Nas salas onde as decisões dos clubes de futebol são tomadas, pouquíssimas mulheres entram. A advogada brasileira Rafaela Pimenta, 51, que vive em Mônaco, desafia essa lógica.
Rafaela agencia grandes estrelas do futebol há décadas.
Foi ela quem tirou o francês Paul Pogba do Manchester United, em 2022, rumo à Juventus.
Era ela quem estava ao lado do norueguês Erling Haaland quando ele escolheu deixar o Dortmund para jogar no Manchester City.
As estimativas apontam que a advogada tenha movimentado mais de R$ 1 bilhão em transferências nas duas últimas janelas — o mercado normalmente paga 10% de cada negociação para os agentes.
Mas sua relação com o futebol começou de forma despretensiosa, em 1998, quando era professora de direito internacional.
Rafaela foi monitora e pós-graduanda dos cursos de Direito da USP, além de ter lecionado em outras universidades da capital paulista.
À época, ela usava o esporte para atrair alunos às aulas de sua disciplina, que não era tão popular. Engajava as turmas falando sobre Lei Pelé, Fifa e transferências de jogadores.
Até que foi convidada pelo marido, também advogado, a participar da formação de um clube-empresa do interior paulista.
O escritório se chamava CSR (Futebol e Marketing), dos jogadores César Sampaio e Rivaldo.
"Quem tocava [o projeto] era uma pessoa muito bacana chamada Carlito, que estava criando o Guaratinguetá com outras pessoas. A gente constituiu, fez os estatutos, fez tudo. E eles falaram: 'A gente tem uma reunião com um investidor que está vindo [do exterior], pode ser que seja nosso parceiro, vocês não querem vir?'"
Na reunião, Rafaela conheceu o italiano Mino Raiola, um dos maiores e mais polêmicos negociadores de contratos do mundo.
A dupla construiu uma amizade sólida e dali em diante dividiu funções na agência One Sports Business Strategy, localizada em Mônaco.
Longe dos holofotes por opção
Mino Raiola era a cara da agência. Quando morreu, em 2022, Rafaela assumiu parte dos negócios. Tudo mudou a partir do momento em que a advogada se desvinculou da família Raiola e passou a tocar todas as transferências sem qualquer ajuda na empresa que montou, a Tatica.
Um mês depois, ela subiria ao palco da Globe Soccer, em Dubai, para receber o prêmio de principal transferência da temporada, pela venda de Haaland, então do Borussia Dortmund, da Alemanha, ao Manchester City, da Inglaterra. Valor pago: 60 milhões de euros.
De repente, todos os holofotes se voltaram para ela - uma atenção que a pegou de surpresa.
Agora mais acostumada aos pedidos de entrevista, tem aprendido a lidar com a notoriedade, sem renunciar à discrição.
As redes sociais comprovam quão reservada é a empresária: ela soma menos de 70 mil seguidores no Instagram. A maior parte dos registros são puramente profissionais.
"Não vou à casa do jogador tirar foto para depois mostrar para todo mundo que estou com esse jogador. Acho isso de um mau gosto infinito."
Sem papas na língua
As demandas da agência, que tem em torno de 50 atletas na cartela, acontecem muito fora do escritório, em reuniões e em viagens. "Um compromisso atrás do outro", destaca.
Rafaela sabe oito idiomas, fala firme e se impõe, mas não escapa do sexismo no futebol. Ela narra um caso antigo, em que o diretor de um clube, na frente de um jogador e seu pai, duvidou que ela "existisse mesmo".
- Sim, existo, o que você achou, que eu era um fantasma escrevendo?
- Não, achei que você era uma puta brasileira.
- Como?
- Ah, eu achei que você era só uma puta brasileira.
Em resposta, Rafaela teria dito: "Olha, eu não sou, mas mesmo que eu fosse, você teria que pagar o prêmio para o jogador, se não ele não renova, né?"
Segundo Rafaela, esse cenário mudou bastante nos últimos anos — pelo menos para ela.
"Não consigo dizer se a coisa melhorou porque o mundo melhorou, ou se melhorou porque hoje as pessoas têm mais receio de falar comigo assim."
Sem 'one man show'
O termo "procuradora esportiva" é o preferido de Rafaela para se referir à função de agenciar jogadores de futebol.
Numa função que já foi recheada de cartolas, a dinâmica moderna do negócio é algo que a encanta.
"Eu brinco que a época do 'one man show', de Mino, Jorge [Mendes] e Jonathan [Barnett], já não se sustenta mais. Hoje, o jogador de futebol espera de seu representante muito mais do que jantar, assistir ao jogo e, quando tiver uma transferência, estar lá e depois ir junto para a boate. Esse procurador não tem mais espaço."
Se antigamente a carreira de um jogador era previsível — "era praticamente impossível levar a carreira adiante até os 40 anos como atacante", hoje é possível prolongá-la, "se você realmente souber utilizar as ferramentas a seu favor".
Rafaela tem uma "lista amarela" com contatos de advogados em cada área até cirurgiões de confiança renomados da Europa. Todos eles estão a um telefonema de distância.
Não há hora marcada e nem ranking de importância para os atletas.
"É fácil você ligar para qualquer médico e falar: 'Oi, tudo bem, você quer operar o Pogba?'. Todo mundo quer operar o Pogba. Agora, se falar: 'Eu tenho um jogador no Cruzeiro de 16 anos que acabou de romper o ligamento', o médico pode muito bem falar assim: 'Entra na fila'. Eles têm milhares de coisas para fazer. Graças à nossa posição, a gente garante o acesso de todos os atletas ao mesmo nível de serviço. Isso é importante."
Todo jogador é um pouco filho
Da mesma forma que a procuradora garante atendimento premium aos clientes ela também busca ceder o nível de atenção que cada um deles demanda, sem distinção.
"As pessoas têm a impressão de que a gente passa muito tempo lidando com certos jogadores e menos com outros. Não é verdade. Posso até falar de um jeito que, no fim, é verdade: [jogador] é um pouco igual filho. Cada um precisa de você numa hora diferente, num momento diferente."
O tipo de relação que Rafaela afirma desenvolver com seus atletas faz com que ela tenha uma espécie de instinto materno. A parte humana dos jogadores está acima das cifras para a procuradora.
"Esse é um dos grandes desafios hoje do futebol: com os fundos de investimento, com o futebol 'business', com o futebol 'entertainment', [o desafio] é como manter o humano vivo. O humano tem que vir antes, porque sem o humano não tem futebol."
A mulher por trás da agência
Rafaela Pimenta possui poucos hobbies, além das viagens a Miami nas folgas.
Não só porque os dias de descanso são "praticamente inexistentes", mas porque se mesclam com o contato direto com jogadores.
"A gente aprende na faculdade de direito a ter uma distância do cliente. Eu não acredito nisso, tá? Estou lembrando do período em que um jogador partiu de férias e, nos primeiros dias, quis passar junto [comigo]. E lá fomos nós fazer um monte de coisa 'bling-bling' [estilo de vida de ostentação e luxo] que o jogador gosta. Fui com maior prazer, maior felicidade estar perto, viver momentos pessoais dele."
O momento de "felicidade absoluta" e tranquilidade para Rafaela, a mulher por trás de uma das agências mais bem-sucedidas do mercado da bola, é organizar alguma coisa — sejam gavetas, caixas, malas e afins.
"Adoro fazer tudo o que tem a ver com ordem, organização. Acho que tem a ver com o meu perfil, um modo de eu me tranquilizar."
No momento, ela também se dedica a estudar um assunto que desperta a sua curiosidade: o impacto do universo digital nas novas gerações.
"Minha grande paixão tem sido estudar isso. Me interessa entender onde é que a cabeça das próximas gerações está indo, porque essas cabeças são os meus clientes, são meus futuros clientes e são o meu público-alvo."
No fim das contas, o termo em inglês "workaholic" (viciada em trabalho, em português) sintetiza bem a personalidade de Pimenta.
Para ela, futebol é trabalho, lazer e identificação.
"Se eu não fizesse o que faço no futebol, encontraria um outro espaço. Tenho esse sonho ainda, de trabalhar em clube e ver como é, mas não dá tempo para tudo."
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