Eurocopa: Emissora alemã causa revolta com enquetes racistas e xenófobas

"Você gostaria de ver novamente mais jogadores brancos na Alemanha?"

Esta foi a pergunta que se tornou a principal polêmica na Seleção Alemã às vésperas do início da Eurocopa. A enquete foi feita pela emissora pública ARD, com o surpreendente resultado de que 21% das pessoas concordam com a afirmação. O assunto incomodou a equipe anfitriã e foi duramente criticado pelo técnico Jules Nagelsmann.

A pesquisa da ARD contou com a participação de 1304 pessoas. O material faz parte do documentário Unidade, Justiça e Diversidade, que foi ao ar na última semana na Alemanha e trata sobre racismo e xenofobia no futebol local com a participação do zagueiro Jonathan Tah e dos ex-atletas Gerald Asamoah e Tugba Tekkal.

Na semana final da preparação para a estreia contra a Escócia, jogo que marca a abertura da Eurocopa nesta sexta-feira, às 16 horas, em Munique, o tema foi principal destaque nas entrevistas do meio-campista Kimmich e do técnico Jules Nagelsmann. Ambos criticaram a realização da enquete como "totalmente racista".

"É um absurdo você perguntar isso quando o nosso objetivo é unir o país para conquistarmos grandes coisas juntos. Como um time, nós estamos tentando de todas as formas ter toda a Alemanha nos apoiando. Uma pesquisa como essa é totalmente contraprodutiva", criticou Kimmich.

A Alemanha conta com três remanescentes do título mundial de 2014: goleiro Manuel Neuer, meio-campista Toni Kroos e o atacante Thomas Muller. O capitão da equipe é Ilkay Gundogan, de 33 anos e virou tema de outra enquete da emissora pública, que queria saber se os alemães aprovam a escolha por um jogador com ascendência turca. O resultado deu que 17% dos entrevistados lamentam a decisão de Nagelsmann.

As discussões sobre racismo e xenofobia na Alemanha ganharam ainda mais força após as eleições para o Parlamento Europeu na última semana. Pela primeira vez na história, o partido AFD, da extrema direita, recebeu 16% dos votos. O cenário também se repetiu com a ascensão de blocos semelhantes em países como França e Itália.

Se em 2006, ano da Copa do Mundo, a Alemanha viveu um período conhecido como "conto de fadas do verão", a expectativa para 2024 não é das mais otimistas.

"O sentimento geral é bem diferente do de 2006. É bem preocupante que a poucos dias do início do campeonato, o partido de extrema direita AFD tenha recebido 16% dos votos. Toda essa a situação política mundial, como a Guerra da Rússia e os conflitos no Oriente Médio, faz ter esse sentimento diferente também. Mas é bom lembrar que em 2006 não vivíamos um mundo sem problemas. Longe disso", disse o jornalista alemão Chaled Nahar, que trabalha na Sportschau.

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Sociólogo e professor na Faculdade de Sociologia e Ciências Econômicas da Universidade de Hamburgo, Douglas Ribeiro vive na Alemanha há seis anos. Estudioso de políticas migratórias e xenofobia, ele não acredita em conflitos durante o período, mas que a Eurocopa pode, sim, ser usada como ferramenta política por alguns partidos.

"A extrema direita já está alavancada e se alimenta de outros temas diferentes do esporte, como inflação, crise imobiliária e guerra na Ucrânia, por exemplo. Os assuntos vinculados ao futebol são mais usados para levantar temas raciais e de alienação cultural. Mas em relação ao nacionalismo, isso vai ter sim. O futebol sempre foi um elemento de estrutura simplista que ajudou a Alemanha em momentos cruciais para recuperar o espírito nacionalista entre seus cidadãos como a Copa de 1990, primeira Copa após a unificação, e na Copa do Mundo de 2006, no país", disse Ribeiro.

Durante toda a semana que marca o início da Eurocopa, a política estampou todos os dias as capas dos jornais da Alemanha. Mas a tendência é que o cenário mude nos próximos dias, com o início dos jogos e a expectativa pela chegada de mais de 650 mil torcedores para a competição.

"O clima de competição deve começar a ganhar espaço só quando começarem os jogos. Mas a atmosfera vai depender muito da performance da Alemanha. Mesmo com a demissão de Hans-Dieter Flick e das derrotas nos amistosos, a Alemanha sempre tem expectativa alta no futebol. Para muitos, a Alemanha não é favorita, mas para o povo, qualquer resultado abaixo de semifinal já será muito desapontante", finalizou Chaled Nahar.

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