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Brasileiro de 160 kg bate recorde no sumô japonês, usa Cristo Redentor e vira ídolo

Brasileiro Ricardo Sugano (esq.) brilha e leva marcas do Brasil ao sumô japonês - Divulgação/família Sugano
Brasileiro Ricardo Sugano (esq.) brilha e leva marcas do Brasil ao sumô japonês Imagem: Divulgação/família Sugano

Bruno Freitas

Em São Paulo

14/06/2011 12h01

Existe um corpo estranho na elite do sumô japonês na atualidade. Ele pesa 160 kg, mede 1,94 m e, acreditem, é brasileiro. Trata-se de Ricardo Sugano, 24 anos, jovem estrangeiro que acaba de bater um recorde histórico na mais importante categoria da modalidade nipônica e que desponta como ídolo do popular esporte nipônico.

VITÓRIA DE RICARDO SUGANO EM 2007

Há cinco anos no Japão na batalha na carreira no sumô, o paulista Ricardo conseguiu ingressar neste ano na seletíssima categoria Makuuchi, a mais nobre das seis que compõem este esporte no Japão. Apenas cerca de 40 lutadores, ou sumotoris, disputam esta faixa principal. Eles têm suas lutas transmitidas pela TV japonesa e embolsam salários que podem chegar a US$ 28 mil mensais, tirando as premiações.

Na companhia de Sugano na elite, para todo o fanático público japonês ver, uma identificação do lutador com o seu país de origem. Ricardo usa um kesshou mawashi, espécie de cinto para o cerimonial pré-luta, com a imagem do Cristo Redentor e com a bandeira do Brasil. No dohyo (espaço de combate), poucos sabem seu nome real, pois se apresenta com o codinome de Kaisei Ichiro.

"Ele igualou um recorde que há 30 anos ninguém conseguia nessa categoria. Está dando muitas entrevistas por lá", conta orgulhoso Itiro Sugano, pai do lutador brasileiro.

Antes de Sugano, outros quatro brasileiros chegaram à quinta categoria na hierarquia do sumô japonês, a segunda em importância. Sendo assim, os antecessores não conseguiram o feito que Ricardo acaba de comemorar. Em seu ano de estreia na elite, o paulista igualou o recorde de 30 anos exaltado por seu pai, com nove vitórias seguidas. Mais recentemente, Kaisei Ichiro fechou um ciclo de disputas com balanço de dez triunfos e cinco derrotas e foi homenageado com o prêmio “espírito de lutador”.

Atualmente, cerca de 10% dos lutadores entre as seis categorias do sumô japonês são estrangeiros, mas poucos têm chamado tanta atenção quanto Ricardo. Em 2008, ainda em etapa inicial dentro da hierarquia do esporte, o brasileiro e sua batalha foram tema de um documentário da Fuji TV, uma das principais do Japão.

TRADIÇÕES PRINCIPAIS

AOS INICIANTES
É preciso ter no mínimo 1,73 m, 75 kg e ensino fundamental completo
ENSINO OBRIGATÓRIO
História do sumo, filosofia esportiva, poesia e caligrafia
COMIDA DOS GIGANTES
Duas grandes refeições por dia, geralmente um cozido de carne e legumes, e média de 5 mil calorias diárias
FORMATO DE DISPUTA
Seis torneios por ano, três em Tóquio, um em Osaka, um em Fukuoka e outro em Nagoya. Cada um tem duração de 15 dias

Sugano chegou ao Japão dois anos antes disso, com um repertório de poucas palavras conhecidas na língua japonesa, mas muita vontade de aprender. Campeão novato no Brasil, ele teve a chance de ingressar na famosa academia Tomozuna Beya, em Tóquio, na escola que propagandeia formar lutadores desde 1757.

No começo, como novato que se preza, Ricardo teve que passar por uma série de sacrifícios. Como quase tudo na cultura japonesa, o funcionamento da academia prevê devoção silenciosa aos integrantes mais velhos, em troca de recebimento de aprendizado. O brasileiro entrou na Tomozuna Beya ajudando nas tarefas de limpeza e cozinha. Na hora do almoço, precisava ficar de pé ao lado da mesa esperando os veteranos terminarem a refeição, sempre atento para repor o arroz das tigelas assim que elas se esvaziassem.

"Ele sofreu bastante no começo, não sabia falar nada em japonês, mas teve um outro brasileiro da mesma academia que ajudou bastante", relata o pai de Ricardo, em referência ao paraense Eiji Nagahama.

Mas a escalada até a categoria principal conferiu ao brasileiro uma série de novos privilégios. Tradicionalmente, os integrantes da faixa de elite podem, entre outras coisas, lançar sal na arena antes dos combates e vestir quimonos mais grossos durante o frio do inverno.

Para quem vê de fora com olhares pouco respeitosos, o sumô pode ser descrito como um festival de trombadas entre dois gordões usando uma espécie de fralda. Mas existe muito mais conteúdo nesta antiga modalidade japonesa do que uma mera interpretação superficial possa imaginar.

Alega-se que o esporte tem cerca de 2 mil anos de existência e nasceu como parte dos ritos xintoístas, espiritualidade típica japonesa. A devoção do público é das mais fervorosas, com traços de religiosidade. Quem consegue a denominação de Yokozuna, campeão supremo, mais alto grau na diferenciação entre os lutadores, é tratado com status de divindade.

A plateia dos combates da categoria principal costuma ser das mais heterogêneas, mesclando vários tipos de fãs, de senhoras de quimono a membros da máfia Yakuza, que recentemente tiveram descoberta estratégia de usar as posições nas primeiras filas para enviar mensagens aos comparsas através das transmissões de TV.

GLOSSÁRIO BÁSICO DO SUMÔ

Sumotori: lutador
Yokozuna: campeão supremo
Dohyo: arena de luta
Kesshou mawashi: cinto de luta para cerimônia
Shio-barai: arremesso de sal na arena
Rei: cumprimento formal entre os adversários
Kimaritê: golpe decisivo

Existem cerca de mil praticantes de sumô no Brasil hoje em dia. Em São Paulo, o centro de treinamento em que Ricardo Sugano começou atualmente abriga cerca de dez praticantes adultos. Todos eles são treinados por Leandro Monma, que foi o responsável pela orientação do começo de carreira de Sugano e, agora de longe, exalta a fase do pupilo.

"Antes existia muita pressão sobre os estrangeiros no Japão e isso aumentou depois de alguns escândalos de drogas e vendas de resultados. Mas o Ricardo é muito esforçado. E não há nada que o povo japonês mais reconheça do que a disciplina", afirma o técnico.

O recente êxito de Sugano do outro lado do mundo tem provocado euforia na colônia japonesa de São Paulo, após os meses de luto em razão do terremoto na terra dos antepassados. Kaisei Ichiro ganhou recentemente um fã-clube dentro da comunidade, organização que já prepara um grande evento para recepcionar o ídolo em uma visita ao Brasil programada para o fim de julho.

Além da visita ao país, Ricardo Sugano gosta de usar as poucas horas de folga para saciar uma de suas vontades típicas da juventude. O sumotori costuma levar seus 160 kg para passear em parques de diversão nos arredores de Tóquio. Além disso, costuma participar de eventos da comunidade brasileira no Japão. Sem sua veste com o Cristo Redentor, mas, como manda a tradição, trajado como um lutador mesmo em ocasiões sociais.