Irã x Estados Unidos: rivais na Copa têm um histórico de tensões em outras áreas
A Copa do Mundo de 2022 abrirá espaço para adversários que têm histórico de disputas. Nesta terça-feira (29), Irã e Estados Unidos lutam por uma das vagas do Grupo B às oitavas de final no Estádio Al Thumama, em Doha (QAT), às 16h (horário de Brasília). Mas não faltarão lembranças das relações conflituosas dos dois países, que convivem com episódios de tensões, ameaças e momentos de violência em outras áreas.
ALIADOS QUE SE TORNARAM INIMIGOS
Xá Reza Pahlevi: o monarca que tinha ligação com o Ocidente (Divulgação)
Inicialmente, houve um período no qual as relações entre os dois países era bem-sucedida. O monarca Xá Mohammad Reza Pahlevi era bem visto por países do Ocidente.
- Até 1979, o governo iraniano era ostensivamente pró-Estados Unidos e pró-Israel. O Xá Reza Pahlevi queria ser o representante dos Estados Unidos na região. Fez, inclusive, enormes investimentos em tecnologia militar de ponta... - explicou Andrew Traumann, pesquisador do Grupo de Estudos em Pesquisas em Oriente Médio (Gepom).
No entanto, houve momentos conturbados no Irã neste períod.
- Internamente, Pahlevi tinha um governo extremamente repressivo. Não havia partidos políticos. Além disto, ele tinha uma polícia secreta chamada Savak, que matava e torturava opositores e perseguia qualquer tipo de opinião divergente. Houve centenas de milhares de desaparecidos no Irã - recordou Traumann.
Alguns fatores levaram o país de vez à crise.
- Isso tudo leva a uma grande insatisfação da população. Mesmo após a crise do petróleo, quando houve a quadruplicação do preço do barril (em 1973 o aumento chegou a 400%), não houve uma melhora na qualidade de vida da população - e acrescentou:
- Até a classe média, que apoiava o regime ditatorial, vai abandonar o Xá. Afinal, tinha havido uma promessa de melhorias de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e nada aconteceu. Ele continuou a investir apenas no setor militar e houve muito pouca melhoria na infraestrutura - completou o pesquisador.
Aiatolá Khomeini: símbolo da Revolução Islâmica (Wikicommon)
O professor Andrew Traumann apontou como isto abriu espaço para a Revolução Islâmica de 1979.
- Essas situações levaram a manifestações que uniam liberais, marxistas, religiosos... A Mesquita é a única instituição que o Xá Reza Pahlevi não ousava tocar, pois a religião é muito importante para os iranianos. Ali se tornou um foco revolucionário, devido às respostas do Xá, que simplesmente abriu fogo contra a população civil. Quanto mais mortes nas manifestações, maior foi a revolta da população - e destacou:
- O Aiatolá Khomeini, então exilado na França, foi orquestrando essas manifestações. A partir do momento que ocorreu um massacre em 8 de setembro de 1978, com milhares de mortos. O Xá se viu forçado a renunciar. Depois disso, ele fugiu para o Egito e a Revolução Iraniana foi consumada - concluiu.
SEQUESTRO DE DIPLOMATAS NA EMBAIXADA AMERICANA EM TEERÃ
Estudantes iranianos sequestraram diplomatas americanos: 444 dias de espera (Foto: AFP)
Passados nove meses da ascensão da Revolução Islâmica ao poder, Irã e Estados Unidos tiveram um dos capítulos mais conturbados de sua história. Tudo começou quando o grupo Estudantes Islâmicos Seguidores da Linha do Imã entrou na sede da embaixada americana em Teerã.
- O Xá Reza Pahlevi havia pedido asilo aos Estados Unidos, pois estava com câncer. A população viu aquilo como uma artimanha. Afinal, em 1953, houve a Operação Ajax, na qual os americanos, ao lado do Reino Unido, tiraram Mohammed Mossadegh, eleito democraticamente do cargo de primeiro-ministro, do poder - relembrou o pesquisador.
Porém, o professor de História das Relações Internacionais no Unicuritiba e Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Oriente Médio (Gepom) frisou que o episódio da embaixada teve um desdobramento ainda mais forte.
- Um grupo de manifestantes tomou a embaixada iraniana em Teerã para protestar contra este asilo. O que era para ser a manifestação de três dias se tornou um sequestro de 444 dias com apoio do governo iraniano. Isso levou ao rompimento de relações diplomáticas que dura até os dias de hoje - pontuou.
Aos seus olhos, há razões para este ser um divisor de águas na rivalidade entre os dois países.
- A tomada da embaixada foi vista como uma grande humilhação. A embaixada é um lugar inviolável. Sequestrar diplomatas norte-americanos levou as relações a piorarem muito - disse Traumann.
A longa crise acarretou em mudanças de forças no poder dos Estados Unidos. Candidato à reeleição, Jimmy Carter perdeu a presidências para Ronald Reagan. Os diplomatas foram soltos na mesma data da posse de Reagan.
GUERRA IRÃ-IRAQUE
A guerra por fronteiras que durou oito anos (Foto: AFP)
Outro impasse diplomático aconteceu em 1980. A Guerra Irã-Iraque eclodiu em setembro.
- Em 1980, o Iraque de Saddam Hussein invadiu o Irã e isso levou a uma guerra. Países como Estados Unidos, Inglaterra, Egito e Arábia Saudita apoiaram os iraquianos contra o Irã. a guerra durou oito anos, matou em torno de um milhão de pessoas e não resolveu o impasse fronteiriço entre os dois países - lembrou-se Traumann.
CALMARIA?
Bill Clinton e Muhammad Khatami: presidentes dos Estados Unidos e Irã no 'Jogo da Paz' de 1998 (Arquivo/ AFP
O marcante "Jogo da Paz" entre Estados Unidos e Irã na Copa de 1998 aconteceu em um período mais brando da política entrre os dois países. O professor Andrew Traumann sinalizou que houve um favorecimento para a atmosfera da partida.
- Do lado dos Estados Unidos estava o democrata Bill Clinton, enquanto o Irã tinha Muhammad Khatami, um presidente mais aberto ao diálogo. Isto deixou levemente amenas as relações dos dois países - disse.
Clinton, porém, vetou a participação das empresas norte-americanas na indústria petroleira iraniana.
Houve outro momento de leve estabilidade entre os governos dos dois países posteriormente.
- Este relacionamento mais aberto ao diálogo é retomado durante o governo de Barack Obama. Neste período, é eleito no Irã foi Hassan Rohani, um presidente mais moderado. Foi quando aconteceu o primeiro telefonema de um presidente norte-americano parabenizando um presidente iraniano pela vitória - completou.
ACORDO NUCLEAR?
Trump sai do acordo nuclear: crise com o Irã à vista (Reprodução
As negociações do acordo nuclear, porém, trouxeram um turbilhão diplomático na relação entre Irã e Estados Unidos:
- A partir de 2015, há a questão do programa nuclear iraniano. O Irã, por ser signatário do programa de não-proliferação nuclear de 1968 tinha direito a um acordo pacífico. Só que há uma pressão muito forte dos Estados Unidos e um lobby de Israel para que os iranianos fiquem cada vez mais isolados. Além disto, a Arábia Saudita não quer que o Irã volte ao mercado do petróleo, pois seria um concorrente - disse Traumann.
Houve uma discórdia em relação ao tema que envolveu Estados Unidos e Irã.
- Foi feito um acordo e, basicamente, por razões políticas, Donald Trump (então presidente dos Estados Unidos) se retirou do acordo em 2018. Temos todo um retrocesso nesse sentido. O Irã retoma seu programa nuclear. O acordo fica sem os Estados Unidos, seu principal fiador. A situação atual é bastante complexa para projetar uma retomada - disse Andrew Traumann.
Trump frequentemente definiu o Irã como terrorista em suas redes sociais. Em 2 de janeiro de 2020, houve outro momento de tensão entre os dois países: um bombardeio em Bagdá ordenado pelo presidente dos Estados Unidos matou Qassem Soleimani, chefe de uma unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã e um dos homens mais poderosos do país. No mesmo atentado, também morreu Abu Mahdi al-Muhandis, chefe de milícia iraquiana apoiada pelos iranianos
O pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Oriente Médio (Gepom) reconheceu os desafios do Irã.
- O Irã vive um contexto interno difícil com as manifestações nas ruas contra o governo. E o país convive com um governo linha-dura, que não está disposto ao acordo nuclear como era originalmente. Para o governo iraniano, o Ocidente mentiu! Prometeu que iria descongelar os bens que o Estado iraniano tem na Europa e nos Estados Unidos e isso não aconteceu. Há uma grande pressão da população, que está muito descrente em relação às promessas de que o acordo nuclear trará progresso e prosperidade. É uma situação muito complexa - disse.
EMBARGOS ECONÔMICOS E CRISE INTERNA IRANIANA
Irã em meio a protestos: crise financeira acentua momento de revolta (Foto: AFP)
As sanções econômicas dos Estados Unidos também vêm rendendo desavenças com o Irã. Os embargos mais recentes afetaram exportação de petróleo, atividades cibernéticas e fabricação de armas.
- São mais de 40 anos de sanções. O Irã não tem acesso a peças automotivas. Muitos aviões iranianos são dos anos 1970. O país está fora do mercado de petróleo, só consegue vender para alguns poucos países como a China, Paquistão... Também não pode ter contas bancárias dentro da União Europeia - e constatou:
- Muito se falou recentemente da Rússia ser excluída. Mas o Irã já saiu há muitos anos, está completamente embargado. Não poder vender seu petróleo. Isso prejudica bastante a economia de seu país - finalizou.
Irã e Estados Unidos medem forças nesta terça-feira (29) em Doha. O jogo é decisivo. Os iranianos têm três pontos, enquanto os americanos estão com dois.
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