Após dois anos de estudo, advogados têm proposta para 'salvar o futebol'
Resgatar, estabilizar e desenvolver o futebol no Brasil. Visando a manutenção do "maior bem cultural" do povo brasileiro, os advogados Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco C. Manssur passaram os últimos dois anos envoltos em pesquisas e reflexões, a fim de identificar os principais problemas do esporte no País. Mas ao contrário da maioria das análises, os especialistas também buscaram propor soluções através de mudanças na estrutura, governo e financiamento do esporte. O resultado deste trabalho foi convertido no livro Futebol, Mercado e Estado, que será lançado nesta segunda-feira, a partir das 18h (de Brasília), na Livraria da Vila, no Jardim Paulista.
- O futebol é o grande bem cultural do Brasil. Apesar da grande receptividade do torcedor, ele nunca foi concebido e estimulado como um bem cultural, e mais importante, econômico. A consequência é que a modalidade, que poderia ser instrumento de desenvolvimento socioeconômico, acaba sendo um fardo para o Estado, que precisa subsidiá-la - explicou Castro ao LANCE!.
O projeto apresenta elementos para a formação de um "mercado do futebol", que alia a importância da preservação cultural com métodos de captação de recursos para o desenvolvimento do esporte. Castro e Manssur tentaram criar e adaptar soluções que coubessem na realidade brasileira.
- Será uma mistura de instrumentos que existem lá fora e outros que foram criados por nós. A gente não apresenta só o problema, apresenta soluções, instrumentos regulatórios para estes soluções. A gente quer estruturar o mercado. No livro há muitos pontos teóricos e números para justificar os problemas, mas também trazemos respostas - acrescentou o advogado, especializado em fusões e mercado de capital.
O objetivo da dupla é propor alternativas para "salvar o futebol", levando à esfera pública a ideia de que a modalidade deve ser "compreendida e estimulada como bem cultural, pois é um elemento de integração nacional, e "explorada como uma grande atividade econômica", tendo em vista os grandes investimentos realizados na área.
- Enquanto não abrirmos a cabeça para um debate efetivo, e não corporativista, das questões relacionadas ao futebol, elas continuarão a ser tratadas tendo em vista a preservação de interesses de certos grupos. O futebol vai continuar ladeira abaixo, e o 7 a 1 deixa de ser um acaso e passa a ser realidade - completou Castro.
Confira a síntese das principais soluções propostas pelo livro:
Criação de Sociedades Anônimas Futebolísticas (SAF)
A proposta dos advogados é a criação de uma Sociedade Anônima Futebolística (SAF) composta inicialmente pelos clubes, que passariam a ter 100% das ações e do controle. Ao criar a SAF, contudo, o clube se sujeitará a um regramento jurídico que o obrigará a ser transparente, ter governança e a conduta administrativa que a lei impõe, além de proteger o futebol de possíveis capitais não desejados. Os novos donos só poderão ser brasileiros, pessoas físicas ou pessoas jurídicas constituídas de acordo com as leis brasileiras. Estrangeiros não serão permitidos. Quem comprar ações por intermédio de pessoas jurídicas deverá fazê-lo em nome de "pessoa física controladora" para que sempre seja claro quem está em cada nível de participação. Para proteger os investidores e para que a administração seja profissional, a SAF não poderá ter diretores que também sejam diretores do clube, e metade do conselho administrativo não poderá ter vínculo com o clube. Haverá um conselho fiscal e auditoria, realizada por uma empresa registrada no mercado.
Acesso das SAFs ao mercado de capitais através da CVM
O CVM, órgão regulador do mercado financeiro conhecido como "xerife do mercado", criará um mercado de acesso, ou seja, baixará uma regulação para permitir que estas SAFs possam acessar o mercado de capitais. Para isso, vai criar instrumentos para que as SAfs financiem suas ações. "Por exemplo, uma pessoa que tem dinheiro para investir, atualmente, não consegue mais do que 9% ao ano nos bancos normais", explicou Castro. "Por outro lado, os clubes hoje não tem acesso a um banco porque estão em situação calamitosa. Se pudesse, as taxas seriam altíssimas, de 22 ou 23%. Existe um intervalo muito grande em que o investidor ganha pouco, o clube paga muito e o dinheiro fica nos intermédios. O CVM criará instrumentos de financiamento", acrescentou. Ou seja, quem comprar títulos dos clubes poderá ter um valor fixo mais a variação da renda do estádio ou percentual na negociação de jogadores que forem trazidos com recursos captados, por exemplo. O torcedor tem renda fixa e não corre riscos, enquanto o clube passa a captar dinheiro de modo mais eficiente. E se for bem e conseguir êxito dentro dos recursos captados, vai atrair ainda mais investidores. "É necessário criar acesso ao mercado de capitais e regular instrumentos para a captação de recursos", afirmou o advogado.
Criação de um segmento de futebol na Bovespa
A ideia é que a Bovespa, maior bolsa de valores da América Latina, crie um segmento especial de listagem, denomiado BovespaFut, que irá listar todos os papéis das SAFs. Em contrapartida, esses órgãos se submeteriam a um nível maior de governança. Para isso, é necessário haver mercado.
Novo direito fiscal do futebol
Castro e Manssur também sugerem a criação de um novo direito fiscal do futebol, que não poderá mais ser tratado como uma sub-atividade, que não paga impostos, fica sempre devendo ao governo e, de tempos em tempos, tem as dívidas perdoadas. "É uma atividade que movimenta milhões, mas não sabe se organizar profissionalmente. O instrumento de salvamento do futebol é a política tributária. Esses subsídios têm que acabar de uma vez por todas", explanou Castro. Assim, o governo deverá oferecer um marco regulatório para que as SAFs se adaptem à nova realidade. As sociedades devem incentivar e incrementar suas atividades para novos mercados, negócios, produtos, jogadores e na formação de atletas. Com isso, aumentará sua arrecadação. O novo direito fiscal reconhecerá a importância do futebol para a economia e cultura, colocará fim nessa lógica de perdão de dívidas e isenções e irá propor um direito tributário moderno que permita às SAfs honrar suas obrigações e, assim, aumentar a arrecadação do Estado. "É uma situação de ganha-ganha. Todo mundo sai mais rico", avaliou.
Desmutualização da CBF
A ideia é transformar a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em uma Sociedade Anônima Futebolística (SAF). Em primeira instância, os clubes e federações serão os acionistas, de acordo com alguns critérios como títulos, torcida e importância. No momento seguinte, os acionistas abrirão o capital da CBF, de modo que passará a ser uma companhia com ações negociadas em bolsa e que se sujeitarão a um rigoroso sistema de governança e transparência na gestão de suas atividades. Os clubes e federações poderão negociá-las para aumentar suas rendas, e os adquirentes poderão ter no máximo 5% das ações, para que não fiquem concentradas nas mãos de poucos. Isso irá gerar riqueza porque a CBF é um produto e uma atividade que gera muito dinheiro e pode valer bilhões. Isso fará com que clubes com necessidade de caixa passem por esse período podendo vender ações e arrecadando dinheiro para pagar suas dívidas e desenvolver suas atividades. A CBF como capital aberto seria controlada por essa legislação, e também por normas que irão impor controle, ainda mais por tratar-se de uma atividade de interesse público.
Convênios para fortalecer formação de atletas
Os advogados recomendam a criação de convênios entre SAFs e escolas públicas de comunidades menos favorecidas, na qual a entidade se comprometa a reformar quadra, construir campos, oferecer aulas de futebol para meninos e meninas. A ideia é que essas aulas sejam geridas por atletas aposentados, o que criaria mercado para ex-jogadores. Só poderão participar crianças que tenham assiduidade nas aulas e boas notas, seguindo os critérios do MEC. Isso estimulará a permanência nas aulas, a evolução e o desenvolvimento do jogo dos pequenos brasileiros e criará uma "estrutura social" para o esporte. As empresas que investirem no projeto receberão benefícios tributários. Segundo Castro, o problema da exportação de jogadores nacionais é que o Brasil não é capaz de suprir essas saídas, o que remonta à exploração do período colonial.
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