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Rashford tem histórico de luta social e é referência política na Inglaterra

Marcus Rashford em ação com a camisa da Inglaterra contra País de Gales na Copa do Mundo do Qatar - Michael Steele/Getty Images
Marcus Rashford em ação com a camisa da Inglaterra contra País de Gales na Copa do Mundo do Qatar Imagem: Michael Steele/Getty Images

30/11/2022 05h00

Classificação e Jogos

Muito mais do que a bola do pé, Marcus Rashford é um daqueles atletas em que até mesmo no seu cartão de visitas dispensa apresentações. Destaque na vitória da Inglaterra por 3 a 0 sobre o País de Gales, ontem, marcando dois gols, o atacante vai muito além das bolas que coloca nas redes.

Quando o mundo foi surpreendido com a pandemia do novo coronavírus, no início de 2020, Rashford liderou um grupo com outros jogadores da Premier League para arrecadar fundos ao Serviço Nacional de Saúde britânico. A iniciativa alcançou 4 milhões de libras (R$ 26,2 mi, à época) para a entidade que auxiliava 250 instituições de caridade por todo o país.

Depois disso, o atacante do Manchester United abraçou uma luta que tratou de forma pessoal: a da alimentação infantil. Quem via aquele rapaz, de 22 anos, consolidado em um dos maiores clubes do mundo e colecionando convocações à seleção nacional não imaginava que menos de 15 anos antes ele vivia sérias dificuldades para fazer as suas refeições diárias.

Um dos cinco filhos de Melaine, uma mãe solteira, que trabalhava em período integral e ganhava um salário mínimo, Rahsford se alimentava com ajuda de distribuições de cafés da manhã comunitários, vizinhos, pais de amigos e, principalmente, das refeições escolares. E foi por isso que o artilheiro da Inglaterra nesta edição da Copa do Mundo, até aqui, se tornou uma referência política no país, ainda que nunca fosse essa a sua intenção.

Quando o governo britânico decidiu cortar durante as ferias de verão de 2020 os cupons de 15 libras (R$ cerca de 100, na cotação da época) semanais para que as crianças fizessem as suas refeições, o atleta do United enviou uma carta ao parlamento onde contava a sua história, argumentava sobre a importância da alimentação infantil e pedia que a decisão fosse reconsiderada.

"Isso não é sobre política. Isso é sobre humanidade. Olhando a nós mesmos no espelho e sentindo que fizemos tudo o que pudemos para proteger aqueles que não podem, por qualquer razão ou circunstância, se protegerem. Afiliações políticas à parte, não podemos todos concordar que nenhuma criança deveria ir dormir com fome?", disse Rashford em um trecho da carta.

As palavras do atacante sensibilizaram Boris Johnson, primeiro-ministro britânico à época, que estendeu a medida até o fim das férias, quando se estimava a volta às aulas presenciais. Como resultado, 1,3 milhão de crianças foram beneficiadas.

O então chefe do poder Executivo britânico, inclusive, cumprimentou Rashford pelo engajamento social que o levou a repensar a decisão inicial pelo corte da verba.

"O Primeiro Ministro agradece sua contribuição ao debate sobre a pobreza e respeita o fato de ele (Rashford) estar usando seu perfil, como um esportista de destaque, para destacar questões importantes", disse Boris Johnson, através do porta-voz oficial do governo britânico.

E a intenção de Marcus Rashford sempre foi a citada por Johnson: ser inspiração a crianças e jovens negros, de comunidades pobres da Inglaterra, como ele foi um dia.

"Muitas crianças que cresceram onde eu cresci podem sentir que estão presas em um ambiente em que é difícil atingir algo. Eu posso ser esse exemplo para elas. Acho importante que eles vejam a luz. Se eu puder ser exemplo para elas, nunca perderia essa oportunidade", disse o jogador inglês em entrevista à revista GQ em março de 2019, quando visitou os arredores de onde vive a sua infância no distrito de Wythenshawe, na cidade de Manchester.

Meses após esse episódio, o atleta do United voltou a ser fundamental na luta pela distribuição de uma alimentação ideal às famílias mais carentes, quando usou as suas redes sociais para cobrar o governo britânico sobre a qualidade das cestas básicas distribuídas.

Em contato com os fornecedores, Rashford explicou detalhes contratuais que indicavam problemas logísticos. Os pacotes com os produtos distribuídos custavam à época algo em torno de 5 libras (R$ 36, na cotação do momento), sendo que os vouchers de refeição distribuídos eram no valor de 30 libras (R$ 216, à época).

A manifestação de Marcus aconteceu horas antes do atacante entrar em campo em um jogo da Premier League, contra o Burnley. Já a atitude fez com que Boris Johnson ligasse pessoalmente para o jogador e garantisse que melhoraria a qualidade dos alimentos enviados às crianças. No dia seguinte, o ex-primeiro-ministro britânico retuitou um post de Rashford em que concordava com o atleta e também disse que a empresa responsável por fornecer as cestas básicas havia se desculpado e concordado em reembolsar as pessoas afetadas.

Mas não é somente de marcar gols, cobrar posturas governamentais e influenciar os mais jovens que vive Marcus Rashford, que antes de falar busca colocar a mão na massa e fazer. Antes da carta ao parlamento inglês, por exemplo, o atacante já havia se unido com a FareShare, rede de caridade destinada a aliviar a pobreza alimentar e reduzir o desperdício de alimentos no Reino Unido, e ao lado da instituição e marcas parceiras levantou mais de 20 milhões de dólares, o que resultou em 3 milhões de refeições para serem distribuídas às famílias carentes.

"Como muitos de vocês sabem, quando o bloqueio foi firmado e as escolas foram temporariamente fechadas, fiz uma parceria com a instituição de caridade FareShare, para distribuição de alimentos, para ajudar a cobrir parte do déficit de refeições escolares gratuitas. Embora atualmente a campanha distribua 3 milhões de refeições por semana às pessoas mais vulneráveis do Reino Unido, reconheço que não é suficiente", diz outro trecho da carta escrita por Rashford e encaminhada ao parlamento inglês, em junho de 2020.

Atleta mais novo a marcar um gol pela seleção da Inglaterra, com 18 anos, e aos 25 disputando a sua segunda Copa do Mundo, Marcus já mostrou que, paralelamente ao futebol, não vai parar de lutar pelo equilíbrio social em seu país. Volta e meia as suas boas ações reverberam mundialmente, como quando presenteou o garoto Jacob, de nove anos, com um PlayStation 5, após descobrir que o torcedor-mirim do Manchester United havia criado perfis de redes sociais para incentivar as pessoas a contribuírem com o projeto FareShare.

"Não somos gentis para que sejamos notados. Somos gentis porque é a coisa certa a se fazer. A gente se sente bem em ajudar os outros. Eu li sobre o seu trabalho e sobre como isso ajudou pessoas no último ano. Para demonstrar minha apreciação, queria dar um presente para você ter certeza de que reconheço seus gestos solidários. Não são todos os gestos que serão recompensados, mas saiba que gostei do que você fez e se lembre, a cada vez que olhar este presente, como é bom cuidar dos outros. Siga brilhando e siga sorrindo", escreveu o jogador dos Diabos Vermelhos em carta direcionada ao garotinho.

Agora, a iniciativa de Rashford é estimular a leitura a crianças e jovens, entre 11 e 16 anos. Assim, o atleta firmou uma parceria com a editora MacMillan para a produção de algumas obras que serão comercializadas, mas distribuídas à população carente em escolas e ONGs. Em março de 2021, o primeiro livro foi lançado, contando a história do atacante, a fim de estimular e inspirar as crianças em busca dos seus sonhos. O título da obra é, em português, 'Você é um campeão: liberte o seu potencial, encontre a sua voz e seja o melhor que puder ser', e foi escrita em conjunto entre o próprio Rashford, o jornalista Carl Anka, e a psicóloga de performance Katie Warriner.