Além da praia: Nilton Santos vira referência da altinha street no subúrbio
Classificação e Jogos
Uma infinidade de bolas subindo, descendo e vindo de todas as direções conduzidas por jovens com habilidades que impressionam. Ao redor, cadeiras de praia e galões de mate num cenário típico de altinha, com a diferença de que a areia dá lugar ao asfalto e o mar sai de cena para a linha do trem. Ao fundo, o Nilton Santos, a casa do Botafogo.
Sempre às segundas-feiras, a partir das 19h, centenas de meninas e meninos tomam conta dos galpões da parte externa do setor oeste do estádio e fazem dali o principal ponto de encontro da chamada "altinha street", modalidade que ganhou diversos adeptos, principalmente entre os moradores do subúrbio e da Baixada Fluminense, que estão mais afastados da orla carioca.
Cheios de talento, eles fizeram o lugar viralizar nas redes sociais e atrair até mesmo praticantes que moram à beira do mar ou até mesmo de outros estados.
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"Antigamente era em um galpão, ficava cheio, mas dava para jogar. Hoje em dia já está evacuando para outro galpão. É gente para todo lado. Toda segunda vem gente de longe. Aqui reúne o Rio de Janeiro todo, de fora também. Até da Argentina já veio. Pessoal da praia, da Zona Sul, também vem para cá. Todo mundo que joga altinha conhece aqui. É o maior palco de altinha street do Brasil", disse Eric Ferrari, espécie de "guia turístico" do UOL.
Ter mulher na altinha é regra
Uma das regras básicas na altinha street do Engenhão é a de que se tenha ao menos uma mulher nas rodas. Com cada vez mais adeptas no esporte, elas são muito bem-vindas por lá.
"Acho isso muito importante porque a altinha e o futebol sempre foram vistos como esportes majoritariamente masculinos. Então, é muito importante a representatividade das mulheres, tanto na altinha quanto no futebol. Aqui, graças a Deus, não tem nenhum problema. Eles aceitam de boa", disse Patrícia Chermont, de 20 anos.
A democracia por lá acolhe quem já sofreu preconceito no mundo da bola. Caso de Letícia Mello, de 21 anos, que chegou a atuar profissionalmente no futebol de campo.
"Já sofri muito com isso porque já fui jogadora profissional. Então, sofri isso desde amigos até família, mas hoje em dia está melhor. Hoje em dia o pessoal já está meio que acostumado", disse.
Com muitos talentos femininos no local, até um coletivo de mulheres foi criado por lá: o Alta Delas (@altadelas.rj).
"Sempre jogávamos altinha juntas, nos conhecemos aqui. E entre uma conversa e outra, falamos: por que não? Recebemos muitas mensagens de meninas falando que têm vergonha de jogar, ou porque fulano fez um comentário ou não deixou jogar. Esporte é esporte, não existe distinção. É para homem e mulher, independentemente de gênero", diz Luiza Santana, uma das fundadoras.
Sucesso da altinha aquece comércio local
As centenas de jovens que praticam a altinha nos galpões do Nilton Santos têm aquecido o comércio local. Food trucks tem se espalhado no local, além de ambulantes.
"Quando vi que eles começaram aqui, passei a vir para cá. Basicamente, a gente arrumava mesa, cadeira e tudo mais para fazer os torneios deles. Agora nem precisa mais. Está crescendo, graças a Deus", destacou o ambulante Augusto Silva, conhecido como "Senhor Myagi", em referência ao personagem do filme Karatê Kid.
O sucesso da altinha também atraiu projetos sociais. Caso do que é comandado por Jair Fernandes, que fornece água mineral gratuita para os atletas da altinha e para todos os que praticam algum tipo de esporte no entorno do Nilton Santos.
"Tive a iniciativa de fornecer água para o pessoal beber de graça. Aqui é um projeto social, a galera da altinha é participativa, chega junto, eles fazem torneios e são um pessoal família", destacou.
Esporte se profissionaliza e tira jovens da violência
A altinha tem se profissionalizado cada vez mais e aumentado o seu número de torneios e patrocinadores. O crescimento do esporte tem gerado reflexos sociais e até tirado jovens da violência, caso de João Vitor, de 24 anos, conhecido no local como "Maradona", morador da comunidade do Chapadão, no bairro da Pavuna, e que hoje disputa competições profissionais.
"Depois que conheci esse esporte, saí de muita coisa. Quase fui morto. O livramento aconteceu e esse esporte me ajudou muito. O esporte me fez mudar de pensamento. Antigamente eu só queria pensar em farra, em fazer m..., aquelas coisas. Conheci esse esporte quando fui trabalhar no Leme como entregador. Saía domingo de tarde, às 14h, e comecei ir à praia e ver os caras jogarem. Daí comecei a jogar e curtir. Achei que não ia chegar onde estou hoje em dia", comentou o jovem, que sonha em ver a altinha nas Olimpíadas:
"Creio que mais um pouco para frente se tornará um esporte olímpico. Não agora em Paris [em 2024], mas na próxima [em Los Angeles-EUA]".
Com a bola lá no alto, a prática se espalha e sonhar com um espaço na principal competição poliesportiva do mundo já não parece um sonho tão distante.