Autista e deficiente auditivo, ele alcançou Série D. Hoje, quer ser Marcelo
Luis Augusto Símon (Menon)
Colaboração para o UOL
07/05/2024 04h00
Até os quatro anos, Caio Pedro era um garoto isolado na creche de Horizonte, a 50 km de Fortaleza. Não interagia com as outras crianças, não respondia, nem fazia contato visual.
Hoje, aos 22 anos, está jogando a Série D do Campeonato Brasileiro pelo Atlético-CE: ele conseguiu uma vaga no elenco graças a um DVD em que aparece atuando pelo Horizonte, no Campeonato Cearense de 2024. Foram dois gols e uma assistência em dez jogos.
A saga da criança diagnosticada com autismo e com deficiência auditiva até o sucesso no futebol pode ser contada por duas mulheres: Tatiana, a mãe, e Maria Liduína, a avó. "Foi minha mãe que me alertou: alguma coisa não estava certa com o menino. E nós corremos atrás de uma solução", conta Tatiana, 38 anos.
O primeiro passo foi procurar uma otorrino e uma fono pelo SUS, e o diagnóstico da perda auditiva chegou. Em seguida, a busca parou em uma psicóloga, que falou em autismo e justificou o déficit de aprendizado com TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), doença crônica que inclui dificuldade de atenção, hiperatividade e impulsividade.
"Era por isso que chamavam o menino de doido e de sem juízo", lembra, emocionada, Tatiana. E lá foram as duas, mãe e filha, em busca de soluções para o problema detectado.
O jovem fez quatro anos de fono e participou de um projeto de inclusão com uma psicopedagoga. "Procurei também comprar aparelho de surdez, mas era caro e não consegui. Ele nunca usou, uma pena".
Foi aí que uma bola entrou na vida de Caio Pedro. "Com oito anos, nós colocamos o menino em uma escolinha de futebol. Ele foi para o gol e não gostou, foi para a meia e não deu certo, mas na lateral começou a se destacar."
Caio já estava com 16 anos e tinha laudo de autismo. Mesmo assim, José Hamilton, irmão de Tatiana, achou que ele poderia ter sucesso no futebol.
Ele já atuava pelo Ajax da Vila, time da comunidade quilombola onde vivem. "Meu irmão levou o Caio para o sub-17 do Horizonte, mas ele reclamou de ficar na reserva". Mesmo assim, continuou e chegou no sub-20, até ser aceito no time profissional.
Sua vida mudou de vez. "Ele fez amigos, começou a sair para ouvir pagode e até arrumou uma namorada", conta Tatiana.
Inspiração em Marcelo e mudanças
Caio tem dificuldades de audição, mas consegue bons resultados em campo. "Eu olho bem para o treinador e presto atenção no que ele está falando. Não gosto quando ele fala para eu ficar na marcação, gosto de ser lateral ofensivo como o Marcelo, mas obedeço".
Por telefone e média dificuldade de audição, Caio parece demonstrar gostar mais de bola do que de futebol. Não gosta de marcar, não gosta de ficar no banco, nem de academia. "Eu fico alegre quando tenho a bola para jogar. Lembro daqueles lançamentos do Marcelo no Real Madrid, mas sei que preciso obedecer. Meu futuro é no futebol".
Com o fim do Estadual onde se destacou, Caio foi emprestado para o Pacatuba, na segunda divisão, time homônimo da cidade que fica a 35 quilômetros de Horizonte.
"Eu fiquei bem triste e um pouco assustada com a saída dele de casa, mas é a vida dele que está começando", diz Tatiana. "Eu senti saudades de casa, mas fiquei bem lá na concentração. Tinha de ficar, né, futebol é assim", ele argumenta.
A trajetória durou poucos jogos: o Pacatuba não subiu, e Caio voltou ao lar com a mãe, a avó, o padrasto e as irmãs, de 15 e 10 anos.
Agora surge um novo desafio no Atlético-CE. "Quero jogar bem na Série D e ver o que acontece no próximo ano. Espero ser importante no time."