WO, plano de saúde cortado e falta de comida: a crise do Figueirense
A crise no Figueirense dentro de campo é vista pelos números na tabela: são 13 jogos sem vitória e é o penúltimo da Série B, com 22 pontos. Fora dele, por episódios que aumentam o desgaste da imagem do clube, arranhada pelos atrasos salariais, greve dos atletas, plano de saúde cortado, embates políticos e até mesmo falta de comida no Orlando Scarpelli. A crise insustentável teve novo desdobramento na noite da última quinta-feira: a parceria entre Figueirense e a "holding" Elephant teve seu último capítulo, com a assinatura de um acordo para o fim do contrato entre as partes.
O documento, assinado por Cláudio Honigman (da Elephant) e Francisco de Assis Filho (da Associação Figueirense), sacramentou que "foi definido o desfazimento do contrato (acordo de investimento e transferência da atividade de futebol) entre eles, firmado em agosto de 2017, cujo distrato será formalizado nos próximos dias".
Assim, a expectativa do Figueirense engrenar como clube-empresa chegou ao fim em meio a crises salariais e falta de unidade entre setores do clube.
Selado no segundo semestre de 2017 com a expectativa de levar o Figueira no rumo dos títulos, o acordo dava à Elephant poderes para gerir o futebol da equpe catarinense. Enquanto a empresa Figueirense Ltda ficou com os ativos do futebol, obrigada a fazer repasses financeiros para a parceira, o Figueirense Associação manteve debaixo de sua estrutura as atividades sociais e amadoras.
Ou seja, o Figueirense era um clube-empresa. Na prática, o clube só poderia gastar tudo o que se arrecada. Mas como o lucro era baixo, a administração do presidente Cláudio Honigman, pouco a pouco, se complicava para sanar as dívidas. Segundo estudo realizado pelo "Balanços Financeiros", houve uma arrecadação de R$ 24 milhões em 2018, e somente R$ 17 milhões a serem utilizados pelo Figueirense Ltda para investir no futebol.
Com isso, surgiram problemas políticos decorrentes de uma possível separação entre empresa e associação. À medida que a companhia não consegue dar conta dos repasses financeiros para o clube social, os dirigentes do clube social passaram a cogitar dar um fim à continuidade da parceria.
Os primeiro indício da crise foi o W.O. do Figueirense no jogo contra o Cuiabá. O clube catarinense chegou até ao estádio, mas o time não foi a campo. Por falta de pagamento dos salários acabou se concretizando a derrota. A partida foi válida pela 17ª rodada da Série B do Campeonato Brasileiro, que seria realizada na Arena Pantanal.
Além disso, o elenco chegou a ficar quatro dias sem treinar por conta dos atrasos salariais e direitos de imagem. Os jogadores chegaram à divulgar uma nota sobre a situação do clube e afirmaram que não houve conversas da diretoria.
Após toda a pressão, a diretoria regularizou os salários no final do mês de julho. No entanto, a diretoria voltou a atrasar o pagamento de agosto, que deveria ter sido pago até o dia 5 de setembro. No fim de agosto, o clube soltou nota confirmando o pagamento dos atrasados. O Figueira ainda corre o risco de perder pontos na Série B pelo Fair Play financeiro.
Depois da ação da presidência, houve uma sensação de trégua com relação aos atrasos. Contudo, a torcida começou a cobrar por resultados e o técnico Vinícius Eutrópio não conseguia encaminhar a equipe. Junto a isso, jogadores perderam a confiança e começaram a deixar o clube: o meia Juninho, o zagueiro Alemão e o jovem atacante Matheus Lucas deram adeus ao time.
A situação fora de campo, que parecia ter sido estabilizada, voltou a dar dores de cabeça. Os atletas do profissional estão sem plano de saúde por atrasos à empresa. O volante Zé Antônio pagou o exame do próprio bolso, após sofrer uma pancada na cabeça durante a derrota para o Sport. Em uma rede social, ele desabafou sobre a situação do clube ao responder um torcedor.
- Paguei minha consulta, eu posso pagar, porém é o descaso com o funcionário... falta de respeito às pessoas que acham normal o que está acontecendo, mas não é. E se fosse um guri da base? Como pagaria se estivesse mal? - escreveu.
E mais um fato elevou a crise nos últimos dias. Os jogadores da base não tinham nada para comer antes da partida contra o Avaí, no sábado, pelo estadual da categoria. Além da falta de alimentos, que é essencial para os atletas de alto rendimento, os times sub-15 e sub-17 seguem sem treinar por conta da falta de transporte. Já são três dias sem treino por causa disso.
No mês passado, a Justiça do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC) concedeu a liminar pedida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-SC) e determinou o bloqueio imediato R$ 9,6 milhões para pagar os salários atrasados de jogadores e funcionários do clube catarinense referentes a 2019. Isto se refere aos bens móveis e imóveis de três empresas e cinco dirigentes ligados ao Figueirense.
Ao deixar o clube, Vinicius Eutrópio ressaltou que tentou ser o mais imparcial possível para dar tranquilidade ao time. Mas admitiu a série de dificuldades.
- Todos sabiam que o clube passava por dificuldades. Não deu tempo de nada, porque assumi o time já um dia antes de duas partidas fora de casa e já na terceira partida não houve concentração. Após esse jogo, veio a greve e depois o W.O. e já virou bagunça total. Fui o mais imparcial e honesto possível, pois estava no meio das duas partes , atletas ( todas categorias) e funcionários e do outro lado a diretoria (no caso a empresa). - disse.
Além disto, o treinador disparou:
- Um clube totalmente diferente que nos deixa tristes e preocupados. Arrependimento profissional. Poderia ter vindo, ter feito bom trabalho. No momento de crise ouvi de preparar o time para ano que vem, era para salvar a situação, botar o trabalho para valer em 2020 e ir preparando. Vim com este intuito de brigar pelo acesso. Mas o time está deformado. Hoje o Figueirense não dá segurança a jogadores do nível que queríamos e foi tudo desmoronando - declarou.
Eutrópio chegou ao clube em 29 julho após a saída de Hemerson Maria, que pediu demissão devido problemas com a diretoria da Elephant. Foram apenas oito jogos à frente do time, com dois empates, seis derrotas e 8,3% de aproveitamento (incluindo o W.O com o Cuiabá).
Mesmo nesta situação, o time tem que tirar forças para conseguir uma reação e evitar o rebaixamento à Série C do Campeonato Brasileiro.
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