Qual a lógica financeira e o risco das contratações do Botafogo com Textor
Como um clube que em 2023 teve R$ 388 milhões de receita bruta consegue gastar R$ 390 milhões em jogadores contratados ao longo de 2024? O Botafogo usa uma estratégia arrojada no mercado para, mais uma vez, brigar pelo título brasileiro e sonhar alto na Libertadores. O lateral-direito Vitinho, do Burnley, foi a aquisição mais recente com desembolso pelos direitos econômicos.
A conta, num primeiro olhar, dificilmente fecha. Mas o clube aposta em uma linha de raciocínio baseada no fluxo de caixa e no apoio dos clubes da "família" do John Textor, dono da SAF do Botafogo.
Contratações mais caras do Botafogo em 2024 (valores fixos):
Thiago Almada (Atlanta): 25 milhões de dólares (R$ 138 milhões)
Luiz Henrique (Bétis): 16 milhões de euros (R$ 99 milhões)
Matheus Martins (Udinese): 10 milhões de euros (R$ 61 milhões)
Vitinho (Burnley): 8 milhões de euros (R$ 49 milhões)
A diretoria trabalha com as especificidades do mercado do futebol — e oportunidades, vide a contratação do lateral-esquerdo Alex Telles na reta final da janela. Esses gastos, embora contabilmente precisem entrar de uma vez só no balanço do clube, são efetivamente pagos de forma parcelada (quando há compra de direitos econômicos).
E aí, o Botafogo tenta se programar: quando tiver que fazer pagamento por um jogador x, espera que a receita com a venda de jogador y (ou do próprio jogador x) já tenha pingado nos cofres.
Se essa venda almejada não vier do mercado fora da rede multiclubes encabeçada por Textor, pode aparecer uma ponte para o Lyon, de repente.
Clube de passagem?
Isso explica especificamente o movimento por Thiago Almada, que vai para a França em janeiro. Ou seja, não vai ser bem o Botafogo, com receita própria, que ao fim das contas bancará a contratação. Mas o dinheiro que circula dentro da Eagle Football — o conglomerado de clubes do qual Textor é dono.
O Botafogo hoje está no meio de uma cadeia que também tem o Molenbeek, na segunda divisão da Bélgica, que recebe jogadores sem espaço no clube brasileiro.
Ah, mas então seria o caso de inflacionar as compras do Lyon para injetar mais grana no Botafogo? Não é interesse de Textor desequilibrar a balança. Não dá para quebrar o Lyon — sujeito a regras de fair play financeiro muito mais rigorosas do que no Brasil — para deixar o Botafogo pujante.
Ao mesmo tempo, quem cuida das finanças alega que não valeria quebrar o Botafogo neste início de investimento, sendo que o dono quer lucros futuros com formação de jogadores e transferências.
"Ponderando tudo, não dá para dizer que a estratégia está errada. Há duas formas de se ganhar dinheiro com clubes de futebol: comprando na baixa e vendendo na alta, e negociando atletas. A primeira parte já está sendo feita, à medida em que Textor comprou o Botafogo em dificuldades e já o transformou num clube mais competitivo. Sobre a segunda, veja, há exemplos de clubes que vivem e se especializaram nessa estratégia. Os casos mais conhecidos são Atalanta, Udinese, Lille, Monaco, e os grandes portugueses. Contrata-se jogador desconhecido e com potencial, ele joga, se destaca e é vendido por valores cinco ou seis vezes maiores do que foi pago", pontua o economista César Grafietti, autor do relatório anual sobre as finanças dos clubes brasileiros.
Qual o teto de arrecadação do Botafogo?
A diretoria do Botafogo entende que as contratações e o bom desempenho esportivo podem catapultar outras linhas de receita, além de gerar a valorização dos jogadores do elenco. E nisso aí podem entrar bilheteria, premiação/direitos de TV, sócio torcedor e patrocínios.
Quem comanda o Botafogo hoje estima que o clube tem potencial/teto para chegar a um patamar de receitas na casa dos R$ 600/650 milhões.
O caixa do clube precisa ser alimentado ao longo do ano para custear salários e outros boletos que caem, independentemente da performance na janela de transferências.
E há fatores no futebol brasileiro que podem atrapalhar. O volume de dinheiro dos próximos três anos com TV ainda é incerto, sobretudo porque o Botafogo está no bloco da Liga Forte União. E contar com vendas futuras de jogadores é sempre um exercício de futurologia. Se o clube apostar demais nisso e não conseguir crescer em outras frentes, pode se dar mal.
Outro risco é a calibragem entre contratações e vendas. A contratação é uma dívida, líquida e certa e gera sanções caso não seja paga. A venda é uma possibilidade, que depende de diversos fatores. É preciso evitar o erro que o Chelsea comete, contratando muito e sobrecarregando a folha, para ter que negociar atletas a qualquer preço posteriormente. Cesar Grafietti, economista
O Botafogo sabe que ainda precisa fazer um trabalho melhor na formação de jogadores. Até por isso, adquiriu nomes jovens e com potencial de revenda, até que dê tempo de uma estruturação mais consistente da base. E isso puxa outra necessidade: um nível de acerto elevado na captação, graças ao trabalho dos scouts.
Por ora, série de déficits contábeis
De todo modo, nesses anos de alavancagem, o Botafogo sabe que vai operar, contabilmente, no vermelho. Em 2022, primeiro ano da chegada de Textor, o déficit do exercício (contábil) foi de R$ 248 milhões. Em 2023, R$ 101 milhões negativos.
Isso faz com que o clube tenha uma das piores gerações de caixa da Série A, segundo cálculo do relatório da consultoria Convocados, feito por Grafietti.
O resultado operacional (receitas menos despesas) foi R$ 121 milhões negativos. Depois de movimentos de caixa para lá e para cá (como a variação de dívida bancária), o repasse da Liga Forte União (R$ 100 milhões) veio para salvar e tirar do vermelho, fechando o caixa positivo em R$ 12 milhões. A cobertura do buraco vem também via aportes de capital feitos por Textor e aumento do endividamento.
Lembrando que o caixa é uma coisa e receitas/despesas com efeito contábil são outra. Um jogador adquirido precisa entrar no registro contabilmente de forma completa naquele ano. Mas o pagamento (efeito caixa) pode ser parcelado.
Ainda falta um pedaço na cadeia
Na família ideal de Textor, ainda falta uma parte para completar essa cadeia de clubes. E é justamente para o topo que ele está olhando.
"Do ponto de vista de negócio, ter uma estrutura multiclubes realmente permite potencializar esse tipo de operação. Leva-se de um lugar para outro, conforme a conveniência financeira, mas a cereja no bolo é ter um clube relevante numa liga de ponta, que permita justamente a valorização que significará o maior ganho. No caso da Eagle, Botafogo e Lyon tendem a ser clubes de passagem, e é por isso que Textor quer tanto um clube exclusivamente dele na Premier League. Brasil e França são pontos de origem. O jogadores chegam por ali e são destinados a pontos onde podem ser negociados por valores bem maiores. É a lógica do negócio, ou não faz sentido ter que gerir tantos clubes", acrescenta Grafietti.
Textor hoje está na Premier League por ser dono de 45% do Crystal Palace. Mas não tem controle sobre o clube. Logo, tenta fazer uma operação casada: se livrar desse percentual e comprar o Everton. Se der certo, é mais um ponto para dar vazão aos jogadores do Botafogo e fazer o dinheiro circular.
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