Investigação sobre PCC no futebol é nova 'Máfia das Apostas', diz promotor

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) conduz uma investigação que aponta indícios de envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) em transferências de jogadores.

Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), responsável por investigar o PCC há mais de 20 anos, diz que o caso pode ser ainda maior do que o da 'Máfia das Apostas'.

Eu tenho certeza que é maior. Eu acho que isso é a ponta de um iceberg. Nós vamos analisar toda a regularidade desse negócio, mas empresários do futebol já fizeram contato comigo apontando a presença do PCC no mundo do futebol, nessa parte de agenciar jogadores. Eu ainda estava um pouco em dúvida, mas hoje eu não tenho dúvida nenhuma. Já é um negócio que está estruturado. Tem até empresas um pouco mais famosas que a gente desconfia.Lincoln Gakiya, para o UOL

Agentes no crime organizado

A hipótese ganhou força após uma delação premiada realizada em março deste ano. Pouco tempo depois, o MPSP obteve provas que ligavam o integrante do PCC a esse nicho de mercado.

Eu perguntei a um réu colaborador, que era ligado à cúpula [do PCC], qual o interesse pelo futebol, né? Ele me disse: 'Isso aí é igual obra de arte, você coloca o valor que quiser, entendeu?'. Para lavar dinheiro é ótimo. E tem a perspectiva de você ganhar dinheiro também. E é um meio, me parece, em que não é muito cristalino como as negociações ocorrem, com essas comissões.Lincoln Gakiya

O empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, de 38 anos, apontou a atuação de Rafael Maeda Pires, o Japa, da cúpula do PCC, com a FFP Agency Ltda. A informação é do colunista Josmar Jozino, do UOL, que teve acesso ao depoimento de um dos réus colaboradores.

As provas obtidas pelo Gaeco mostram que Japa participou de negociações com Corinthians, em 2021. Ele foi encontrado morto em 14 de maio do ano passado com dois ferimentos na cabeça.

Uma coisa é você ouvir falar, outra coisa agora é você ter um depoimento e ter provas. Eu acredito que vão surgir mais nomes, de atletas, de clubes. A princípio não há envolvimento interno com nenhum clube de futebol, nem com o Corinthians, porque, como eu disse, é uma empresa de futebol ligada a criminosos.

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Inclusive, ouvi empresários, que saíram do país porque estavam sendo ameaçados pelo PCC ou por integrantes do PCC. Os integrantes também entraram nesse nicho de negócio e ameaçavam: 'Ou você vai lá e compra o sujeito [jogador] que é promissor, por livre e espontânea vontade, ou você toma o jogador'.Lincoln Gakiya

Atletas são vítimas, diz promotor

De acordo com a delação de Gritzbach, Danilo Lima de Oliveira, sócio da Lions Soccer Sports, que representa atletas em clubes da Série A do Brasileirão e em gigantes europeus, é acusado de ter participado de um sequestro, em 2022, a mando do PCC.

Emerson Royal e Danilo Lima (à direita), em apresentação do jogador no Barcelona, em 2021
Emerson Royal e Danilo Lima (à direita), em apresentação do jogador no Barcelona, em 2021 Imagem: Reprodução/YouTube FC Barcelona

Lima, que teve o caso do sequestro arquivado em 2022, foi um dos representantes Emerson Royal em sua transferência ao Barcelona, no ano anterior. Ele também fez parte da UJ Football Talent. A informação foi publicada pelo Estadão e confirmada pelo UOL.

Quem tinha essa relação [com o crime organizado] eram as pessoas que estavam ligadas aos empresários, ou seja, quem montou a empresa não é procurado, não é bandido. Com certeza, eles [jogadores] nem sabem exatamente quem está cuidando da carreira deles. Mas os atletas acabam sendo negociados, o sujeito vai lá, compra do outro empresário, eles vão comercializando, e esse atleta não tem nada a ver com isso.Lincoln Gakiya

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Em contato com a reportagem do UOL, a assessoria de imprensa da Lions afirmou que "não há qualquer envolvimento em atos ou negociações ilícitas".

Leia a nota da Lions Soccer Sports

O empresário Danilo Lima sempre esteve à disposição da Justiça e já esclareceu todos os fatos que foram objeto de ampla investigação, as quais, inclusive já foram devidamente arquivadas, após requerimento do próprio Ministério Público de São Paulo. A equipe do staff desconhece o teor da suposta delação. Assim que nos for dado acesso, nos manifestaremos publicamente.

Adiantamos ao Estadão que não há qualquer envolvimento em atos e/ou negociações ilícitas, muito menos envolvimento com o crime organizado, de sua parte.

Leia a nota da UJ Football Talent

A UJ Football Talent esclarece que é uma empresa individual, conhecida como Eireli, sendo conduzida de maneira unipessoal, ou seja, sem o envolvimento de múltiplos sócios. Dessa maneira, o senhor Danilo Lima, citado na reportagem, não é e nunca foi sócio ou participou da empresa.
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Reiteramos, ainda, que desconhecemos qualquer referência à UJ nas investigações realizadas e a citação de seu nome, o desvirtuamento da verdade, de forma irresponsável, poderá gerar apuração de responsabilidade na esfera cível e criminal.
A empresa opera e sempre operou de forma transparente e ética, seguindo todas as normas legais e regulamentares. Desconhecemos, portanto, qualquer tipo de relação com quaisquer das pessoas mencionadas na investigação.

Rumo das investigações

Com a investigação, o promotor responsável espera levar mais "cristalidade" para as cifras do futebol. Neste momento, ele entende que a pouca regulamentação neste mercado é ponto atrativo para a entrada do crime organizado.

O próprio Governo deveria voltar os olhos para isso, porque todos os países [europeus] tributam muito essas negociações, tanto que tem jogador que não quer ir pra Espanha, porque lá é a metade, 60% [em impostos]. Aqui, a gente tem uma legislação toda como uma 'colcha de retalhos'. Uma pequena parcela do salário de um alteta é CLT, e o resto é direito de imagem, né? Ele monta uma empresa e paga menos imposto. O único jeito é o Governo voltar os olhos para esse nicho com mais seriedade.Lincoln Gakiya

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