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'O Vencedor' concorre a melhor filme no Oscar; 'Rocky' e 'Menina de Ouro' já faturaram

25/02/2011 - 07h00

Dramas, superação, violência e facilidade técnica dão sobrevida ao boxe no cinema

Maurício Dehò
Em São Paulo

Boxe e cinema têm uma relação próxima. Remete aos primórdios das suas “artes”. Desde o fim do século 19 o esporte de luvas foi alvo de roteiristas e diretores. Atraiu multidões e recebeu prêmios por títulos como a ficção de “Rocky” ou “Touro Indomável”, uma visão mais biográfica. Em 2011, o esporte está em baixa, tem poucos ídolos e perde espaço para o MMA, mas segue em alta nos cinemas. “O Vencedor”, que conta a história real de Micky Ward, mantém acesa a chama do pugilismo com sete indicações ao Oscar.

Mas, se o MMA cresce tanto, por que o boxe ainda faz sucesso nas telonas? O UOL Esporte ouviu especialistas ligados à sétima arte para entender o que faz com que estúdios e espectadores ainda tenham interesse pelo esporte. Para eles, as boas histórias de vida dos pugilistas, a relação com o mundo real e, em parte, a violência são os pontos chave para desvendar a questão. Além, claro, do esporte se adequar muito bem às exigências técnicas do cinema.

Para o crítico do jornal O Estado de S. Paulo Luiz Carlos Merten, uma grande relação entre público e personagem fica escondida dos mais desavisados. “O cinema começa e se desenvolve no corpo do ator, ele é muito sensorial. Por mais que se elabore e intelectualize, nossa entrada é no corpo do ator”, explica ele. “Mais do qualquer esporte, o boxe se presta a expressar na tela o conflito que o homem vive no mundo. Ele é basicamente violento, e isso expressa a relação com nossas mazelas.”

Merten vai adiante e lembra que a violência é um outro ponto que gera interesse do público. “A questão física é que torna tudo tão fascinante para nós. Você está absolutamente a salvo na sua poltrona, mas no meio daquela projeção é colocado no meio daquela experiência brutal”, analisa.

O espectador de “O Vencedor” experimenta com clareza a sensação de que não são propriamente os combates em grande tela que tornam a experiência válida. Tradicionalmente, as histórias de pugilistas levadas ao cinema são ricas em personagens e nuances. O lutador não é apenas a força e técnica mostrada no ringue, mas exibe o poder de superar dramas pessoais para, sozinho, chegar ao sonhado cinturão mundial.

No caso de Micky Ward, de “O Vencedor”, o norte-americano enfrentou o vício em crack do seu irmão e técnico. O filme baseado em fatos reais foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante pela atuação de Christian Bale, que interpretou o irmão de Micky, Dicky, além de concorrer a mais seis estatuetas, como melhor filme e melhor direção.

"Bale merece o Oscar", diz Merten

  • O filme "O Vencedor" tem como principal história a vida de Micky Ward, lutador meio-médio ligeiro. Mas o enredo paralelo retratando o irmão e técnico do lutador e seu vício em drogas é que deve render um Oscar à produção. Christian Bale (à esquerda na foto), protagonista de Batman, teve de perder muito peso para interpretar Dicky, usuário de crack.

  • "Eu acho que o Bale já ganhou. Vai ser um reconhecimento deste trabalho. Bale é um ator de intensidade muito grande, que tem essa coisa de se jogar fisicamente no papel, como fez em 'O Vencedor'", disse Luiz C. Merten. As indicações da película são para melhor filme, direção, ator coadjuvante, duas para atriz coadjuvante, edição e roteiro original.

“Talvez estas sejam as maiores histórias de superação, de um cara que está à frente de um grande público, com medo de apanhar e querendo bater”, diz Castilho de Andrade, jornalista que cobriu boxe e hoje é diretor de imprensa do GP do Brasil de F-1.

“As lutas têm elementos que só ficam fortes em esportes individuais. Não é um tênis, com cada um num ponto da quadra. A emoção no boxe, que é na porrada, é muito mais forte”, acrescenta ele.

Mas se engana quem pensa que apenas uma boa história e uma dose de violência sejam os únicos fatores que corroborem para o interesse nos filmes. Afinal, cinema é imagem. E, sem boas cenas, este sucesso teria mais dificuldades de se propagar.

“Do ponto de vista técnico, é o esporte que melhor se enquadra em imagem. É perfeito, um quadrilátero, em que você bota a câmera como quiser e consegue transmitir o que passa no ringue. Como é (um lugar) pequeno, é possível fazer coisas fantásticas, mostrar o cara suando, dar close, filmar o lutador caindo, estrebuchando...”, completa Castilho, que começou a cobrir a modalidade em seus tempos áureos, na década de 1970, época de pesos pesados estelares, como Muhammad Ali, Joe Frazier e George Foreman.

Nas telas, boas histórias do boxe batem o MMA

Sem nomes como Mike Tyson, Muhammad Ali e tantos outros astros que fizeram a popularidade do boxe subir, o esporte vive sob as asas de minguados ídolos, como o filipino Manny Pacquiao e o norte-americano Floyd Mayweather Jr. Ainda assim, o crescimento do MMA em eventos como UFC ainda não conseguiu virar o jogo quando o assunto é cinema.

“O que se vê no UFC não traz a mesma questão emocional do boxe, é só violência. Ainda não vejo personagens fortes que virem inspiração. Para o cinema, ainda o que vale é uma boa história”, opina Castilho.

ESPECIALISTAS OPINAM SOBRE O BOXE NO CINEMA

"Do ponto de vista técnico, o boxe é perfeito. Você bota a câmera como quiser e transmite o que passa no ringue"

Castilho de Andrade, jornalista
"O boxe só precisa de um diretor sensível e criativo para pegar uma história e transformar em um grande filme."

Ugo Giorgetti, cineasta
"O boxe se presta a expressar na tela o conflito que o homem vive no mundo real, que é violento"

Luiz Carlos Merten, crítico

Violência incomoda biografista de Eder

Desde o primeiro filme de Rocky Balboa, os filmes não têm pudor em exagerar no suor, nos golpes a granel, nos olhos inchados e no sangue. Mas, se isso atrai parte do público, também pode desvirtuar o que realmente acontece no ringue, como alega Ugo Giorgetti.

O cineasta responsável pela biografia de Eder Jofre, “Quebrando a Cara” (1986), vê um exagero nas superproduções e é cético quanto aos novos filmes sobre o tema. “O que se passa no ringue e o que se passa na tela é completamente diferente. É uma violência falsa e empostada a que se vê hoje. Diferentemente de filmes clássicos, como ‘Touro Indomável’”, critica Giorgetti, que também fez a sequência de filmes “Boleiros”, sobre futebol.

“Em ‘O Vencedor’ há uma frase muito boa, quando se diz que boxe é xadrez. Isso é verdade, mas não para o cinema atual. Nos clássicos, o boxe tinha mais do ser humano. O boxe é assim, só precisa de um diretor sensível e criativo para pegar uma grande história e transformar em filme", concluiu.

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