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De viagens de ambulância ao Corinthians: a emocionante história de Pedrinho

Pedrinho ao lado de Fábio Carille durante treino do Corinthians - Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians
Pedrinho ao lado de Fábio Carille durante treino do Corinthians Imagem: Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians

29/09/2017 06h30

"Já deixei o canela seca em casa, seu Pedro"!

A frase hoje é só uma lembrança distante, mas há alguns anos era motivo de alívio na rotina de Pedro da Silva. Funcionário humilde de um hospital público na cidade de Maceió, o senhor de 56 anos sempre fez de tudo para dar uma vida melhor aos filhos. Ou, como ele diz, "queria que eles fossem mais do que eu". Em meio às lutas diárias não era incomum que faltasse dinheiro para "luxos". Como, por exemplo, o transporte do filho rumo aos treinos de futebol que manteriam vivo o sonho de ser um jogador profissional. Quando a grana do ônibus encurtava era preciso buscar soluções... emergenciais.

"Eu não tive estudo para arrumar um emprego bom e ganhar um bom dinheiro, mal terminei o primário, sempre tive dificuldades. Mas trabalhei duro, ganhei meu salário e mantive minha família. Para o Pedrinho comprando chuteira, lanche... Dei tudo o que eu pude. Às vezes ele pegava até carona de ambulância para ir para os treinos, porque o dinheiro da passagem eu não tinha e nem quem levasse. Foi muito difícil, mas Deus abençoou. Às vezes eu pedia para o motorista das ambulâncias, eles faziam esse favor e respondiam: 'deixei o canela seca em casa já' (risos)", diverte-se Seu Pedro, em longa e sincera entrevista concedida ao LANCE! ao lado de seu filho, Pedrinho.

O moleque que ia aos treinos na ambulância em que o pai trabalhava como maqueiro, acolhendo e cuidando dos pacientes, hoje joga no Corinthians. Aos 19 anos, Pedrinho é uma das maiores apostas das categorias de base do clube nos últimos tempos. Ele foi o melhor jogador da Copa São Paulo de Juniores em janeiro e como profissional já soma 16 jogos, sendo três como titular, e um gol marcado. Pouco mais de um mês após uma cirurgia de retirada de amígdalas, o camisa 38 de Fábio Carille deve voltar à equipe neste domingo, contra o Cruzeiro. Olha no que deu a carona de ambulância em Alagoas...

O início no Nordeste

Natural do interior de Alagoas, Pedro tentou ser jogador de futebol, mas a geografia e as finanças não ajudaram. Quando formou família, ele transferiu ao filho mais velho, também chamado Pedro, o seu grande sonho. Aos sete anos, Pedrinho já estava no CSA-AL, mas pouca gente além do pai acreditava que ele daria certo e triunfaria na carreira. O motivo? Aquele que até hoje gera desconfianças.

"As dificuldades começaram em Maceió. Ele jogava muito bem, mas era muito magrinho e o pessoal desacreditava. Era difícil, mesmo com talento. Diziam que ele seria um bom peladeiro e eu duvidada. Sabia que ele chegaria em um time grande. Foi então que ele conheceu o empresário dele, que o levou para o Vitória, onde ele foi campeão estadual. Mas depois ele foi para casa de férias e um dia antes de voltar estávamos almoçando e uma ligação disse que ele tinha sido dispensado. Meu primeiro medo foi saber se ele tinha pego alguma coisa do clube, porque ele estava em alta lá, indo bem. A gente tinha medo de algo errado, não fazia sentido ser dispensado. Aí esperamos o momento. Doeu muito, começamos a nos aperrear, pensar se daria certo... Mas sempre incentivamos", conta Seu Pedro, que viu na dispensa do Vitória a primeira grande tristeza da trajetória de seu filho.

Mas longe de ser a única.

De Tricolor a Alvinegro

Pedrinho deixou o Vitória em fevereiro de 2013 e no mês seguinte sofreu uma lesão na virilha. Mesmo em recuperação, foi levado pelo empresário Will Dantas para testes no São Paulo em maio. Ficou uma semana no Centro de Formação de Cotia e no fim a avaliação foi de que ele estava no mesmo nível dos jogadores de sua idade. Mas que prefeririam mantê-los em vez de trazer outros. Foi aí que o mundo desmoronou. E o próprio Pedrinho admite.

"Na vida a gente não vive só de 'sim'. Tem que escutar os 'nãos' e estar preparado. O meu primeiro foi muito difícil, porque acreditava que daria certo. Mas conversando com todo mundo, ouvindo que Deus fechou uma porta para abrir um futuro melhor eu coloquei a cabeça no lugar. Pude superar tudo isso. Minha fase mais difícil foi a dispensa do Vitória. Depois fui dispensado do São Paulo e ainda abri a virilha. Eu achava que seria o pior ano da minha vida, porque foi tudo em quatro ou cinco meses. Muitas vezes pensei em desistir de tudo. Quando saí do São Paulo eu liguei para o meu empresário e disse que aquilo não era para mim, porque era muita dor e muita angústia, não daria certo. Eles conversaram comigo, pediram para eu ficar e lutar pela nossa família, o que me deu forças para continuar".

Após a dispensa do São Paulo a ideia era levar Pedrinho para um clube menor do Estado onde ele pudesse pegar corpo e experiência. Pensaram em São Caetano, Portuguesa, mas acabou aparecendo um teste no Corinthians e eles encararam. Por pouco não houve uma nova frustração. Mas a verdade é que havia chegado a hora de a estrela de Pedrinho brilhar. E no time do coração.

"Foi uma semana de testes, sendo que no terceiro dia teve um jogo-treino contra o Vitória. Foram três times, sendo que nenhum dos três eu entrei. O primeiro era titular, o segundo reserva e o terceiro de testes, eram justamente 11 meninos. Ele colocou os dez de linha e eu fiquei fora. Só eu. Aí fiquei pensando tudo aquilo de ser dispensado de novo... Faltando cinco minutos o técnico me colocou e eu meio com raiva peguei a primeira bola no meio-campo e dei na gaveta. Aí começou tudo".

Na base, trajetória completa

Pedrinho foi campeão mundial sub-17 pelo Corinthians, vice-campeão da Copa São Paulo de Juniores de 2016 e enfim campeão do maior torneio de base do país neste ano, quando ainda foi eleito o craque do torneio. No futebol brasileiro, a trajetória formativa foi impecável. A família, com Seu Pedro, Dona Luciana e a irmã Luana, esteve no Pacaembu para a final deste ano. Mas foi na hora de voltar para casa o momento de maior emoção, como lembra o pai.

"Estávamos todos no carro, saindo de casa para ir para o aeroporto, onde a gente viajaria para Maceió. Aí tocou o telefone e era o Corinthians dizendo que ele tinha subido para o profissional. A felicidade para a família foi impressionante, é uma notícia boa para todo mundo. Tinha momento que eu chorava muito de saudade e tristeza, hoje choro de alegria, de ver os lances dele, de ver as matérias na televisão, ler nos sites. Minhas lágrimas hoje são de alegria. Agora teve gol no profissional, outra alegria. Cada jogada, quando falam o nome dele, já fico tremendo", conta Seu Pedro, que viajou com o resto da família à espera de Pedrinho, que se apresentou ao Timão e logo depois ganhou cinco dias de folga para viajar a Maceió, onde a família tinha alugado uma casa de praia para curtir o título da Copa São Paulo. Era só o começo.

Primeiro gol como profissional

Em 26 de julho, pela segunda fase da Copa Sul-Americana, Pedrinho foi o autor de um dos gols da vitória do Corinthians por 2 a 0 contra o Patriotas (COL). Foi o primeiro gol como profissional do jovem meia-atacante poucos meses após a promoção ao elenco profissional. Em Alagoas, rendeu até churrasco.

"Logo que ele fez o gol já coloquei uma carninha para assar para comemorar. A gente pulou dentro de casa, felizes da vida. Não tanto pelo gol, mas pelo momento, de ver que ele não se aperreou, de ver que ele sabia que os momentos bons vão e vêm. Hoje a imprensa coloca ele para cima, mas qualquer m... que fizer vai ser o contrário. Até peço desculpa pela palavra", conta Seu Pedro, que se orgulha de ter visto todos os jogos do filho pelo Corinthians. Inclusive quando está em horário de serviço.

"Invento uma mentirinha, digo que preciso fazer um pagamento, qualquer coisa... e depois dos jogos ainda vejo os comentários, se ele passa naquela zona mista para dar entrevista... aí vou dormir 2h".

Comemoração na lanchonete

Sem a família em casa, Pedrinho comemorou o primeiro gol pelo Corinthians de uma maneira modesta, ao lado de amigos e do empresário. A caminho de casa, ele parou em uma lanchonete na região da Zona Leste e se satisfez com um lanche e um refrigerante. No dia seguinte ele foi provocado pelo zagueiro Pedro Henrique por não ter comemorado em um lugar mais elegante. Tempos depois, a repercussão do assunto ainda assusta. Mas saiba: o comportamento tem tudo a ver com a criação do Seu Pedro.

"Fiquei até meio surpreso com a repercussão, porque é normal, eu como sempre ali, independente de fazer gol ou não é caminho de casa. No outro dia quando acordei e vi a repercussão fiquei surpreso. Muitas pessoas falaram que eu poderia ir em um lugar melhor, mas não me importo muito com isso. Quando saía dos jogos em Maceió ia comer coxinha, essas coisas simples. Não posso achar que preciso ir sempre nos melhores lugares, não pode subir à cabeça. Para mim é o que menos importa. O que importa é estar com as pessoas que eu gosto. Graças a Deus meu pai sempre trabalhou para cuidar de dois filhos e independente do salário que ele ganhava nunca deixou faltar comida em casa. Sei que às vezes ele deixava de fazer coisas por ele, mas comida nunca faltou. Nunca passei fome. O importante é comer e não reclamar do alimento", reflete o jovem jogador do Corinthians, orgulho do pai.

"Ele veio de um bairro humilde e sempre fala de onde saiu. A gente é humilde e será sempre, porque dinheiro e fama não trazem nada se você não tratar as pessoas como elas merecem. É preciso valorizar as pessoas".

Enquanto isso, em Maceió

Enquanto Pedrinho dá os primeiros passos na vida na capital paulista, Seu Pedro segue morando em Maceió e sem mudar nada na rotina diária. O filho costuma ajudar apenas com coisas mais caras, como médicos e exame, mas o restante das contas está em dia graças ao trabalho do pai como maqueiro de hospital público. Com orgulho!

"Os pacientes quando chegam com dores eu pego a cadeira, amarro e levo até a sala do médico. Sou muito dedicado no meu serviço e quero trabalhar sempre, porque ajuda as pessoas que estão precisando de socorro. Hoje estou sentindo uns problemas na coluna, mas continuo fazendo serviço, não suporto ver as pessoas sofrendo", diz o pai, que dá ainda mais orgulho ao filho.

"As pessoas sempre perguntam porque ele ainda está trabalhando. Mas ele está fazendo um favor às pessoas, ajudando. Ele tem orgulho de fazer e eu aprendi com ele de sempre ajudar e sempre me comprometer. Qualquer outro poderia largar tudo, mas ele não quer porque tem o trabalho dele, as responsabilidades dele. Pretendo trazê-los logo logo, ano que vem, aqui para São Paulo", conta Pedrinho, que admite saudades do camarão a sururu e do churrasco do pai, além do pirão da mãe.

Visita à capital

Seu Pedro e Dona Luciana passaram quase um mês em São Paulo recentemente. Pedrinho passou por uma cirurgia de retirada de amígdalas e os pais vieram prestar cuidados em casa, já que o filho vive sozinho na capital. A operação ocorreu em 21 de agosto e ele deve voltar aos jogos neste domingo, após mais de um mês.

"Era para a operação ser no fim do ano, mas conversando com médicos e Carille vimos que era melhor perder os jogos logo para recuperar e voltar, porque senão perderia as férias e a pré-temporada. Isso foi planejado com o clube, eu achei que o melhor momento seria esse para ficar mais tranquilo no fim do ano" conta Pedrinho, que concedeu entrevista ao LANCE! ao lado do pai.

Seu Pedro se emocionou em diversos momentos, mas segurou o choro.

"Com esse negócio do passado a gente pensa duas vezes quando tudo acontece de bom e chora, ganha fama de chorão mesmo. Graças a Deus até agora não chorei nessa entrevista (risos), estou tentando. Mas muda muito o sentimento, cada gol, cada lance deixa a gente muito feliz quando lembra de tudo o que já aconteceu e tão cedo as coisas como estão. Ele pode ganhar três títulos importantes no ano, Copinha, Paulista e Brasileiro. Imagina"!

O momento em que Seu Pedro quase não conteve as lágrimas foi quando o LANCE! pediu para que pai e filho esquecessem dos gravadores, câmeras e jornalistas por perto e dissessem um a outro algo que dificilmente falariam na rotina diária. Uma declaração. O pai começou.

"Falo com ele para nunca baixar a cabeça e para dar valor às pessoas do lado dele. Sempre ser educado, nunca desagradar as pessoas ou maltratar. Você tem que saber com quem anda, o momento em que está. Queria ter estado mais perto, orientado mais sobre as coisas da vida, mas ele saiu cedo de casa e não tive muito essa chance. Hoje graças a Deus as pessoas elogiam a humildade dele, e isso é tudo para mim", disse, antes de o filho completar.

"Sempre falei para ele o quanto ele foi importante para mim. Uma vez vi uma frase assim: 'O pai fala para o filho: cuidado com os seus passos. O filho fala para o pai: cuidado você, estou seguindo os seus passos'. Hoje estou vivendo coisas que ele já viveu, tento pegar um pouco das lições dele para me tornar a pessoa que ele é, o grande homem que ele é. Sempre foi meu espelho".

O canela seca está dando orgulho.