'Só pedi força': lateral supera morte do filho e mira ato final na carreira

'Seja forte e corajoso', diz uma tatuagem nas costas do lateral esquerdo Natanael. E tais palavras podem muito bem definir o jogador de 33 anos, que atualmente defende o Avaí. Depois de passar por um drama pessoal com a morte do filho de quatro anos em 2023, ele se reinventou e busca colocar o time catarinense na Série A como um dos últimos atos da carreira de atleta.

"Eu só pedi: Deus, me dê força"

Era um típico programa em família. Natanael estava com a esposa Priscila, as filhas Kauany, 11 anos, e Kamilly, 14 anos, e o pequeno João Guilherme, de quatro anos, no shopping. Se divertiram, jantaram, compraram guloseimas para as crianças e retornaram para casa pois o casal tinha uma reunião de trabalho por videoconferência.

João deitou-se para ver televisão, como sempre fazia. Natanael e a esposa estavam a poucos mestros dele, se preparando para conversar com servidores da clínica que o casal mantém. Foi quando uma das meninas percebeu que o mais novo passava mal.

"Ela falou: pai, o João não está bem. Não deu 10 minutos que ele tinha se deitado. Ela disse que ele estava passando mal, convulsionando. Eu falei: Como assim? Minha esposa saiu desesperada. Quando o pegamos, ele já estava com a boca roxa, com o corpo mole. Estávamos a dois metros dele. Ele não esboçou nenhuma tosse, nada. Era como se estivesse dormindo. Não houve descuido, só Deus para explicar", contou o jogador.

A família buscou atendimento, chamou a emergência, o menino chegou a ser reanimado, mas não sobreviveu. O pequeno morreu após se engasgar com um chocolate estilo confete.

Natanael com o filho, João Guilherme
Natanael com o filho, João Guilherme Imagem: Reprodução

"Imagina se minha filha não desce, o choque que seria. Porque nós faríamos a reunião, pegaríamos ele achando que estava dormindo, mas estaria morto. Seria muito mais difícil se a gente pegasse ele morto, foi um baque muito grande e seria ainda maior", lamentou.

Natanael lembra que houve muitos sinais naquela semana: desde o cancelamento do voo para um jogo até uma foto que evidenciou a já citada frase tatuada nas costas. Ele ainda destacou o apoio da direção do Avaí, do técnico Eduardo Barroca e se reergueu com a fé.

A única coisa que pedi foi: Deus, me dê força nesse momento tão difícil. Para mim e minha família. Um pastor que fala comigo todos os dias me mandou mensagem, e o que ele me disse veio do céu. Foi uma pessoa enviada por Deus naquele momento. Ele falou: Acalma teu coração porque Deus sabe de todas as coisas. Nós não entendemos nada. Deus tinha um plano na vida do teu filho e de vocês. Agora você não está entendendo, mas vai entender. Como estava tua vida antes dele? E agora? A gente fica fora de si na hora, mas depois eu entendi. Nossa vida não estava boa antes da chegada dele, como família, e no tempo em que ele esteve aqui voltamos a ser uma família, eu, minha esposa, nosso relacionamento. Ele trouxe paz e alegria para nossa casa, amor onde não estava tendo, sabedoria para amadurecermos. Foi isso que me acalentou. Foi de onde tiramos forças para seguir

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Avaí prestou solidariedade a Natanael
Avaí prestou solidariedade a Natanael Imagem: Divulgação/Avaí

Últimos atos da carreira

Natanael superou o drama pessoal, recebeu apoio e voltou a jogar. Hoje, entende que a fase da carreira é positiva e colocar o Avaí na Série A pode ser um dos últimos atos da carreira. A aposentadoria já é tratada com naturalidade por ele, com atividades paralelas fora de campo. Em parceria com a esposa e a cunhada, o atleta mantém a Clínica Life Blue, que oferece serviços de saúde para pessoas autistas em Cuiabá. O plano é abrir uma filial em Florianópolis.

"Criamos a clínica em 2022, estamos estabilizados, somos bem conhecidos neste ramo. Vamos expandir porque percebemos que muita gente precisa deste atendimento. Isso nos deixa muito felizes, é um ramo em que estamos trabalhando juntos, em família", disse.

Tenho mais um ano de contrato e meu objetivo é trabalhar esses dois anos. No ano que vem, se o Avaí não quiser ficar comigo, renovar, eu só vou sair de onde estou se for algo realmente impossível de recusar. Senão, posso parar de jogar. Minha família mora aqui, minha mãe, compramos uma casa, hoje tenho investimentos fora de campo e a cidade me acolheu muito bem. Deus me deu o que eu tinha que fazer, aproveitei todas as chances como jogador. Carrego isso no coração, estou tranquilo

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Imagem: Leandro Boeira/Avaí
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Sonho realizado: Champions League

Olhar para trás é lembrar de momentos bons na carreira. Pelo Ludogorets (BUL), Natanael disputou a Champions League, encarando times como Arsenal e PSG, jogadores como Ozil, Verratti, Matuidi, Marquinhos, Thiago Silva, entre outros, além de ter sido campeão nacional em todas as temporadas por lá.

Todo jogador brasileiro tem o sonho de jogar esta competição, de desfrutar, de ouvir o hino da Champions. Naquele momento, eu me arrepiei, saiu lágrimas dos meus olhos, eu jamais imaginaria viver aquele momento. É um campeonato tão disputado, eu não tinha a dimensão do tamanho do que eu vivia. Eu via os jogos do sofá, de casa, quando tocou a música pensei: será que é isso mesmo? Foi um choque, uma coisa maravilhosa, uma experiência de arrepiar, de chorar, é surreal

Volta ao Brasil no Inter: poucas chances. "Voltei para o Brasil no Inter em um time que já estava encaixado, na Série A, na Libertadores e na Copa do Brasil. O que aconteceu é que recebi poucas oportunidades. O Inter tinha dois times, o titular e o alternativo, porque eram muitas competições. Só joguei pelo alternativo. Não foi que eu não queria, não tive chances. Em 2020, achei que seria meu ano, que teria chance jogar porque fui titular no último jogo de 2019, com o Zé Ricardo (técnico). Mas chegou o Coudet (Eduardo, técnico), eu segui fazendo meu trabalho, mas ele não me colocou. Não fui nem inscrito no Estadual. Não coube a mim, não foi por causa minha, foi opção técnica. Quando o treinador não vai com a característica, podemos fazer chover que ele não coloca."

Atlético-GO: a melhor fase. "No Atlético-GO, eu fiz meu trabalho porque o técnico, o Mancini (Vagner), me colocou para jogar. O jogador tem que jogar, ficar no banco, no grupo, mas fazer parte de tudo. É quando se ganha ritmo, confiança. Isso eu tive no Atlético-GO e pude fazer dois ótimos anos. Depois, veio o Barroca (Eduardo) e me colocou mais para frente porque iríamos enfrentar o Corinthians, que tinha jogadores rápidos pelo meu lado. Foi quando me adaptei a jogar na segunda linha. Mas sou mesmo lateral, só que por estratégia, quando o terinador precisa, faço o que for necessário para defender as cores do clube."

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