Topo

"Homem de gelo" comanda judô mundial com mão de ferro

Bruno Doro *

Em São Paulo

15/03/2010 07h01

"O ESPORTE AINDA PROCURA UM MODELO PÓS-COMUNISMO NO LESTE EUROPEU"

  • Fotocom/Divulgação

     

    Como você começou a lutar judô? Qual você acha que foi sua contribuição para o judô mundial?
    Eu me envolvi com o judô na Romênia, na escola. Nos anos 70, continuei lutando quando entrei para o exército. Minha carreira como atleta terminou quando eu defendia o clube Universidade Cluj. Logo em seguida eu me tornei técnico. Acho que a minha principal contribuição par ao esporte foi ter conseguido criar uma imagem de profissionalismo no judô romeno. Uma pena eu ter saído cedo da Romênia, em 1988, para morar na Áustria.

    Você viveu a abertura do Leste Europeu após o fim da União Soviética. Como você vê o esporte nesse contexto?
    Assim que a Cortina de Ferro caiu, toda a sociedade, incluindo o esporte e a cultura, dos países do Leste Europeu iniciou uma série de mudanças. E essas mudanças ainda são afetadas pelo processo de transição e a implementação da economia de mercado nesses países. Durante o comunismo, o esporte era controlado totalmente pelo Estado. Hoje, o sistema é híbrido, com receitas públicas e privadas financiando as ações esportivas. Em minha opinião, o sistema que está sendo introduzido ainda não é o definitivo. Ainda precisamos de mais tempo para que os países do Leste Europeu encontrem um sistema para funcionar perfeitamente. E isso vale não só para o esporte, mas para toda a sociedade.

    Você é um empresário de sucesso. Porque escolheu entrar no mundo do esporte?
    Eu sempre pratiquei judô. Eu amo esse esporte. E não é simplesmente uma paixão, mas um caminho de vida. Um aliado, que virou uma fonte de inspiração e de energia para mim, nos momentos mais difíceis da minha vida. O judô sempre me ajudou a encontrar o caminho certo a seguir e a tomar as melhores decisões na minha vida. Eu investi no judô, tanto em paixão, quanto em dinheiro. Eu acredito no esporte e sei que ele pode crescer. Além disso, foi a maneira que eu encontrei para retribuir tudo o que o judô me proporcionou.

    Você também é muito ligado ao futebol. Até onde vai o poder de Marius Vizer?
    No passado, eu era dono de três times de futebol. Hoje, sou apenas um colaborador de clubes da Europa, como West Ham, Nantes, Juventus, Brescia, Atalanta. Na Romênia, eu sou um dos sócios do Dínamo Bucareste.

    E sua ligação com o Real Madrid?
    Minha escola de futebol, Liberty, tem uma parceria com o Real Madrid, nas categorias de base. Foi um acordo feito ainda na época do antigo presidente, Calderon. Mas eu sou torcedor do Real Madrid e gosto muito do estilo de alguns jogadores.

    E o que tem a dizer sobre o Kaká?
    Ele é um dos jogadores que eu admiro. Mas sei que, no Real Madrid, ele ainda pode dar mais. Ele não mostrou o melhor que pode fazer. Estou certo que ele pode trabalhar ainda melhor.

     

Um dia antes do início do último Campeonato Mundial de judô, um homem com cara de poucos amigos esbravejava. “É essa a imagem que vocês querem passar? Quando não respeitam as regras, a imagem que todos nós passamos é de desleixo, de falta de profissionalismo. Isso não será mais permitido”. O discurso tinha tom de bronca de pai para filho. Feito pelo romeno Marius Vizer, presidente da Federação Internacional de Judô, teve origem em um fato pouco importante: os técnicos no evento estavam de agasalho, não de terno.

A reclamação irada mostra a maneira que o romeno adota, desde 2007, para comandar o judô mundial. O jeito bruto, mandão, é o mesmo com que encara a vida. Vizer é um verdadeiro homem de gelo. Sempre com a cara fechada, raramente dá risadas – pelo menos em público. A história pessoal é obscura e polêmicas envolvem seu nome no país natal.

Fazê-lo falar da vida, e não da FIJ, é tarefa das mais difíceis. Há 10 dias, em São Paulo para o lançamento da etapa paulista da Copa do Mundo, a reportagem do UOL Esporte teve 20 minutos com o mandatário. Tentou algumas vezes. “A gente pode tentar fazer por e-mail”, foi a primeira resposta. “Não, nada sobre vida pessoal”, foi a segunda negativa. “Desculpe, mas não respondo sobre isso”, foi a terceira.

Ao final da entrevista, outro não: “Não sou político para ter a vida aberta”. Pediu mais uma vez para que o e-mail fosse enviado. As respostas chegaram mais de uma semana depois e estão no quadro ao lado.

Tanta cautela tem origem na controversa história do dirigente. Vizer deixou a Romênia em 1988. Sua família fugiu do regime do ditador Nicolau Ceausescu e mudou para a Áustria. Morou em Viena até o fim do regime comunista, quando voltou para o Leste Europeu. O destino foi Budapeste, na Hungria.

No novo país, os negócios floresceram, e muito. Rapidamente, se tornou um dos homens mais ricos da Europa. Virou amante de charutos. Anda sempre com um gigante romeno, com cara de segurança. Vlad Marinescu é seu assessor particular.

De volta a Vizer, o empresário de sucesso acabou se envolvendo com o futebol. Torcedor do Real Madrid, era ligado ao clube durante a gestão de Vicente Calderon. Ele, inclusive, tem uma parceria com o clube merengue, em escolinhas de futebol. Hoje, lista uma série de clubes com que "colabora", como West Ham, Juventus, Nantes.

Em seu país, é um dos sócios do Dínamo de Bucareste. No ano passado, trouxe, por exemplo, o italiano Dario Bonetti para comandar o time – o técnico deixou o cargo no ano passado, para que o romeno Cornel Talnar assumisse.

A lista de amigos famosos é longa. O ex-jogador de futebol George Hagi é um deles. Assim como o ex-presidente russo, Wladimir Putin, que, nas palavras de Vizer em uma entrevista de 2006, “poderia ter sido campeão mundial”. Outro famoso é Lothar Matthaus, que, recentemente, foi nomeado membro honorário da FIJ. A mulher, Irina Nicolae, é atriz e foi cantora, do grupo A.S.I.A., que fez sucesso na Romênia.

A reserva que apresenta com a vida pessoal não se repete quando fala da FIJ. Vizer fala com desenvoltura, em um inglês rápido, mas com forte sotaque do Leste Europeu, sobre seu plano para aumentar a visibilidade do esporte. O som do discurso é entusiasmado. Mas o rosto não demonstra nenhum tipo de animação. O olhar é frio, sem demonstrar nenhum tipo de emoção.

Ele comanda o judô mundial desde 2007 – foi eleito no Rio de Janeiro, pouco antes do Mundial. Nesse período, mudou regras, calendário, rankings, estratégia de marketing da modalidade. Tudo para vender esse lado “profissional” do judô.

“Desde que assumi, me comprometi a fazer três grandes mudanças. No calendário, com os Mundiais e os Grand Slams e as Copas do Mundo. No marketing, para que o judô virasse um produto atraente. E nas regras, para que o judô voltasse a ser um esporte bonito. Em 2013, vamos mostrar ao mundo a nova imagem do judô”, afirma o romeno.

* Atualizada às 15h30