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Campeã brasileira usa sumô em tratamento de deficientes e lida com desconfiança

Lutadora Luciana Watanabe usa o sumô em projeto de inclusão em Suzano (SP) - Arquivo pessoal
Lutadora Luciana Watanabe usa o sumô em projeto de inclusão em Suzano (SP) Imagem: Arquivo pessoal

Bruno Freitas

Em São Paulo

08/07/2011 07h01

À primeira vista, é difícil imaginar o uso de uma luta esportiva como ferramenta de inclusão social para deficientes intelectuais. No entanto, um projeto em Suzano diz que colhe bons frutos no trabalho com jovens e adultos especiais usando as técnicas do sumô. No comando da inusitada iniciativa, uma campeã da modalidade, que lida com a desconfiança alheia no esforço de levar o trabalho adiante.

Oito vezes campeã brasileira da categoria leve (até 65 kg) e terceira colocada no Mundial de 2010 na Polônia, Luciana Watanabe tirou da cabeça a ideia de usar o sumô em um trabalho da secretaria de educação de Suzano para pessoas com deficiências intelectuais. 

CAMPEÃ EM TRABALHO SOCIAL

  • Arquivo pessoal

    Luciana Watanabe em preparação para combate oficial representando o Brasil entre as leves

  • Arquivo pessoal

    Campeã brasileira trabalha com um grupo de alunos com deficiência intelectual em Suzano

Convencida do poder transformador de sua modalidade, Luciana resolveu há três anos levar sua ideia a superiores da secretaria e familiares de jovens assistidos pela prefeitura, com argumento de que o sumô poderia modificar a maneira com que essas pessoas especiais se comunicam com o mundo.

"No começo é difícil, tinha que falar com cada pai, cada mãe, pedir atestados médicos, explicar que a atividade exigia força, queda", recorda a campeã de 26 anos, formada em educação física.

"Partindo disso, comecei com cinco alunos. Muitos já foram evoluindo, alguns ficaram mais devagar, ainda sem o domínio do corpo. Mas desde o começo fui levando eles em competições amistosas, aí percebia como eles estavam se saindo bem. Mostravam coordenação e, na parte de inclusão social, faziam muitas amizades. É um dos maiores ganhos", diz.

Atualmente, Luciana trabalha com 15 alunos, divididos em duas turmas, com uma aula semanal cada. A campeã brasileira conseguiu levar seu trabalho a um ginásio emprestado pela prefeitura local, onde conta com estrutura básica: uma sala de tatames. A mentora do projeto ainda tem de ajuda para transportar os aprendizes até o local. 

O hábito de levar os alunos a competições convencionais para inseri-los em um ambiente de competição gera, vez ou outra, reações de resistência. A campeã tem mais de um caso a respeito para contar, mas diz que um deles é emblemático.

"Alguns não têm aparência física de ter deficiência. Mas uma vez levei eles em uma competição, e um deles tinha, aparentava. Só iríamos lutar contra faixas brancas de judô. O juiz parou no meio da luta e começou a gritar ‘Não pode lutar, vai machucar’. Disse para ele que a gente treina, que eles entendem as regras, que sabem cair. Depois, outro aluno meu ganhou de um que não tinha deficiência. Ele (juiz) acabou pedindo desculpas", relata.

GLOSSÁRIO BÁSICO DO SUMÔ

Sumotori: lutador
Yokozuna: campeão supremo
Dohyo: arena de luta
Kesshou mawashi: cinto de luta para cerimônia
Shio-barai: arremesso de sal na arena
Rei: cumprimento formal entre os adversários
Kimaritê: golpe decisivo

Luciana diz que, mesmo dentro de seu universo do sumô, existe gente que olha com censura para sua iniciativa. Mas, mesmo assim, mantém sua defesa à inserção de seus alunos deficientes através de competições convencionais.

"Eles se sentem muito bem, se enturmam fácil, cuidam um do outro. Conseguimos a melhora na parte de autoconfiança. O dohyo (espaço de luta do sumô) é como um palco. Quando lutam, todas as atenções estão sobre eles. Esse fato de chamar a atenção faz muito bem para eles", afirma.

"Às vezes a família não deixa. Mas eles melhoraram a coordenação. Tem um deles que repete o dia todo: ‘Sumô, sumô, sumô’. Faz tudo certinho, todos os exercícios, já empurra. A gente testemunha essa transformação. A gente vê que eles conquistam mais condições, ficam mais fortes, ganham mais técnica", conclui.