! Eles sonhavam em ser craques da bola - 26/12/2004 - Pelé.Net - Revista
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  26/12/2004 - 14h44
Eles sonhavam em ser craques da bola

Vinicius Simas, especial para o Pelé.Net

PORTO ALEGRE - Mais um ano vai chegando ao fim. Os clubes vão entrando em férias e um frio começa a percorrer a espinha de grande parte dos jovens atletas das categorias de base, aqueles que estão atingindo a idade que obriga à profissionalização. O futuro chegou. Alguns deles, já tendo sido aproveitados pelo técnico da equipe principal, apenas aguardam a confirmação da ascensão. Mas a grande maioria dos que saem dos juniores, após anos de dedicação, alimentando o sonho de se tornarem ídolos no universo do futebol, vêem esse sonho ruir.

O número de jovens promessas é muito grande. Os clubes não suportam tamanha demanda. Aqueles que não conseguiram se destacar a ponto de chamar a atenção do(s) treinador(es) da equipe principal durante o ano em que atingem a idade-limite, tornam-se descartáveis. Alguns acabam sendo emprestados para equipes menores do interior do Estado, outros conseguem cair nas graças de algum empresário bem relacionado e entram em negociações. Mas a maioria acaba desmotivada e abandona o futebol, passando a dedicar-se a outras atividades. Todo um projeto de vida vai para o espaço.

O Pelé.Net foi atrás de alguns desses ex-futuros craques, que viram o castelo desabar, assim como procurou alguns profissionais dos grandes clubes do Rio Grande do Sul, para tentar explicar esse triste mas inevitável fenômeno.

Alguns desistem bem cedo
Glauco Moraes, 36 anos, há nove é supervisor das categorias de base no Grêmio. Ele explica que os motivos das desistências por parte de jovens que tinham tudo para vencer no futebol são diversos. Em muitos casos, bem antes de poderem ser notados por algum treinador, a família se antecipa e corta o sonho pela raiz.

"Muitas vezes notamos que um garotinho de 10 ou 12 anos tem muito potencial, mas os pais acabam o tirando dos treinamentos porque estariam atrapalhando os estudos", lamenta Glauco. Grande parte dos jovens tem origem humilde e a dificuldade financeira da família - até mesmo para pagar uma passagem de ônibus -, também força futuros craques a largarem a carreira. "É também muito comum o jogador, quando chega ali pelos 15 anos, parar precocemente por causa da primeira namorada", comenta o supervisor da meninada.

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Todos os anos garotos não conseguem realizar o sonho de ser jogador de futebol

Além das adversidades extra-campo, os obstáculos do próprio futebol eliminam boa parcela dos garotos. O que indica o potencial para a profissionalização é a individualidade. É o que afirma o coordenador de educação física do Internacional, Élio Carraveta, um dos maiores estudiosos da evolução física e mental dos atletas - autor do livro O Jogador de Futebol. "A seletividade faz parte da escalada. Muitos não têm estrutura mental e/ou emocional para superá-la. Às vezes falta coragem e competitividade aos garotos", afirma.

A comissão técnica sempre acompanha o desenvolvimento dos atletas. Além das qualidades objetivas - o chute, a marcação, a rapidez em observar o lance -, as características subjetivas são muito visadas. "É possível notar quando o jogador tem potencial e busca seu espaço. Além disso, a interatividade é muito importante. Cada vez mais as portas estão se fechando para os futebolistas alienados, que não se envolvem com o grupo", ressalta Carravetta.

Os empresários, cada vez mais, ganham importância na vida dessas promessas. Muitos se tornam uma espécie de família para os garotos. E cabe a eles demonstrar esforço em encontrar um bom clube para que o atleta não desanime. Mas alguns oferecem ambientes de prazer que não contemplam benefícios ou esperanças ao atleta. Assim, ao invés de ajudar um craque a encontrar seu bom futebol, apenas desenvolve nele o gosto pela festa e pela bebida. O despreparo mental do jogador acaba tirando o foco na carreira e ele se torna mais um futuro craque que se perde no caminho.

Aqueles craques que freqüentam, ao longo da carreira nas categorias de base, a Seleção Brasileira e acabam não vingando como grandes profissionais, normalmente acham que já alcançaram seus objetivos e se acomodam. O deslumbramento faz com que o jovem não veja mais motivo para avançar, batalhar por mais conquistas. Ao se profissionalizar, esse atleta não consegue mais do que uma carreira curta e apagada.

Irmãos Andrade tentaram seguir o caminho do pai
Os irmãos Jorge e Maurício Andrade, filhos do ex-lateral esquerdo do Internacional, Jorge Andrade, tentaram seguir os passos do pai. Maurício, hoje com 32 anos, começou no Colorado aos 11 e desistiu do futebol aos 26. Era lateral-esquerdo e, como uma última tentativa de se tornar um vencedor através do jogo de bola, defendeu o Brasil de Farroupilha (RS).

Sentiu que havia perdido a batalha e, esperto, pois ainda havia tempo, decidiu terminar a faculdade de administração de empresas. Escolheu os estudos e não se arrepende disso. "Eu tive sorte. A maioria dos meus colegas vinha de classes baixas e largavam tudo pelo futebol. Muitos deles se deram mal. Inclusive já encontrei alguns que me pediram dinheiro na rua", fala Maurício, com tristeza.

"Para entrar no time principal, só caindo nas graças do treinador. Por mais que se esforce, 90% das chances vêm da oportunidade dada àqueles com os quais o homem simpatiza", acrescenta o filho de Jorge Andrade - um lateral-esquerdo que foi hexacampeão gaúcho (1969 a 1974) e um dos maiores exemplos de dedicação e aplicação tática que o Colorado já viu.

Maurício também ganhou um campeonato gaúcho assim que subiu para os profissionais, em 1994. Mas, na seqüência, o desânimo e a falta de oportunidades o afastaram da bola. Há quase dois anos não joga futebol, nem de brincadeira. "Eu tentei minha chance no Colorado e, após chegar aos profissionais fiquei sem contrato e cheguei a completar um ano treinando no Grupo B. Mas lá não havia time, acompanhamento, nada. Ia quem quisesse", lembra.

O irmão mais novo, que tem o mesmo nome do pai, Jorge Andrade, hoje com 29 anos, também começou no Internacional e acabou, após a profissionalzação, indo para o Interior, onde constatou que aquele ambiente o deprimia muito e, na idade em que todos estão recém a começar, deu por finalizada sua carreira. "Conviver com jogadores que estão há 20 anos em um clube pequeno é brabo. Muitos passam o dia bebendo, sem perspectiva nenhuma. A vontade de continuar batalhando se abala", comenta.

Antes de largar o esporte, aos 22 anos, Jorge ainda passou pelo Brasil de Farroupilha, Barra do Garças (Mato Grosso), São Paulo - onde foi colega dos pentacampeões Denílson e Edmílson - e até tentou jogar na Espanha. "Ia para o Esporte Levante, rival do Valência. Mas tive problemas com o passaporte". Quando foi contratado pelo São José, de Porto Alegre, repensou a vida e decidiu voltar a estudar. Naquele momento viu que não havia mais possibilidade de jogar em um time grande e, quando recebeu seu passe, acabou desistindo. Virou administrador de empresas e trabalha com o irmão.

Namorada engravida na hora errada
Em 2000, o lateral-direito Raul Barcelos - hoje com 19 anos -, havia acabado de passar num teste para entrar no Juventude e viu se escancarar à sua frente a oportunidade de vencer na vida como jogador de futebol. Foi quando soube que sua namorada estava grávida. Um balde água fria caiu sobre sua cabeça.

Depois de três anos no Grêmio e outros seis meses de Inter, o garoto fora dispensado pelos grandes da Capital e estava prestes a ingressar na terceira potência do futebol gaúcho. Mas o descuido na relação amorosa fez com que tivesse de voltar de Caxias do Sul e cuidar do inesperado filho.

Atualmente, Fernando Barcelos tem dois anos e meio. O pai, Raul, trabalhava, havia três meses, numa empresa que fabrica garrafas térmicas, mas atualmente está desempregado. Embora veja como remota, ainda espera uma oportunidade no futebol.

"Tentei uma vaga nos grandes times e nos que estão crescendo, como Ulbra e RS, mas eles estão todos fechados", reclama o lateral, que limita-se a jogar com os amigos três vezes por semana. Ao menos vai mantendo a forma, enquanto o grande sonho toma cada vez mais contornos de um pesadelo.

O centroavante que virou comissário de bordo
Rodrigo Rodrigues já está com 32 anos, mas ainda se encontra com os antigos colegas que conseguiram estabilidade como atletas. "A gente se vê nos vôos e sempre dá uma conversada". O ex-centroavante é, atualmente, comissário de bordo. Exerce a profissão desde 1997.

Nos tempos de Inter, disputava a vaga de titular da equipe júnior com Christian, atual camisa 9 do Grêmio. Isso lá pela metade da década de 90. Era um atacante brigador, de muita velocidade. Corria demais. Até que um belo dia Rodrigo cansou de correr atrás de empresários.

"Eles prometiam me levar para um clube grande, mas nunca dava certo", diz. Seu esporte agora é a corrida. Já participou das maratonas de Porto Alegre, Buenos Aires, Paris, e se prepara para a São Silvestre de 2004. Ainda torce pelo Colorado, mas não gosta de ir aos jogos. "Minha esposa diz que eu tenho um bloqueio psicológico", brinca.

Faltou dinheiro para o meia Rafaelli
Cristian Rafaelli, atualmente com 24 anos, era um meia-esquerdo raçudo. Todos os conheciam como "Vermelho". Jogava na meia-esquerda do time júnior do Caxias e, quando chegou a hora da profissionalização, como acontece com centenas de garotos todos os anos, foi dispensado para procurar outro clube.

Acabou, empurrado por conhecidos, para o Rio de Janeiro, onde passou a defender o pequeno Jacarepaguá. Estava em um período de testes, vínculo legal ainda não formalizado. Foi quando sofreu uma lesão no tornozelo que, a princípio nem o preocupou. Não imaginava ele que, naquele instante, estava encerrando prematuramente a sua carreira.

"O clube não tinha estrutura nenhuma. Eu não tinha como pagar a cirurgia e ninguém me deu apoio", reclama. Até hoje não esconde sua revolta pela falta de ajuda que o obrigou a desistir de todos aqueles planos que fizera na infância, adolescência e juventude.

O sonho maior era o de atuar em um clube da dupla Gre-Nal. Teve que eliminá-lo de sua mente. Voltou para a pequena Barão do Triunfo, sua cidade natal, no Interior gaúcho. Recuperou-se totalmente daquela lesão, mas as chances não reapareceram. Enquanto isso vai tocando a vida como pintor de paredes, e participa de campeonatos amadores matando a saudade dos bons tempos.

"Jogo pelo time que me pagar melhor", avisa, com um entristecido tom de voz.


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