Medo de motorista fez torcida do Botafogo cruzar fronteira com Uruguai a pé

Imagine viajar de ônibus por dois dias rumo ao Uruguai, passar 44 horas dentro do veículo e, ao chegar na fronteira, o motorista avisa que não irá atravessá-la por medo de violência da torcida do Peñarol? Esse foi apenas um dos muitos perrengues enfrentados pela torcida organizada "Fogoró", que impulsionada pelo sonho de ver o Botafogo classificado pela primeira vez à final da Libertadores, não pensou duas vezes em atravessar para o país vizinho a pé.

Ônibus ficou no Chuí

Momento em que Fogoró chega à rodoviária de Chuy para seguir percurso até Montevidéu
Momento em que Fogoró chega à rodoviária de Chuy para seguir percurso até Montevidéu Imagem: Arquivo pessoal

O motorista temeu pelo pior em função do clima extremamente tenso criado para o jogo da volta entre Botafogo e Peñarol. Na ida, a praia do Recreio (RJ) virou uma praça de guerra que culminou em 21 uruguaios presos e um ônibus incendiado.

Ficou estabelecido, em comum acordo, que o desembarque aconteceria na cidade de Chuí (RS), no extremo sul do Brasil, apesar da desconfiança do piloto de que isto não seria bem aceito pelos torcedores quando chegassem ao local.

O responsável da empresa estava muito preocupado com os episódios de violência. E aí, no domingo, ele resolveu avisar que não iria atravessar o ônibus para o Uruguai. Falei, então, que ficaríamos no Chuí. E aí ele achou que a gente não ia manter isso. Só que na segunda-feira (dia da saída) não sabíamos nem se ia ter jogo, nem se ia ter torcida visitante. Mas enfim, mantivemos a nossa palavra. Falei para ele: 'pode ficar tranquilo que a gente só vai até o Chuí'
Rodrigo Mancha, presidente da Fogoró

A notícia de que a torcida visitante havia sido liberada só saiu quando a Fogoró já estava no Rio Grande do Sul. Além da permissão aos alvinegros, o jogo mudou do estádio Campeón del Siglo para o Centenário.

A certeza de que poderiam assistir à partida in loco motivou os botafoguenses. Porém, o que ainda não estava certo era como eles até a fronteira e, de lá, para a cidade do jogo.

Não conseguíamos outra empresa para alugar do Chuí até Montevidéu (URU). Além disso, você não pode atravessar a fronteira de ônibus sem uma autorização. E aí passamos por todos os perrengues do mundo. A distância eram dois quilômetros. Então tivemos que ir até à alfândega, por dois quilômetros, a pé
Rodrigo Mancha, presidente da Fogoró

Sequência foi com ônibus comum e carona da polícia

Torcedor do Peñarol dentro de ônibus comum que Fogoró precisou pegar para seguir viagem
Torcedor do Peñarol dentro de ônibus comum que Fogoró precisou pegar para seguir viagem Imagem: Arquivo pessoal
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Após caminhar por 2km, os alvinegros finalmente chegaram na alfândega e tiveram seus passaportes carimbados. Na sequência, partiram para a rodoviária de Chuy — cidade do lado uruguaio da fronteira — em busca de ônibus comuns.

Como estavam em 68 pessoas, não havia como colocar todas num coletivo só. Entre homens e mulheres, todos foram divididos em quatro linhas diferentes.

No caminho alguns torcedores do Peñarol embarcaram, aumentando a tensão. Os integrantes da Fogoró perceberam que eles tiravam fotos discretamente e mexiam no celular. Porém, apesar da preocupação, nada ocorreu.

Em seguida, foi a vez de correr contra o tempo. Da rodoviária uruguaia até o estádio Centenário eram mais cinco horas de viagem. Naquele momento, o relógio marcava 12h45 e o jogo era às 21h30 no horário local.

Foi então que o inesperado aconteceu. A polícia uruguaia os recebeu na rodoviária de Montevidéu e lhes deu carona até o estádio.

"Por incrível que pareça, o ponto positivo disso tudo foi a polícia. A polícia de lá tratou a gente super bem, o esquema de segurança funcionou, nos recebeu na rodoviária, botou a gente dentro do ônibus da polícia e nos levou até o estádio", detalha Rodrigo Mancha.

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O Botafogo perdeu por 3 a 1, mas se classificou e garantiu vaga inédita na final. Porém, como nem tudo são flores, faltava resolver as cinco horas de retorno até o Chuí.

A polícia, inicialmente, sugeriu uma propina de alto valor. No entanto, para surpresa de todos novamente, as autoridades resolveram levá-los de volta "no amor".

Nos cobraram US$ 5 mil (cerca de R$ 28 mil) para nos levar de volta ao Chuí. E aí o chefe da segurança do estádio me procurou e falou assim: 'a polícia vai levar vocês de volta para o Chuí'. Achei maravilhoso, né? Teríamos segurança, economizaríamos dinheiro... Graças a Deus passamos para a final e, no final do jogo, eles cumpriram com o que prometeram, nos levaram por cinco horas de ônibus até o Chuí. Foi desconfortável porque só tinha um ônibus, mas a galera foi revezando até chegar ao Chuí
Rodrigo Mancha, presidente da Fogoró

Ônibus que ficou no Chuí foi apedrejado

Para-brisa de ônibus da Fogoró foi apedrejado por torcedores do Peñarol na fronteira
Para-brisa de ônibus da Fogoró foi apedrejado por torcedores do Peñarol na fronteira Imagem: Arquivo pessoal

Mas e o motorista que ficou no Chuí com medo? Pois bem, ele bem que tentou fazer com que o ônibus saísse ileso, mas não foi possível. Torcedores do Peñarol descobriram que o veículo havia sido alugado por botafoguenses e conseguiram apedrejar o para-brisas. O vandalismo fez com que os alvinegros levassem mais algumas horas para retornar ao Rio de Janeiro.

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Nosso ônibus era super confortável, e aí quando deu aquela sensação de alívio por cruzar a fronteira para o Brasil, vimos que o ônibus estava apedrejado quando ele veio nos buscar na rodoviária. Ele foi apedrejado estacionado no Chuí. Então tivemos que pegar esse ônibus apedrejado e ir numa empresa parceira no Rio Grande do Sul para trocar o para-brisa. Depois, finalmente, conseguimos ir embora para o Rio de Janeiro. Chegamos aqui às 23h de sexta-feira depois de sairmos na segunda-feira por volta de meia-noite. Foram 95 horas, mas valeu a pena. Para Argentina vamos de novo e é mais longe. Pelo Botafogo vale tudo! Pela glória eterna!
Rodrigo Mancha, presidente da Fogoró

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