Em um espaço de uma semana, Cruzeiro e Botafogo podem garantir ao Brasil a soberania na América do Sul em 2024 com os títulos da Sul-Americana e da Libertadores, respectivamente.
As taças, além de conquistas inéditas para ambos, podem significar ainda mais: o ponto alto de um renascimento.
As quedas
O drama do Cruzeiro na Série B começou mais cedo. A queda na última rodada do Brasileirão de 2019 não era algo esperado em um elenco que contava com nomes como Fábio, Dedé, Fabrício Bruno, Thiago Neves e Fred. Ela, no entanto, foi inevitável em meio ao clima político tenso pelas denúncias contra o presidente Wagner Pires de Sá por falsidade ideológica, apropriação indébita e formação de organização criminosa. Ele renunciou ao cargo no final do ano.
Já o Botafogo foi o primeiro time rebaixado no Brasileiro de 2020, que terminou somente em 2021 devido à paralisação ocasionada pela pandemia da covid-19. Apesar de ter começado com a midiática contratação do japonês Honda e ter tido ainda a chegada do marfinense Kalou, o ano foi de bastidores conturbados. Foram cinco técnicos, 25 reforços e falhas no planejamento que levaram a um fim melancólico na principal competição nacional.
Classificação e jogos
Em dezembro de 2020, ainda com o Brasileiro em curso, Durcesio Mello foi eleito presidente para um mandato de quatro anos — e que está próximo do fim. No Alvinegro, não há reeleição. Escolhido das urnas, ele assumiu o clube com duas missões: tentar salvar o time do rebaixamento, o que acabou não acontecendo, e sanar a grave crise financeira, avançando com o projeto de transformação do departamento de futebol em S/A, plano que havia sido traçado ainda em 2019, mas que não tinha sido concretizado.
Enquanto o Botafogo caía, o Cruzeiro lutava para ficar na Série B. Afundado em dívidas que passavam de R$ 1 bilhão, o time mineiro chegou a ficar no Z4 da segunda divisão e só conseguiu se livrar da queda para a Série C nas rodadas finais, terminando no 11° lugar.
A Série B de 2021 terminou melhor para o Botafogo do que para o Cruzeiro. Em novembro de 2021, o Glorioso venceu o Operário-PR, de virada, e assegurou o retorno à Série A do Brasileiro. Dias depois, em triunfo sobre o Brasil de Pelotas, se sagraria o campeão.
Enquanto o Botafogo subia, o Cruzeiro permanecia. Em mais uma temporada abaixo do esperado, o time mineiro, de novo, terminou a Série B lutando contra o Z4 e fechou a competição na 14ª colocação. O ano também teve vexame na Copa do Brasil com a eliminação para a Juazeirense.
O começo das SAF's
As Sociedades Anônimas do Futebol (SAF's) chegaram quase que ao mesmo tempo nos dois clubes. Ronaldo Fenômeno e John Textor acertaram as compras de Cruzeiro e Botafogo, respectivamente, em dezembro de 2021, mas só assinaram em abril de 2022. Eles adquiriram 90% das ações dos clubes e prometeram investir até R$ 400 milhões — em três anos no time carioca e em cinco anos no mineiro.
A reconstrução passou a dar resultado no Cruzeiro. Sob o comando do técnico Paulo Pezzolano e com 32 contratações, sem nenhuma grande estrela, a equipe mineira garantiu a volta à Série A com sete rodadas de antecedência e se sagrou campeã da Série B 2022.
Enquanto isso, uma das primeiras contratações de maior impacto da SAF do Botafogo foi a do volante Patrick de Paula. A negociação envolveu 6 milhões de euros, cerca de R$ 33,8 milhões na cotação da época, por 50% dos direitos do jogador, que se tornou a contratação mais cara da história do Alvinegro naquele momento. Outros nomes como Lucas Perri, Adryelson, Eduardo e Tiquinho Soares chegaram depois.
A temporada do Botafogo em seu primeiro ano de SAF e de volta à Série A foi mais modesta. Terminou com um 11° lugar na tabela.
Reencontro na Série A e lutas opostas
Depois de uma primeira temporada de reestruturação do elenco e com time-base formado, a SAF do Botafogo foi ao mercado de forma mais contida na primeira janela de 2023 para preencher lacunas. Chegaram Marlon Freitas e Júnior Santos, em definitivo, por exemplo. No segundo período de contratações, o Glorioso olhou jovens que pudessem render frutos no futuro. Foi o caso do trio uruguaio formado por Diego Hernández, Mateo Ponte e Valentín Adamo — custaram, somados, R$ 23,5 milhões, mas pouco atuaram.
O ano foi da euforia à decepção. A equipe alvinegra liderou com folga o Brasileiro, mas viu a vantagem na tabela ruir e o Palmeiras levantar a taça. Fora do G4, restou a vaga na fase preliminar da Libertadores.
O Cruzeiro, por outro lado, brigou na parte inferior da tabela. Após nova reformulação, com 26 contratações, entre elas William, Marlon e Matheus Pereira, o time mineiro lutou até o fim do campeonato para não cair de novo e terminou na 14ª colocação, conseguindo a vaga na Sul-Americana que agora está na final.
Sonhando com a América juntos
O começo de 2024 foi melancólico para ambos. O Botafogo teve de se consolar apenas com o título da Taça Rio, enquanto o Cruzeiro ficou com o vice do Campeonato Mineiro para o Atlético-MG.
O Cruzeiro, então, mudou de dono. Ronaldo vendeu suas ações para Pedro Lourenço em abril por cerca de R$ 600 milhões. O cenário começou a mudar. O novo dono da SAF investiu mais de R$ 200 milhões em nomes de peso, como Matheus Henrique, Kaio Jorge e Walace, compras mais caras da história do clube, custando R$ 48,7 milhões, R$ 41,3 milhões e R$ 35,3 milhões, respectivamente.
O reflexo foi sentido em campo. O time mineiro é o atual sétimo colocado do Brasileirão e está na final da Sul-Americana, contra o Racing. A final será disputada neste sábado (23), em Assunção, e pode dar ao Cruzeiro um troféu inédito em sua história caso a equipe vença a decisão.
A terceira temporada do Botafogo como uma SAF tem novo bom desempenho no Brasileiro — é o líder até aqui —, e classificação à final da Libertadores, feito inédito na história do clube. Nesta caminhada, o clube fez contratações que se tornaram importantes e de peso no mercado da bola, como o meia argentino Almada e os atacantes Luiz Henrique e Igor Jesus, que vêm representando as respectivas seleções.
A transação que envolveu Luiz Henrique, concretizada em fevereiro, inclusive, pode alcançar 20 milhões de euros (R$ 106,6 milhões). Ele "roubou" o posto de Patrick de Paula e se tornou a contratação mais cara do Botafogo, pouco menos de dois anos depois do antecessor.
O Cruzeiro e o Botafogo estão colhendo os frutos da coragem e do pioneirismo, sem dúvida. O Cruzeiro até já viveu uma transferência de controle, o que é bastante natural no mundo das sociedades anônimas. O Botafogo vê, claramente, um investidor de vários clubes pelo mundo que cada vez mais está aumentando a importância do investimento em seu clube brasileiro. Tudo isso é positivo. José Francisco Manssur, advogado sócio da CSMV Advogados
Balanço final
Botafogo
Da Série B até aqui, foram seis técnico efetivos, sendo quatro na Era SAF. A disputa da segunda divisão começou com Marcelo Chamusca e terminou com Enderson Moreira. Já com Textor, o time teve à beira do campo os portugueses Luís Castro e Bruno Lage, Tiago Nunes e o também português Artur Jorge. Neste período houve ainda nomes interinos, como Ricardo Resende, Lúcio Flávio, Cláudio Caçapa e Fábio Matias.
Ao todo, na Era SAF, entre empréstimos e compras, passaram pelo Glorioso mais de 50 jogadores e um investimento que gira em torno de R$ 374 milhões, em cifras que não levam em consideração luvas e comissões.
Cruzeiro
O Cruzeiro teve 14 técnicos entre o início da Série B e a final da Sul-Americana, sendo seis deles na Era SAF. Adilson Batista, Enderson Moreira, Belletti, Ney Franco, Felipão, Felipe Conceição, Mozart e Luxemburgo comandaram o clube na segunda divisão antes da SAF. Já com Ronaldo, Pezzolano comandou o time na volta à elite. Pepa, Zé Ricardo e Larcamón treinaram o time na Série A até a venda para Pedro Lourenço. Fernando Seabra e Fernando Diniz ocuparam o cargo posteriormente. Célio Lúcio e Paulo Autuori chegaram a treinar o time como interinos.
Ao todo, o Cruzeiro contratou mais de 70 jogadores durante o período como SAF e gastou mais de R$ 413 milhões levando em consideração apenas o valor pago aos clubes dos quais o Cruzeiro comprou os atletas.