Washington Rodrigues, o Apolinho, fez história no rádio e marcou gerações de ouvintes, principalmente no Rio de Janeiro. Apesar da fervorosa paixão pelo Flamengo, conseguiu transitar como poucos pelas torcidas dos rivais. A relação com o futebol, inclusive, começou ainda nos tempos de goleiro de futsal e chegou à beira do gramado no clube de coração.
O jornalista morreu ontem (15), aos 87 anos. Ele estava em meio a um tratamento de câncer.
Começo na rádio
Washington Carlos Nunes Rodrigues, nasceu em 1 de setembro de 1936, e era um carioca do Engenho Novo. Na juventude, dividia o tempo entre a função de bancário e a de goleiro de futsal no já extinto Raio de Sol, time de Vila Isabel.
Foi durante um período fora das quadras, para recuperação de uma lesão, que recebeu o convite da Rádio Guanabara para uma espécie de consultoria, ensinando as regras do esporte. Com essa aproximação, foi chamado a fazer parte do programa "Beque Parado", em 1962.
Surge o Apolinho
O jornalista se tornou "Apolinho" na Rádio Globo. À época, a rádio havia comprado um microfone sem fio que era utilizado pelos astronautas da Missão Apollo 11. "Lá vai o Washington Rodrigues com o seu "apolinho", dizia Waldir Amaral.
O "Apolinho" rapidamente pegou entre os "arquibaldos" e "geraldinos", expressões cunhadas por ele e que mostrava o jeito descontraído e cativante que levava aos ouvintes.
Técnico do Flamengo
O radialista se tornou técnico do Flamengo, clube do coração, em 1995, ano do centenário do Rubro-Negro. Ele comandou a equipe que tinha Sávio, Romário e Edmundo no ataque.
Apolinho lembrou como foi o convite em papo com o UOL, em 2015. "Estava jantando com o Vanderlei Luxemburgo [afilhado de Apolinho e ex-técnico do time naquele ano] e o Kleber Leite [presidente] me convidou para encontrá-lo em um restaurante. Imaginei que queria conselhos sobre o momento do time e fui preparado para sugerir a contratação do Telê Santana. Ninguém queria pegar o Flamengo. O papo varou a madrugada. Até que por volta das 3h30 havia um prato virado na mesa e sem uso. O Kleber me disse que tinha um nome e pediu para que virasse o prato. Quando vi que era o meu, tomei um susto e perguntei se ele estava brincando. Pensei rápido e aceitei".
Washington Rodrigues fez algo diferente no banco de reservas: pediu um aparelho de TV para acompanhar a partida. "A vida inteira eu vi o futebol de cima. É uma coisa. Onde ficam os treinadores, não se tem a noção do conjunto. Eu, ao menos, não conseguia enxergar. Então tive essa ideia", explicou, em entrevista ao Museu da Pelada.
A passagem foi modesta em termos de resultados. Foram 26 jogos, com 11 vitórias, oito empates e sete derrotas. Neste período, foi vice-campeão da Supercopa Libertadores.
Ele ainda teve uma passagem como diretor técnico do Rubro-Negro, em 1998.
Show do Apolinho
Apolinho deixou o cargo de diretor do Flamengo para trabalhar na Tupi, emissora onde esteve até os últimos dias. Foi lá que esteve à frente do "Show do Apolinho", programa que ia ao ar de segunda a sexta, das 17h às 19h.
"Quando entrei na Tupi, em 2009, existia um mantra: 'se for bem no Show do Apolinho, terá sucesso daqui em diante'. Com três meses, ainda estagiando, me escalaram para um treino do time B do Flamengo, na Gávea, enquanto os titulares estavam fora do Rio para um jogo da Copa do Brasil. Naquela terça, as pernas tremiam sob a responsabilidade de cumprir a tarefa, mesmo que fosse por 1 minuto e meio no ar. Tarefa concluída e dali em diante foram outras entradas", conta o repórter Renan Moura, hoje na Rádio Globo.
"Todo repórter que teve a honra de falar no 'Show do Apolinho' precisa marcar isso na carreira. Era um cara caprichoso, detalhista, bem-humorado, criativo, teimoso como tinha que ser. Nos dois sentidos. Cobrava quando tinha de cobrar, mas nunca teve vergonha de elogiar quando tinha de elogiar. Isso fez dele um cara diferente. Cobrir o Flamengo no 'Show do Apolinho' era a maior responsabilidade que alguém poderia no Rio de Janeiro. Foi um dos maiores rubro-negros de todos tempos e, certamente, deixa uma lacuna no rádio que dificilmente vai ser preenchida. Acredito até que a forma de fazer rádio daqui pra frente vai mudar, já que temos um parâmetro que não está mais em vida", ressalta Marcos Coelho, da Rádio Tupi.
Bordões
Apolinho foi autor de diversos bordões que ultrapassaram a barreira do rádio e do futebol. "Chocolate" para se referir a uma vitória com placar elástico foi uma deles, mas houve diversos outros como "briga de cachorro grande", "pinto no lixo", "pau com formiga", "capinar sentado".
Além disso, Washington Rodrigues cunhou expressões que passaram a fazer parte do imaginário dos fãs de esporte. "Arquibaldos" e "geraldinos" são exemplos disso.
"Os bordões começaram por que eu tinha dificuldade e medo de errar. Eu ia falar e pensava: 'será que a palavra certa é essa?'. E aí, eu trocava e depois ria, pois, se eu estivesse errado, as pessoas achariam que eu estava brincando", contou à própria Rádio Tupi.
"Por exemplo, me lembro que a primeira dúvida foi sobre quem carregava a maca, no Maracanã. 'É macário ou maqueiro?'. Apelidei de macário. E pegou o apelido. Todo mundo falava macário. 'O torcedor que está na geral? Vou chamar de Geraldino; o da arquibancada, de arquibaldo; o que pula o muro, murilo'. E assim foi. Fui criando e hoje tenho mais de 100 bordões que estão por aí, espalhados", completou.
Adeus em 'chocolate' do Fla
A morte de Apolinho foi anunciada pela Tupi duante a vitória do Flamengo por 4 a 0 sobre o Bolívar. Companheiro de longa data, o narrador Penido não segurou a emoção.
Luiz Penido estava no meio da transmissão do jogo do Flamengo na Rádio Tupi e foi aos prantos ao saber que Apolinho tinha morrido.
-- André Peres (@euandreperes) May 16, 2024
Toda solidariedade aos familiares. pic.twitter.com/qqS8Na5FN5
A filha Patricia Rodrigues revelou que ele acompanhava a partida antes de morrer. "Deu tempo de ouvir o terceiro gol e deu um último suspiro, tranquilo e sereno".
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