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Sumô brasileiro vai a Mundial de Combate para deixar de ser "primo pobre"

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

18/10/2013 06h00

Quando histórias e brincadeiras falham, Doroteya Francielle mostra vídeos de suas lutas e ganha a atenção das crianças. Ficam atentas, fazem perguntas e, como a babá, prometem seguir carreira. Depois, como combinado, aceitam dormir. Talvez sejam futuros lutadores de sumô, o esporte de Doroteya, que está em São Petesburgo, na Rússia, para defender o Brasil na segunda edição dos Jogos Mundiais de Combate, de 18 a 26 de outubro.

Com ela, foram as amigas Luciana Watanabe e Ana de Souza. A equipe masculina tem Ricardo Adoyama, Luccas Aburaya, Mario Frabeti e Everton Murakami. Além de lutar por medalhas em um evento de alto nível, com 1300 atletas de 15 modalidades, eles sonham em ver seu esporte ter um pouco mais de ajuda no Brasil. Talvez como o judô, que tem ganho reconhecimento através das décadas.

“O sumô feminino foi criado no ano 2000 como estratégia de ajudar o esporte a ganhar um lugar no programa olímpico. Até hoje não deu certo, mas como a Olimpíada de 2020 vai ser no Japão, as esperanças cresceram”, diz Luciana Watanabe, vice-campeã mundial.

Quem não sonha mais é Willian Takahiro Higuchi, dez vezes campeão brasileiro e técnico da delegação. Técnico que não viajou, pois a passagem não é paga pela organização dos jogos. “Em 2005, fizemos vários projetos pedindo apoio do governo para participar do Mundial. Enquanto analisavam e prometiam, a gente treinava. Na véspera do embarque não teve dinheiro e não viajamos. Muitos lutadores abandonaram o sumô. Eu abandonei a idéia de ajuda. Agora, vou atrás e faço o que der, sem esperar de ninguém. Nós somos casca grossa no sumô”, afirmou Higuchi.

Em 2012, Takahiro fez rifas e pediu ajuda a amigos para disputar o Mundial de Hong Kong. Conseguiu mais do que precisava e dividiu com outros lutadores. “Fazer rifa e passar livro de ouro é comum”, diz Luciana. "É assim que a gente se vira", completou.

Quando falam em falta de apoio, não estão pensando em países como o Japão ou a Rússia. A Venezuela, aqui pertinho, já é motivo de inveja. “O governo deles está apoiando bastante. Estão treinando há três semanas em São Petesburgo e nós só conseguimos embarcar quatro dias antes da luta. Se continuar assim, vão ultrapassar o Brasil como maior força do sumô na América do Sul”, diz Oscar Morio, presidente da Federação Paulista.

No Brasil, há cerca de 500 sumotoris, espalhados em São Paulo, Pará, Rio Grande do Sul e Paraná. Muitos, como as três brasileiras selecionadas para os Jogos Mundiais de Combate, vieram do judô. “Para mim, foi paixão à primeira vista”, diz Ana Souza. “Eu fui me acostumando aos poucos, mas agora não troco por nada”, diz Doroteya.

O sumo é amador em todo o mundo, menos no Japão, onde se pode ganhar muito dinheiro praticando a modalidade. Lá está o brasileiro Ricardo Sugano, que, como todos adotou outro nome. Agora é Kaisei-Itiro. É para lá que pretende ir Lucca Aburaya, 18 anos e 150 quilos. “Estou me preparando, já tentei inscrição em algumas academias, mas o caminho não é fácil. Cada academia só pode ter um lutador estrangeiro”, afirmou.

Na busca de maior apoio logístico e financeiro, os lutadores de sumô se vêem envolvidos em um dilema ético, como explica Takahiro. “Existe o sumô profissional onde se pode ganhar dinheiro, mas mesmo assim não são todos. O sumô amador deve ser encarado não apenas como esporte, mas como uma arte do povo japonês. O sumô pertence ao povo e não se pode comercializar o que não nos pertence. Pode parecer utopia, romantismo, mas é assim. Precisamos de apoio para competir, mas não podemos abandonar nossas crença. Esse é o nosso drama”.

Takahiro termina usando uma analogia comum aos militantes de esquerda. “Muita gente no Japão acha que o judô se rendeu ao capitalismo”.

O sumô é praticado em uma arena circular de 4,27m de diâmetro. Não é uma arena qualquer. É o dohyo, feito de terra. Antes das lutas, os sumotoris jogam sal sobre a arena, para trazer boas vibrações. Algo mais fácil de entender quando se sabe que dohyo significa “terra fértil” e que as lutas começaram no Japão como um festival de agradecimento à boa colheita de arroz. “Foram criadas de forma a imitar uma luta de ursos”, diz Oscar Morio.

A regra é simples: perde quem for lançado fora do dohyo ou quem encostar qualquer parte do corpo – exceto os pés, é claro – no chão. “É um esporte de muita explosão. Não tem tempo de enrolação, não tem cera, por isso as lutas duram pouco. É comum acabar em 10 segundos”, afirma Ricardo Aoyama.

Os sumotoris gostam de dizer que o sumo é a arte marcial mãe. A base para todas as outras. “Há muito mais golpes do que no judô, é preciso muito mais técnica. Não tem onde se segurar, não tem quimono. É apenas o mawashi”, diz Oscar Morio.

O mawashi, a faixa que o sumotori usa na barriga, para proteger a região lombar, pode servir de parâmetro sobre a diferença do judô amador e profissional. É de pano rústico e custa R$ 200. No Japão, é de seda e chega a custar R$ 20 mil. O que daria para o sumô brasileiro participar de muitas competições sem a necessidade de rifas e ajuda de amigos.