Se antes chegou a questionar a competência do STJD para analisar as denúncias que diz ter sobre manipulação de partidas no Brasileirão, John Textor dedicou na última quarta-feira um intervalo de pelo menos sete horas à corte desportiva do futebol.
O décimo andar da Rua Uruguaiana 55, no coração do Centro do Rio, foi onde o dono da SAF Botafogo deu expediente, tentou explicar questões envolvendo as acusações e alfinetou algumas vezes a presidente do Palmeiras, Leila Pereira.
"Leila diz que não há manipulação de resultado, mas celebra o papel na comissão para investigar manipulação de resultados. O gringo é suspenso e a Leila ganha um aperto de mão do presidente da CBF no estádio de Wembley", disse Textor, referindo-se ao cargo de chefe de delegação exercido pela presidente do Palmeiras nos últimos amistosos da seleção brasileira.
O que ele estava fazendo ali
O bilionário norte-americano aparecia como um dos réus na pauta do dia do Pleno do STJD, a instância máxima do futebol nacional.
A expectativa era a resolução de um julgamento que já tinha sido adiado na semana passada, quando o auditor Felipe Bevilacqua pediu vistas ao processo contra Textor.
Não se trata do processo que pode dar mais dor de cabeça e punição maior ao dono da SAF alvinegra. Ainda chegaremos lá.
O caso da vez envolvia invasão de campo e ofensa aos árbitros depois da virada histórica do Palmeiras sobre o Botafogo (4 a 3), no Nilton Santos, que abriu o caminho para a derrocada alvinegra e o título do time de Abel Ferreira.
Textor corria risco de ser suspenso. Não por acaso, apareceu no tribunal com uma equipe de advogados, mesmo numa fase do julgamento em que não iria mais depor. O voto do relator do caso já indicou a ele 105 dias de gancho. Os demais auditores não votaram ainda.
A ideia era conversar antes da sessão, marcada para 11h, com os auditores do Pleno. Uma sinalização não necessariamente pensando nesse processo. Mas no próximo, que ainda vai tramitar em primeira instância. O aceno de Textor ao STJD não é só técnico, mas também político.
Questão de relacionamento
Pegou muito mal no STJD uma manifestação feita pelos advogados de Textor e declarações do próprio cartola, dizendo que o tribunal não tinha competência para julgar casos e denúncias de manipulação.
Até ontem, a insistência de Textor era se explicar só aos entes públicos e não à corte desportiva. Mas isso mudou.
Textor talvez nem tenha percebido, mas se instalou em uma sala que homenageia uma figura que remete ao passado do Botafogo — ainda associativo. O local destinado aos advogados no andar do STJD foi batizado de Paulo Valed Perry, ex-vice-presidente jurídico do Botafogo e ex-auditor do STJD.
Um caos aéreo causado pela forte chuva no Rio atrapalhou os planos. Textor e equipe conseguiram falar, de início, com o próprio Felipe Bevilacqua.
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Quero receberA defesa apresentou novas situações que devem ter desdobramentos na próxima semana. O auditor, então, pediu que o caso fosse retirado de pauta.
Antes de sair para um intervalo do almoço, Textor conversou com jornalistas. E aí que as alfinetadas sobre Leila Pereira se materializaram, ao mesmo tempo em que fez uma defesa dos relatórios da Good Game. Eles são a base para as alegações de manipulação que supostamente beneficiaram o Palmeiras.
Textor ficou contrariado, mas fez questão de responder ao UOL: "Você tem provas adicionais, além dos relatórios da Good Game?". O dirigente citou até o filme O Exterminador do Futuro na resposta. Em outro momento, voltou a citar a presidente do Palmeiras.
Eu também quero olhar para o comportamento dos nossos jogadores no último ano. Não tivemos qualquer evidência que nossos jogadores estiveram envolvidos. Mas eu sou diferente de Leila. Os jogadores dela não estavam implicados. Presidentes/donos de outros clubes vieram até mim e disseram: "Se nossos jogadores se comportaram de forma inadequada, queremos saber". John Textor
Textor e Leila, inclusive, foram convidados para depoimento na CPI da manipulação no futebol, criada pelo Senado. O cartola do Botafogo vai a Brasília na segunda-feira (22).
O dono da SAF do Botafogo e seus advogados deixaram o STJD, pouco antes das 14h, mas não demoraram para voltar. Eles queriam uma reunião com o presidente da corte, José Perdiz.
Houve um descasamento entre os planos de Textor, uma comemoração de aniversário de um dos auditores do Pleno, o almoço e a definição sobre o término da sessão de ontem — afetada por problemas técnicos na transmissão e conexão com advogados que estavam participando remotamente.
A sala Valed Perry virou o escritório remoto de Textor. Ele fez ligações, participou de videoconferência e de uma delas participaram 32 pessoas.
Mas lá pelas 16h Textor e Perdiz começaram a conversar. Thairo Arruda, CEO do Botafogo, e advogados de Textor participaram do papo.
"Ele apresentou como funcionam os relatórios e eu apresentei como funciona o tribunal", resumiu Perdiz.
Textor mostrou relatórios e também vídeos. Os advogados intermediaram tradução por algumas vezes. A conversa terminou em tom ameno, com algumas risadas.
O lado alvinegro ficou satisfeito pela aproximação ao STJD. A questão é saber se isso aconteceu tarde demais.
Como está denunciado em outro processo por não entregar provas de manipulação que sempre alegou ter, Textor pode ser punido com suspensão mais pesada por deixar de cumprir ou dificultar cumprimento de decisão do STJD. O gancho pode ser de 180 dias. Se for reincidente, a pena é eliminação.
Textor deixou o STJD por volta das 18h30. Acompanhado de Thairo, segurança e motorista, foi ao estádio Nilton Santos porque, ao final de contas, ele tem um time para gerir — o Botafogo ganhou de 1 a 0 do Atlético-GO.
Quando chegou aos arredores do estádio, ainda vestindo o mesmo terno cinza e boné azul, Textor partiu para o menu do dia: um churrasquinho e uma lata de cerveja.
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