Kleiton Lima, ex-técnico do time feminino do Santos que deixou o clube nesta semana, diz ser inocente das acusações de assédio feitas por atletas alvinegras e afirma que vai provar a sua inocência.
"Nunca humilhei, assediei ou tratei mal nenhuma jogadora. Sempre tive relação de amizade e de ser o 'paizão' de muitas delas. Duas jogadoras, inclusive, já foram até morar na minha casa, fazendo parte da minha família. Jamais usei roupas que não fossem adequadas, sempre estive com o uniforme do clube, não sei de onde tiraram isso. Sobre as acusações de assédio moral, tentativa de suicídio, o departamento médico do clube nunca recebeu nenhum tipo de denúncia nesse sentido", defende-se Lima.
O que dizem as cartas
O UOL teve acesso às 23 cartas anônimas entregues à diretoria do Santos para denunciar Kleiton Lima, técnico da equipe feminina acusado de assédio moral e sexual. Os documentos, que teriam sido escritos por jogadoras do elenco, constam no inquérito policial que investiga o caso.
Os textos trazem diversas acusações, que vão desde procedimentos técnicos incoerentes e táticas incorretas de jogo a exposição do órgão sexual pelo uso de roupas inadequadas, toques físicos indesejados e diversas frases com duplo sentido em contextos sexuais. Uma das cartas, inclusive, acusa Lima de assédio sexual. Uma das jogadoras citadas nas cartas teria até cogitado suicídio por conta do suposto assédio moral cometido pelo treinador.
Uma vez estava na feira perto de uma barraca de pastel. O treinador chegou, perguntou se eu estava comendo, respondi que não. Ele deu uma volta em torno de mim, olhou para minha bunda e insinuou que ela era grande. No outro dia, ele voltou a zombar de mim e disse que eu não conseguia correr por ter uma bunda grande
Trecho de uma das cartas entregues à diretoria do Santos
Veja abaixo as cartas
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Quero receberSobre o conteúdo das cartas reveladas em setembro do ano passado, Kleiton afirma que jamais fez comentários com conotações sexuais e que não cometeu nenhum tipo de assédio, seja moral ou sexual. O treinador ainda deu a sua versão, em depoimento à polícia, especificamente sobre o episódio envolvendo a atleta que o acusa de assédio sexual.
"Esse encontro informal aconteceu em uma feira livre perto do clube. Eu chamei a atenção da atleta sobre a alimentação não ser adequada. A comissão técnica e algumas jogadoras foram até a barraca de feira para comemorar o aniversário da nossa coordenadora. A única coisa que fiz foi alertar que uma atleta de alta performance precisaria ser responsável com a alimentação balanceada que o clube oferece, nada mais", alega o técnico, que ainda afirma que o episódio ocorreu em março de 2023, ou seja, seis meses antes da denúncia através da carta anônima.
O técnico ainda afirma que abriu boletim de ocorrência por calúnia e difamação contra Luciana Ortega, já que, segundo ele, é a única atleta que teria assumido ter escrito uma das cartas, o que é negado pela defesa da zagueira espanhola.
Lima ainda afirma que sua família vem sendo alvo de ataques e ofensas e diz temer por sua integridade física.
"Preciso preservar o bem mais precioso que conquistei até hoje, que é minha família. Sou inocente e vou provar. Estamos todos assustados. Esses dias, um motoqueiro parou ao lado do meu carro e me agrediu verbalmente. Durante a partida contra o Corinthians, dois torcedores disseram que iam me matar e estuprar minha esposa. Estou com muito medo, só saio de casa com segurança privada. Não é possível viver assim", declarou o técnico.
O que foi dito em depoimento à polícia
As autoridades que investigam o caso ouviram depoimentos da coordenação geral do Santos, da coordenadora do time feminino, de duas jogadoras, membros da equipe técnica e da diretoria alvinegra.
Todas as partes ouvidas afirmam que, após o surgimento das cartas, foi realizada uma reunião na sede do clube para investigar as denúncias. No entanto, durante o encontro, apenas a zagueira Luciana Ortega teria assumido a autoria de uma das cartas, justamente a que relata o caso de assédio cometido na feira.
Entretanto, em depoimento à polícia, e posteriormente em contato com a reportagem do UOL, a defesa da zagueira negou que ela seja a autora de uma das cartas, que ela tivesse assumido a autoria na reunião e que tenha dado autorização para qualquer pessoa falar em seu nome.
"A Luciana estava presente na reunião, mas não escreveu a carta e tampouco se manifestou verbalmente. Ela fez até um teste grafotécnico que atestou inconclusivo [para sua autoria]", explica Paula Carpes Victório, advogada da atleta.
A profissional ainda alega que Luciana Ortega tem nacionalidade espanhola e entende português, mas não domina a escrita a ponto de conseguir escrever de maneira correta como aparece na carta.
O que diz o Santos
Após bancar a recontratação do técnico mesmo em meio às denúncias e críticas por não ter "identificado nada concreto", a equipe alvinegra voltou atrás e optou por aceitar o pedido de demissão de Lima.
Em entrevista concedida na última quarta-feira (17), Marcelo Teixeira, presidente alvinegro, admitiu que o clube errou ao reintegrar o profissional e que irá apurar melhor as denúncias.
"O Santos errou ao trazer o profissional. O Santos assumiu hoje uma responsabilidade pelo profissional que tem história no clube. Se tivermos a necessidade de uma decisão, que é a que foi tomada, foi tomada em comum acordo principalmente na preservação do profissional, de sua família. Estamos ao lado de qualquer campanha que seja contra preconceito e qualquer tipo de discriminação. O Santos é exemplo e referência no futebol nacional. Imediatamente já nos recompomos, tivemos o acordo e já contratamos um novo profissional, que começou hoje, irá para a comissão técnica e será apresentado a vocês como o novo técnico do Santos Futebol Clube para o futebol feminino", explicou o dirigente, que continuou:
"Quando nós assumimos, já havia a possibilidade da profissional indicar o retorno do Kleiton Lima. Não tínhamos conhecimento do que tinha sido feito internamente e nem no âmbito policial. Foi quando vieram os pareceres dos departamentos, que não se apurou nada. Jurídico, feminino, profissional, todos foram chamados à época pela diretoria. No processo, houve carta anônimas que poderiam ter sido feitas por uma, duas, três ou 10 pessoas. Não sabemos quantas pessoas fizeram as cartas. Tudo isso foi feito um procedimento interno e externo."
"Não temos nenhuma prova envolvendo a parte interna e também não há comprovação da parte externa. Porém, o próprio profissional e nós entendemos que não é mais o momento que ele esteja. O elenco que está aqui grande parte não estava no ano passado. Eu ouço essas meninas, a minha profissional. Todo o elenco do futebol feminino atual estavam apoiando. O trabalho da diretoria não é sobre o processo do ano passado. Queremos combater e não apoiar. Nada afetará o projeto. Nem a vinda e nem a saída. O que vem sendo feito é mais forte do que a questão envolvendo um treinador."
Teixeira ainda afirmou que vai liderar as investigações para que a situação tenha um desfecho definitivo.
"Vamos sempre respeitar as decisões dos profissionais das áreas. Não quero responsabilizar ninguém. Eu sou o responsável, mas eu tenho que ouvir e decidir. A minha decisão foi diante dos profissionais que estão sempre me aconselhando. Foram feitas as constatações e diante de tudo isso foi decidido pela contratação, como também foi decidido pelo término contrato. O acordo não terminará aqui pelo Santos. Não é um término, diante dos esclarecimentos. O Santos vai assumir esse protagonismo. Vai a fundo. Todos os que estão envolvidos. Não estava envolvido, mas estou. Vou assumir essa responsabilidade pelo que represento no futebol feminino. Pedi ao presidente da Federação, Reinaldo Carneiro Bastos, para que contribua na área esportiva possibilitando com que ele, através do tribunal da Federação, tome a iniciativa de criar um processo interno. Ouvir todo mundo, ouvir as partes. Já que na Polícia não houve solução. Não queremos acobertar o treinador e nem querer algo contra as jogadoras. Queremos ser exemplo. Não basta ser anônimo, não vamos nos contentar. Vamos nos contentar com denúncias e medidas corajosas, contra o profissional, contra qualquer que seja. Para que a gente moralize e tenha um meio salutar."
Gláucio Carvalho, ex-Instituto 3B, já foi contratado para comandar a equipe alvinegra na sequência da temporada.
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