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Maior polo de medalhas do Brasil, judô tem relação fria com MMA e usa lado educacional em "concorrência"

Sarah Menezes sorri ao exibir a medalha de ouro em Londres; ela não gosta de MMA - AFP PHOTO / FRANCK FIFE
Sarah Menezes sorri ao exibir a medalha de ouro em Londres; ela não gosta de MMA Imagem: AFP PHOTO / FRANCK FIFE

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

06/11/2012 06h00

Um é o esporte que mais tem criado ídolos nacionais paralelamente ao futebol e ganha cada vez mais espaço entre os fãs. O outro vem em crescente nas últimas décadas e é o maior responsável por medalhas brasileiras na história dos Jogos Olímpicos. Mas MMA e judô ainda tem uma relação fria e distante.

O esporte nascido no Japão já rendeu 19 medalhas olímpicas ao Brasil; maior número entre todas modalidades. É a arte marcial mais tradicional e praticada na base. Mas se vê longe e com pouco a acrescentar para um esporte mais completo, em ascensão e que não tem quase nenhum de seus atletas oriundos do judô.


Nomes como Anderson Silva, Junior Cigano, Rodrigo Minotauro e Vitor Belfort, entre outros, são todos provenientes de outras lutas mais utilizadas no MMA, como muay thai, jiu-jitsu e o boxe.

A ascensão do MMA desperta um sentimento de indiferença no judô. Os representantes do esporte japonês no Brasil dizem que nada muda em função do surgimento da outra. Nem para pior, nem para melhor. Não se empolgam em ser uma opção a mais de procura para um lutador se desenvolver no MMA e tampouco temem perder atletas para o outro esporte.

“Eu acho que o MMA veio pra ficar, mas de forma nenhuma ele interfere na nossa modalidade. Nem para o lado bom e nem paro o lado ruim, nem nada. Veio pra ficar, é um business. Eles existem e têm o público e motivação deles. E nós existimos e temos o nosso público e motivação. Cada um segue seu caminho sem problema nenhum e nem interferência”, falou o presidente da Confederação Brasileira de Judô, Paulo Wanderley. “No nosso meio, não é nossa praia isso daí. Eu acho o seguinte: são vias paralelas. Todos vão chegar a um ponto. Mas não se encontram.”

“Acho que o judô pode auxiliar alguns atletas, dependendo da característica do adversário. Mas são preparações completamente diferentes, cada um com seu estilo”, falou o coordenador da seleção brasileira, Ney Wilson. “Não há interferência. Os grandes atletas de MMA são oriundos de outras lutas. Não vejo como concorrência.”

Ex-judoca e medalha de ouro nos Jogos de Barcelona, Rogério Sampaio tem uma das mais tradicionais academias de judô, em Santos. Diz que nunca foi procurado por quem quer lutar MMA.

“Ninguém procurou minha academia [para fazer MMA]. Os jovens que querem ir pro MMA fazem muay thai porque dali ele pode migrar, no judô não vejo ninguém que queira ir pro MMA. Eu acho que não tem nada a ver [um esporte com o outro], o MMA é um grande evento, grande negócio. E lá você tem diversas federações.”

Mesmo pisando em ovos para não tecer críticas ao MMA e demonstrar o respeito, o mundo do judô ainda demonstra, em alguns momentos, uma visão violenta da luta livre. “O cara esta lá tomando na cara e sangrando, eu tenho  filho e não gosto que ele assista a um negócio desses, uma agressividade gratuita com regras”, falou Sampaio.

“[O MMA] tem público cativo, que vai aumentar, é um atrativo. Todo mundo quer ver o que acontece ali dentro, quem vai sobreviver. É do ser humano, é humano, você não para pra ver uma festa, mas para pra ver um desastre, o que está acontecendo, sangue pra todo lado. É humano, é o que o cara quer ver. Eu vejo também nas madrugadas”, falou o presidente da CBJ.

Os dirigentes e ex-altetas do judô dizem não ter medo, por exemplo, que jovens passem a procurar outras lutas mais comuns no MMA pelo sonho de se tornar um atleta desse tipo e assim façam com que o judô tenha uma queda. Ressaltam não ver uma concorrência por academias na base e que o lado educacional fará sempre a diferença, o que o MMA não tem.

“Na hora que o pai tiver que escolher um esporte, vai escolher um esporte, com o sensei lá na frente e perguntar se o filho dele está tendo boas notas na escola, se está obedecendo à mamãe, ao papai. O pai vai escolher desse jeito. Ele não vai botar um filho pra fazer qualquer outro tipo de coisa que vá colocar em risco, primeiramente sua integridade física. Mas, depois que ele for adulto, vai escolher o que quer fazer”, disse Paulo Wanderley Teixeira.

“Acho que o judô tem um compromisso educacional, e por mais que fale que o MMA tenha, eu duvido. Um esporte que você vê o cara sangrando, o outro batendo e outro não para, é complicado. É uma coisa que não me atrai, mas não tenho resistência a essa modalidade, tem público pra todos. Não tenho preconceito de quem gosta. A base do judô é o compromisso educacional. Ele foi criado não como luta, mas metodologia de ensino”, falou Rogério Sampaio.

Atletas

Entre os atletas já formados, alguns aprovam, outros não. Não há um consenso. Mesmo com a chance de extensão de carreira e maiores prêmios pelos circuitos de MMA, não existe um grande desejo nesse sentido.

“Até penso, mas é distante e difícil. É uma coisa a se pensar. Gosto bastante”, falou Rafael Silva, o Baby, medalha de bronze no judô olímpico nos pesados. Ele é um dos raros exemplos que diz ter alguma intenção de migrar de esporte.

A campeã olímpica Sarah Menezes é das que se dizem radicalmente contra. “Não acompanho e nem gosto”, responde, de forma direta. E ressalta a violência do MMA ao ser questionada se teme concorrência na base.

“É complicado de responder, mas vejo assim: o pai não vai querer que seu filho faça um esporte violento, porque MMA é um esporte violento. E o judô é muita disciplina. O judô inicia de pequenino pra chegar à seleção”, falou.

Duas vezes medalhistas olímpicos, os ídolos Leandro Guilheiro e Tiago Camilo evidenciam a relação tímida dos judocas com o MMA.

“Eu acompanho, mas talvez acompanhe um pouco menos do que a grande galera aqui. Até porque sou um cara que dorme cedo, e o MMA é um esporte transmitido muito tarde”, falou Guilheiro.

“Acompanho muito pouco MMA, as lutas são sempre de madrugada. Às vezes fico sabendo, leio alguma coisa, mas acompanhar diretamente, não acompanho”, disse Tiago Camilo.

Judocas no MMA em outros países

Se no Brasil não é comum um judoca profissional migrar para o MMA, em outros países isso ocorreu mais vezes, mas não com tanta frequência.

No Japão, Hidehiko Yoshida, medalha de ouro na Olimpíada de 1992, se aventurou no extinto evento Pride. Teve nove vitórias e oito derrotas, duas delas para o brasileiro Wanderlei Silva, em 2005.

O também japonês Satoshi Ishii é um caso dos memoráveis. Logo depois de ser ouro no judô nos Jogos de Pequim, resolveu mudar para o MMA. Criou um mal-estar com a federação de seu país.

Tem ainda carreira modesta na luta livre, com cinco vitórias, um empate e duas derrotas, uma delas para o próprio Yoshida, e a última para o russo Fedor Emelianenko, considerado por muitos o maior lutador de MMA de todos os tempos.

A americana Ronda Rousey virou celebridade esse ano ao conseguir o título no peso galo do Strikeforce. Antes, como judoca, havia sido medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008 e ouro no Pan-Americano do Rio de Janeiro, em 2007.