Ricardo Oliveira diz que mercado da bola o tirou da final da Libertadores
Títulos, gols, idolatria... Ricardo Oliveira passou por muitos momentos marcantes ao longo de sua longeva carreira. Mas o pastor, como também é conhecido, pode dizer que em apenas um momento sentiu um 'gosto amargo': a ausência na final da Libertadores de 2006 pelo São Paulo.
O ex-atacante ficou fora do empate em 2 a 2 naquela noite gelada de 16 de agosto no Estádio Beira-Rio, que culminou no título do Internacional. Mas Ricardo sabe quem foram os culpados para isso. Ricardo estava negociado com o Betis, da Espanha, e seu contrato se encerraria antes da decisão. Clube e atacante fizeram de tudo para que a sua presença fosse confirmada na final, o que não aconteceu.
"Esse sim (gosto amargo na carreira). Eu realmente tinha a esperança de viajar, inclusive no dia do jogo. A situação foi que a Conmebol adiou a data do segundo jogo da final da Libertadores e eu fiquei sem contrato. O meu contrato iria até a data da final da Libertadores, do segundo jogo. E aí teve esse problema. O Betis negociando com o Internacional a compra do Rafael Sobis e do Jorge Wagner, e o presidente do Inter (Fernando Carvalho) jogou o jogo, falou que iria fazer negócio, mas não era para liberar o Ricardo para jogar esse jogo e esse foi o acordo entre Betis e Inter".
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"Tentamos de todas as formas e eu intercedendo liguei para o presidente (Betis), tentei convencer ele, disse: "Cara, deixa eu te falar, eu vim para o Brasil, operei o joelho, paguei, eu arquei com esse custo, eu paguei do meu bolso, me recuperei, o São Paulo está me devolvendo 100% em condições de competir, de jogar, de entregar o meu melhor. Em forma de reconhecimento por tudo isso e gratidão, me libera para jogar esse jogo. Sabe o que ele falou pra mim? Você tem razão, pode deixar que eu vou liberar você para jogar. Então é por isso que eu acreditei até no dia do jogo que eu iria jogar. E aí quando passou o tempo e eu vi que nada, falando com o pessoal do São Paulo, esquece, não tem mais nem tempo. Palavras ao vento. Poderia ter me liberado para jogar. Aí ele falou para mim que não dava, precisava desses atletas, estava fechado e o presidente do Inter apertou".
O título ficou para o Colorado, mas seus companheiros de São Paulo na época ainda recordam da decisão: se Ricardo estivesse, a história teria sido outra para o time paulista.
"Eu queria muito ter jogado essa Libertadores, essa final, principalmente o segundo jogo. E eu falo com a galera toda que eu encontro, da minha época lá em 2006, os caras falam para mim: "Cara, se fosse você naquele jogo, com certeza a gente teria sido campeão".
O ponto final
No dia 28 de julho de 2023, o ex-atacante colocou um ponto final na sua carreira como atleta profissional. Apesar dos 43 anos, Ricardo diz que a aposentadoria chegou no momento certo e estava tranquilo da decisão, já que recebeu um ensinamento de um ex-companheiro de Milan, o lateral Cafu.
"Não foi tão difícil assim. Eu me preparei pra isso. Eu lembro que o Cafu, lá em 2006, quando eu cheguei no Milan, ele já estava nessa fase de aposentadoria, pensando em parar, me falou: "Deixa eu dar um conselho para você, garoto, não fica colocando números na cabeça, com 30 e poucos anos eu vou parar... Faz o seguinte, vai e vive intensamente essa profissão, porque no dia que chegar, você vai ter dois sinais, ou a cabeça não funciona mais, você vai acordar e vai falar assim: "O que estou fazendo? Que droga, vou ter que treinar", ou então o seu corpo vai falar assim: não aguento mais".
O último clube do atacante foi o Brasília, do Distrito Federal, em 2023. Em mais de duas décadas como atleta profissional, Ricardo Oliveira acumulou 800 jogos e marcou 390 gols. Não faltou entrega mental e física, como conta em entrevista ao Zona Mista do Hernan, do UOL Esporte.
"Chegou um momento para mim que eu já tinha decidido e eu prolonguei, eu consegui estender a minha carreira. Da minha geração, os caras que eram fora da curva, jogavam até os 33, 34 no máximo. Eu levei 10 anos para frente. Eu parei com 43 e chegou o momento que eu falei assim: "Agora chega, não quero mais isso". Fechei realmente, peguei a chave e escondi, porque eu não quero mais, eu vivi intensamente, eu falo para as pessoas o seguinte, eu extraí o máximo da minha mente e do meu corpo, tudo, entreguei tudo no campo, esgotei. Não posso falar para você que teve um momento que eu deitei, dormi, acordei e falei assim, caramba, acho que eu poderia ter feito melhor. Não, não tem, eu deixei tudo".
Pensa em ser técnico, mas...
"Seria interessante pensar. Eu fiz o executivo de futebol e eu queria conhecer um pouco mais dessa visão sistêmica da gestão. Eu falo para as pessoas, principalmente os amigos que estão migrando e que estão pensando em continuar no futebol e que querem ir para a área da gestão. Cara, estuda gestão um pouquinho para você entender. Porque a gente, no campo, está fechado, somente aquela bolha, a gente só enxerga o campo. A gestão vai ampliar a nossa visão, nós vamos entender o que é o futebol e como é difícil fazer futebol".
A possibilidade de Ricardo Oliveira voltar a trabalhar diretamente com o futebol real, mas o ex-camisa 9 tem outros planos em andamento. Ele quer capacitar ex-atletas a terem um novo mercado e estarem prontos para trabalharem como gestores e se inserirem - com experiência - novamente no mundo do futebol.
"Eu estudei, aprendi, tive o meu grupo, foi maravilhoso e aprendi bastante coisa. Só que eu estou num momento de tocar novos projetos, os meus negócios, e agora fazendo o podcast. Não sei se eu teria tempo agora para fazer o futebol, para trabalhar no futebol. Então, como eu sou um cara que gosto de dar um passo de cada vez, hoje esse meu momento é no mundo empresarial, fazendo as minhas coisas, desenvolvendo projetos, os meus cursos, que era um sonho meu quando eu estava jogando ainda e já pensando na aposentadoria".
"Estava estudando para isso, desenhando o que eu queria para o futuro e poder, através disso, também estimular os companheiros que jogam bola, os ex-atletas, porque nós temos muito para contribuir. Só que a gente também precisa se capacitar. Eu aprendi isso. Você tem uma história, mas você não se capacitou para isso, você não foi treinado para isso, porque é diferente. Eu posso falar para uma pessoa, eu sei como bater na bola, eu sei como fazer um gol, eu sei a decisão que eu tenho que tomar aqui. Mas em outra área, quando você migra, você precisa sentar com alguém e ouvir o cara que sabe fazer aquilo. Então eu me preparei para esse tempo. Mas eu não descarto essa possibilidade do futebol. Até porque, como eu falei, eu gostaria de retribuir o que o futebol me deu".
Amizade com Ronaldo Fenômeno e convite inusitado
Entre os prazeres que o futebol proporciona, Ricardo conta que criou uma grande amizade com seu ídolo, Ronaldo Fenômeno. Ambos atuaram juntos no Milan em 2006/07 e levaram o companheirismo para a vida.
Tanta foi a parceria que rendeu duas grandes oportunidades para a vida do pastor: que Ronaldo escrevesse o prefácio de seu livro 'Do Carandiru ao Palácio' e um convite para que Ricardo Oliveira atuasse no Real Valladolid, clube que tinha o Fenômeno como dono na Espanha.
"Ela (amizade) transcendeu o campo. O Ronaldo não foi só para mim um espelho, um grande ídolo pelo que ele fez dentro do campo. De fato, eu sempre deixei isso muito claro. Para mim, também, é um grande exemplo como empresário, um homem de negócio. E isso eu também procuro modelar, eu acho que é um dos caras que realmente rompeu a barreira não só do campo, de ser o fenômeno do campo, mas um gestor, um cara que realmente triplicou, quadruplicou o seu patrimônio. Com meus 38 anos, ele queria me levar lá para o Real Valladolid, quando eu cheguei no Atlético Mineiro, pelo que eu estava fazendo no Galo. Foi bem legal, ele tinha acabado de pegar o time. Uma pena que não deu certo essa negociação, porque ele tinha acabado de chegar, estava bem para caramba. Mas é um cara que eu tenho muito carinho e respeito pela história dele".
Camisa 9 em escassez no futebol brasileiro?
'Perdemos a nossa identidade'. É assim que Ricardo Oliveira analisa a escassez de camisas 9 no futebol brasileiro. Antes conhecidos por criar e exportar grandes centroavantes para o futebol mundial, o Brasil encontra dificuldade para achar um homem de referência para seu ataque e 'bate cabeça' no seu setor ofensivo.
Ricardo vê uma inversão de papéis: o futebol brasileiro querendo copiar as características europeias, algo que não é bem visto pelo ex-centroavante que brilhou por São Paulo, Santos, Milan e Betis.
"Para mim, eu acho que nós perdemos a nossa identidade, nossas características. Eu ouvi o Pep Guardiola alguns anos atrás, sempre ele, falando assim, olha, vocês me perguntam sobre o meu jogo, mas quando eu olhava o Brasil jogando eu fui lá modelar. Eu gostava de ter a bola. Eu via como o brasileiro valorizava isso, como improvisava isso. Então ele estava falando assim, eu fui copiar no Brasil e peguei algumas coisas e tentei aplicar. Só que ele ditou uma moda, cara. Ele ditou uma moda, um estilo de jogo".
"Agora nós queremos copiar o jogo do europeu e aplicar nas nossas características. Ou seja, na verdade, perdemos nossas características como o país do futebol, o país que era o modelo para o mundo. Aí a gente pega, vai lá, traz para cá e pega um cara em potencial e fala assim, não, você não precisa fazer só isso daqui, você pode fazer mais coisas. Aí eu preciso olhar para a minha formação e falar assim, cara, por que não conseguimos mais formar bons centroavantes? Onde é que está o problema? Vamos encontrar o problema. Você acha que falta capacidade para isso? Não, eu não acho que falta capacidade. Eu acho que a gente continua formando, mas eu acho que falta a gente recuperar o que sempre foi a nossa essência. Centroavante, tem que fazer gol".
O Zona Mista do Hernan, apresentado pelo colunista do UOL André Hernan, vai ao ar às segundas-feiras, às 12h, no canal do UOL Esporte no YouTube.