meu cliente, sou também professora, acadêmica e estudo direito internacional já há muito tempo. Inclusive, quando saiu a notícia me senti no dever de me posicionar academicamente nesse sentido, assim como outros doutrinadores. Publiquei um artigo, entenderam que aquele artigo estava adequado e fui contatada pela defesa para atuar naquele processo.
ADRIANO
Quando foi que você começou?
LORENA
Assim que houve a citação do Falco.
ADRIANO
E você tem um contato direto com ele? Como é que ele tá hoje, onde ele vive e como ele tá vendo essa possibilidade da pena dele ser transferida para o Brasil?
LORENA
Bom, o que eu posso afirmar sobre o meu cliente é que ele é um trabalhador, tem tentado trabalhar, ele não recebe qualquer tipo de ajuda financeira, então ele segue trabalhando e a nossa relação?
ADRIANO
Ele trabalha com o quê?
LORENA
Essa informação eu não tenho. E a nossa relação é uma relação de advogado-cliente apenas.
Narrador
A gente já deu esse contexto antes, mas vale relembrar. Diferente do Claytinho, do Rudney, do Galan e do Alex, o Ricardo Falco era um amigo mais recente do Robinho.
Eles tinham se conhecido já na Itália quando o Falco passou a trabalhar pro Robinho, primeiro como motorista, depois como uma espécie de "faz tudo". O apelido dele era "Fala Pouco" porque, segundo os amigos, ele falava muito.
Nos grampos feitos na Itália, Falco combina com Robinho versões contraditórias pra apresentar pra polícia. O sêmen dele foi encontrado no vestido que a vítima usava no dia do crime.
ADRIANO
Lorena, eu queria que você analisasse o resultado do julgamento do Robinho ontem e dissesse se você acha que essa sentença pode, de alguma forma, influenciar no julgamento do seu cliente, do Falco.
LORENA
Sim, acredito que possa vir a influenciar o julgamento por diversas questões, mas sobretudo em razão desse artigo no próprio regimento interno do Superior Tribunal de Justiça.
Narrador
O artigo que ela menciona aqui é o 216-K. Segundo esse artigo, o relator de um caso de homologação de decisão estrangeira pode decidir de maneira monocrática, ou seja, sozinho, sem a opinião dos demais ministros, caso já tenha jurisprudência anterior de processos parecidos.
Ou seja, o temor da defesa do Falco é que a prisão do Robinho permita ao STJ acelerar o processo do Falco, e assim ele não seria julgado por um conjunto de ministros, mas apenas por um.
LORENA
Sobre o resultado do julgamento, eu lamento que tenha sido essa a decisão, não em razão do que aconteceu ou não aconteceu, mas em razão da questão técnica referente à legalidade da homologação ou não da sentença estrangeira, que é do que se trata, de fato, esse HDE. O HDE é um processo de homologação de decisão estrangeira, portanto aqui não se discute o que teria acontecido na Itália, como aconteceu, quem participou ou quem não participou, se discute apenas a possibilidade de uma homologação de uma decisão estrangeira no Brasil.
ADRIANO
Por que que você acredita que essa decisão, que transitou em julgado na Itália, não deve ser confirmada no Brasil? Qual que é a tese que sustenta esse argumento?
LORENA
A questão é basicamente técnica referente ao direito constitucional e ao direito internacional.
Essa questão técnica pode ser resumida em três pontos principais, que são indicados pelos advogados de defesa. Segundo eles, o artigo da Lei da Migração usado nesse caso não se aplicaria a brasileiros natos.
Em segundo lugar, mesmo que essa lei fosse levada em consideração, ela foi criada em 2017, mas o crime aconteceu em 2013, quando ela não existia ainda. E na interpretação da defesa, a lei não pode retroagir pra prejudicar o réu.
Por último, os advogados dizem que o tratado que regula a cooperação internacional entre Brasil e Itália não prevê a execução de pena de prisão.
Esses são os principais motivos pelos quais eles defendem que a condenação não deve ser confirmada no Brasil e o crime deve ser investigado novamente aqui.
LORENA
Vejo que isso também é algo que não é muito divulgado, que as defesas elas não apoiam qualquer tipo de impunidade, o que quer que seja, o que as defesas apontam é: a transferência dessa pena, ela é inconstitucional, inconvencional, porque viola a convenção americana e viola a Constituição federal, em razão de não obedecer alguns requisitos legais.
ADRIANO
Você sendo uma advogada mulher, atuando nesse caso que é muito sensível, um tema muito importante para a sociedade, que é a violência contra a mulher. Como é que você reflete sobre esse assunto?
LORENA
Jamais defenderei qualquer tipo de violência praticada contra a mulher. Violência psicológica, violência física... Muito menos violências sexuais. Enquanto advogada, estou aqui por uma tese, por uma tese de defesa em que eu entendo pela inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade de uma transferência de pena. Não em defesa de qualquer tipo de crime praticado contra qualquer pessoa, muito menos contra mulheres, como eu.
Narrador
A gente vai fazer um intervalo e volta já.
INTERVALO
Narrador
Quando eu cheguei em Brasília, no dia anterior ao julgamento, os colegas da imprensa faziam uma aposta.
Baseado no que os ministros conversavam com os assessores deles e de maneira reservada com outras pessoas, a sensação entre os jornalistas era a de que algum dos juízes ia pedir vistas e provocar um adiamento da decisão.
Pedir vista é um jargão jurídico, que significa pedir mais tempo pra analisar um caso. Esse tipo de ação é comum em tribunais superiores, como o STJ e o STF, e não seria surpresa se acontecesse no caso do Robinho.
O processo dele já tava provocando um debate acalorado no tribunal, especialmente por envolver um jogador de futebol com passagem pela seleção brasileira e condenado por estupro.
Mas no dia do julgamento, quem acordou cedo teve uma notícia surpreendente, também envolvendo outro jogador com passagem pela seleção brasileira, também condenado por estupro.
JORNALISTA
O Tribunal Superior de Justiça da Catalunha decidiu nesta quarta-feira acatar o pedido da defesa de Daniel Alves de liberdade provisória para o jogador brasileiro. O Tribunal de Justiça daqui da Catalunha decidiu que essa liberdade vai ser condicionada ao pagamento de uma fiança de um milhão de euros, o Daniel Alves que também vai ter uma série de restrições impostas a ele.
Narrador
O lateral-direito Daniel Alves estava preso em Barcelona. Ele também tinha sido condenado por estupro, mas naquele dia o tribunal espanhol decidiu que ele poderia sair da cadeia se pagasse uma fiança.
Nesse caso, os passaportes dele seriam retidos pra impedir que ele deixasse a Europa. É interessante notar como um caso influenciou o outro ao longo dos últimos anos.
Daniel Alves foi preso de maneira preventiva em 2023, logo depois de prestar seu primeiro depoimento pra se defender da acusação de estupro contra uma mulher, também numa boate.
A Justiça espanhola resolveu prender ele pra evitar um desfecho parecido com o do Robinho, que no ano anterior tinha sido condenado pela terceira vez na Itália, mas não podia ser preso porque estava no Brasil.
A possibilidade do Daniel Alves sair da cadeia foi lembrada pelo advogado Carlos Nicodemos, que representou a União Brasileira de Mulheres no julgamento do Robinho. A entidade feminista teve direito a falar no tribunal para defender a prisão dele.
CARLOS NICODEMOS
Nós amanhecemos hoje com uma notícia que na autonomia institucional da justiça espanhola deu a um outro caso, com os mesmos contornos, a garantia de responder o processo em liberdade depois de uma condenação, pagando uma fiança. Essa sensação do que a Justiça pode entregar à sociedade e às mulheres é preciso ser entendido daquilo que internacionalmente está consolidado no campo internacional dos direitos humanos.
Narrador
O primeiro juiz a votar foi o relator do caso, o ministro Francisco Falcão, que votou pra confirmar a condenação italiana e prender Robinho.
FRANCISCO FALCÃO
Voto pela homologação da sentença estrangeira com a transferência da execução da pena imposta pela justiça italiana ao nacional brasileiro Robson de Souza para o cumprimento da pena privativa da liberdade de nove anos de reclusão em regime inicialmente fechado pela prática do crime de estupro.
Narrador
Ele foi seguido por outros oito ministros. Apenas dois juízes da Corte Especial votaram contra a prisão. Mas o que começou como uma goleada ganhou contornos um pouco mais dramáticos quando os ministros passaram a debater sobre a urgência da prisão.
No voto dele, o ministro Falcão propôs que uma ordem de prisão fosse enviada imediatamente a Santos e que o Robinho fosse preso assim que a decisão fosse publicada.
Mas o ministro Raul Araújo, que já tinha votado contra a prisão, considerou também que não cabia ao STJ mandar prender Robinho antes do trânsito em julgado do processo, ou seja, antes de esgotados todos os recursos da defesa.
RAUL ARAÚJO
Tenho que a pretensão da homologação da sentença penal estrangeira para os fins pretendidos de execução da sanção em território nacional opõe-se diversos e sucessivos obstáculos.
Narrador
Outros cinco ministros deram sinais de que tinham entendimento semelhante, o que formaria uma maioria apertada contra a prisão imediata do Robinho.
Depois de muito debate, o ministro Villas-Boas Cuêva mudou o voto e passou a defender a prisão imediata.
VILLAS-BOAS CUÊVA
Senhor presidente, eu vou pedir venia ao eminente ministro Sebastião Reis e acompanhar o relator por entender que assim como as manifestações que se seguiram a ele cabe sim ao STJ definir desde logo com base na lei federal o regime inicial do cumprimento da pena.
Narrador
E assim, depois de mais de quatro horas de debate, o STJ concluiu o julgamento nos termos do voto do relator Francisco Falcão.
JORNALISTA
A maioria dos ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu hoje que o ex-jogador Robinho deve cumprir no Brasil a pena de prisão a que foi condenado na Itália por estupro.
Narrador
Na saída da sessão, eu e outros jornalistas fomos atrás do advogado de defesa do Robinho, José Eduardo Alckmin, pra saber o que ele tinha achado do resultado.
Alckmin comanda uma banca de advogados em Brasília acostumados a defender causas nos tribunais superiores. Ele é primo do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.
ALCKMIN
Eu acho que é uma decisão da qual se deve recorrer, o que faremos.
REPÓRTER
Vai recorrer ao próprio STJ e ao Supremo, qual é o caminho?
ALCKMIN
O caminho, o primeiro passo, é provavelmente o embargo de declaração. Temos que ver o teor do acórdão e o depois o recurso extraordinário ao Supremo. E, claro, também o habeas corpus pela determinação imediata da execução da prisão.
Narrador
Eu também procurei o Valério Mazzuoli, que é doutor em direito internacional e professor da Universidade Federal do Mato Grosso. Ele me mandou um áudio analisando os principais pontos da decisão.
VALÉRIO MAZZUOLI
O Superior Tribunal de Justiça se equivoca em duas partes ao transferir a execução de pena do Robinho. Primeiro, porque ele entendeu que o artigo 100 da Lei de Migração se aplica a brasileiros natos, o entendimento mais correto é de que esse artigo só se aplica para brasileiros naturalizados ou estrangeiros. Ela é uma lei que não poderia retroagir pra prejudicar o acusado, o réu, o sentenciado. A advocacia criminal se preocupa agora se as leis penais vão retroagir. . Se o STJ tivesse vencido bem esses argumentos, o que, na minha opinião, não venceu bem, a argumentação não foi boa do tribunal, a lei ainda diz o seguinte: que se fosse aplicado a brasileiros natos e se pudesse retroagir ainda, teria que ter um tratado internacional permitindo. E justamente com a Itália o Brasil tem um tratado que nega, fala: "toda a cooperação entre Brasil e Itália não compreende as medidas de execução de pena." Com a Austrália existe possibilidade, com outros países existe a possibilidade, justo com a Itália não compreende.
Em suma, entendeu que a lei se explica a brasileiros natos, o que me parece incorreto; entendeu que a lei retroage, o que me parece incorreto; e, principalmente, não levou em consideração, fugiu do tratado entre Brasil-Itália.
Narrador
O caso do Robinho gerou um debate que dividiu os especialistas na área. Existem argumentos contra a prisão do Robinho, mas também existe o outro lado. O jurista Vladimir Aras, que é professor de direito e membro do Ministério Público, escreveu um artigo defendendo a legalidade da prisão de brasileiros condenados no exterior. A gente não vai se alongar nessa discussão, que é muito técnica e que também deve chegar em breve ao STF.
Os ministros ouviram os argumentos da Anacrim e da defesa do Robinho, mas decidiram pela prisão dele.
Um dia depois daquela sessão, o ministro Luiz Fux, do STF, negou o pedido para que ele aguardasse em liberdade o julgamento de recursos.
O Robinho foi preso e hoje está em Tremembé, no interior de São Paulo, um presídio acostumado a receber condenados famosos.
O advogado Alckmin já entrou com novos recursos no STF e no próprio STJ contra a prisão. O caso terá novos capítulos e a gente vai seguir apurando.
Não precisa acompanhar futebol pra saber o quanto esse universo é um ambiente machista.
Do ano passado pra cá, a gente teve vários casos que furaram a bolha e escancaram pra todo mundo essa realidade.
Jogadores, clubes e federações do futebol costumam manter o silêncio e evitar comentar esses casos.
Com a decisão do STJ de que o Robinho deve cumprir a pena no Brasil, as coisas começaram a mudar um pouco.
O lateral Danilo, atual capitão da seleção, pediu que a CBF se engaje no processo e passe a tratar do tema desde as categorias de base.
DANILO
É muito complicado falar, mas eu entendo que na minha posição como o jogador de mais tempo dentro da seleção brasileira, exercendo o papel que eu exerço, é importante que eu fale. Acho que dentro da amplitude do tema, é necessário participar de uma conscientização que parte dentro da seleção brasileira dentro das categorias de base, do futebol brasileiro passando também pelas categorias de base. Mas que a gente não faça o julgamento que isso acontece só no futebol, mas é um reflexo da sociedade, ela vem se espelhar no futebol. E nós enquanto atletas de alto nível temos que entender qual o local que a gente ocupa, qual que é o nosso papel e entender que as nossas ações tem um poder maior de influenciar positivamente e negativamente.
Narrador
Outra que comentou o assunto foi a presidente do Palmeiras, a Leila Pereira. Ela estava em Londres, chefiando a delegação da seleção durante um amistoso, quando foi questionada pelos jornalistas do UOL Thiago Arantes e Lucas Musetti sobre o Robinho e o Daniel Alves.
A única presidente mulher de um time da primeira divisão disse que a possibilidade de Daniel Alves sair da cadeia seria um "tapa na cara" das mulheres.
LEILA PEREIRA
Não estamos falando sobre um processo, estamos falando sobre uma condenação. E eu não acredito que você combata a criminalidade sem a punição. E punição severa. Principalmente... aliás, todos os crimes têm que ser punidos de uma forma severa, mas principalmente contra as mulheres. Que nós sofremos desde que nós nascemos. Preconceito, falta de oportunidade, todo tipo de discriminação, eu sinto comigo nesse ambiente tão machista que é o futebol. Mas não adianta eu falar só, todas nós temos que falar, então eu peço pra todas as mulheres, vocês da imprensa também. Eu preciso de todos vocês.
Narrador
Quando a Helena falou pela primeira vez sobre o que tinha acontecido com ela, talvez ela estivesse sozinha. Ela tinha as lembranças dela, o vestido que ela usava no dia e algumas mensagens trocadas pelo Facebook. Parecia pouco. Do outro lado eles eram seis. Pareciam muitos. Mesmo assim ela falou.
Sua denúncia depois foi confirmada pelas vozes do Robinho e do Falco, gravados secretamente pela polícia, no celular e no carro. Foram necessários nove anos até que a condenação dos dois fosse confirmada.
Quando o caso chegou no Brasil, todo mundo já tinha ouvido a voz dos dois, vozes comentando com muitos detalhes o que tinha acontecido naquela noite. Primeiro negando, depois confessando, mas sempre debochando.
As vozes ecoaram na estrutura dos quatro tribunais que analisaram o processo. Foram quatro condenações.
Mas e a voz da Helena? A voz da Helena a gente nunca ouviu e talvez nunca ouça. A gente sabe o que ela disse, mas não conhece a voz dela. O que ela falou pra polícia virou relatório impresso no papel, só que as ondas sonoras nunca chegaram até aqui.
Mas outras vozes soaram junto com a dela.
A história da Helena cruzou o planeta, um sopro que ela produziu na Itália provocou uma ventania no Brasil. Uma ventania nas vozes de muitas mulheres. Entre elas, a Alice Klein, a Milly Lacombe e a Cris Fibe, colunistas do UOL.
ALICE KLEIN
Digo como mulher, como pessoa que estava presente durante todo o julgamento, o momento de maior emoção pra mim foi quando o subprocurador geral fez questão de ler alguns trechos dos áudios de Robinho que destacam o desprezo pela vítima, o desprezo pelo processo, o desprezo por tudo que não fosse ele.
MILLY LACOMBE
A gente é a mulher albanesa, já fomos a mulher albanesa para alguém nessa vida. A todas as mulheres na vida de vocês, todos que estiverem escutando a gente agora, quem tiver coragem, pergunte: 'Com quantos anos você foi abusada pela primeira vez?'
CRIS FIBE
A gente consegue como público leigo escutar o que nos bastidores o Robinho e seus amigos estava falando sobre esse mulher, com que desrespeito eles falam dela e como falam de todas as mulheres.
E talvez as coisas nunca mais sejam as mesmas.
Narrador
Esse foi o oitavo e último episódio da quarta temporada de UOL Esporte Histórias - Os Grampos de Robinho. Ok, eu sei que eu já falei isso antes, no ano passado, depois do sexto episódio. Aquele era pra ser o último, mas a gente trouxe esses dois episódios extras pra contar os desdobramentos dessa história, a entrevista com o Claytinho e a prisão do Robinho.
A gente vai continuar acompanhando esse caso, então talvez a gente ainda se encontre por aqui no futuro.
Por enquanto, eu queria fazer aquele tradicional pedido.
Se você é uma das pessoas citadas nesse podcast e gostaria de falar com a gente, pode escrever pra uolesportehistorias@uol.com.br. Nesse e-mail você também pode enviar comentários, sugestões, críticas e elogios, dessa e de outras temporadas do podcast.
Junto com esse episódio, a gente publicou uma reportagem no UOL Prime com mais detalhes sobre a entrevista com o Claytinho. O link pra ela está na descrição do episódio.
E se você não conhecia o UOL Esporte Histórias, eu recomendo também que ouça as outras temporadas do nosso podcast.
Eu sou Adriano Wilkson e obrigado a você que nos acompanhou até aqui.
- A reportagem desse episódio é de Adriano Wilkson.
- O roteiro é de Adriano Wilkson e Clara Rellstab
- A montagem é de Danilo Corrêa
- O desenho de som é de João Pedro Pinheiro
- Trilha sonora original de João Pedro Pinheiro
- Trilhas adicionais do Epidemic Sound
- O design é de Eric Fiori
- Motion Design de Leonardo Henrique Rodrigues
- Direção de arte de Gisele Pungan e René Cardillo
- Coordenação de Ligia Carriel e Daniel Tozzi.
- O podcast é um produto de UOL Prime, que tem Diego Assis como gerente geral de reportagens especiais.
- O projeto também conta com Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL.
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