Medalhista de bronze no Pan-15 perde verba federal e vira motorista de Uber
Em 2015, um lugar entre os 20 melhores do mundo e uma medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos realizados em Toronto (Canadá). Em 2016, a frustração de não ter conseguido sequer classificação para as Olimpíadas do Rio de Janeiro. Davi Albino, 30, já foi a maior esperança do Brasil na luta greco-romana. Hoje, enquanto se prepara para o Campeonato Brasileiro da modalidade, carrega passageiros pelas ruas cariocas. Sem patrocínios privados e fora do programa Bolsa Pódio, aporte financeiro do governo federal a atletas que tinham projeção de pódio olímpico, o paulista virou motorista de Uber para complementar a renda mensal.
A situação de Albino, detentor de cinco títulos nacionais, virou um retrato da realidade financeira pós-olímpica no Brasil. Beneficiário da Bolsa Atleta desde 2005, viveu durante anos num cruel zero a zero: amealhava dinheiro com o esporte, mas gastava tudo na própria preparação ou em viagens para competir. Só começou a lucrar de fato em 2013, e isso coincidiu com sua ascensão esportiva: em 2015, obteve medalha de prata no Pan da modalidade e bronze nos Jogos Pan-Americanos de Toronto. Chegou a ocupar o 20º lugar no ranking mundial da categoria até 98kg e a 13ª posição na classificação depurada para as Olimpíadas do ano seguinte.
No entanto, Albino não conseguiu classificação para a Rio-2016. Em vez disso, ingressou em uma estatística cruel para o esporte brasileiro: 40% dos beneficiários da Bolsa Pódio falharam na tentativa de obter vaga nas Olimpíadas. A ideia do dispositivo era funcionar como gatilho para atletas consolidados, que pudessem ajudar o país a angariar mais medalhas em casa. O aporte federal, com cotas de R$ 5 mil a R$ 15 mil mensais, chegou a 201 esportistas. Apenas 123 estiveram de fato nos Jogos.
Sem participação na Rio-2016 e sem resultados que o sustentassem nas primeiras posições do ranking mundial, Albino deixou de ter acesso a um benefício que partia de R$ 5 mil e voltou a ser elegível apenas à Bolsa Atleta, cujo teto é de R$ 1.850. Além disso, precisou conviver com ajustes financeiros da CBLA (Confederação Brasileira de Lutas Associadas). A entidade ainda não renovou contrato com a Caixa Econômica Federal, sua principal patrocinadora no ciclo anterior, e já fez cortes – reduziu o calendário e encerrou o regime integral da seleção brasileira, cujos atletas treinavam e moravam em estruturas bancadas pela instituição.
“A confederação já estava ciente que após um ciclo olímpico no Brasil haveria algum tipo de redução ou ajuste. Trabalhamos com essa possibilidade. Obviamente, atletas de diferentes níveis têm diferentes necessidades. Cada um está buscando se adequar à situação”, disse Roberto Leitão, superintendente da CBLA, em entrevista ao UOL Esporte.
Albino, portanto, teve uma queda na arrecadação mensal e um incremento nos custos. Foi isso que levou o lutador a procurar um complemento de renda – e o que motivou a transformação do atleta em motorista de Uber.
“Ele não tem de pedir autorização. É a vida dele. Alguns atletas estudam, outros trabalham. Se um atleta busca uma melhor qualidade de vida e não está convocado para a seleção brasileira, nós só apoiamos e respeitamos”, contou Leitão. “É dentro do esperado pela situação do esporte brasileiro. É uma pena que o atleta não tenha uma condição de se sustentar ao nível desejado de cada um. Obviamente, tem gente que está satisfeito com o Bolsa Atleta nacional. É uma pena que nem todos tenham acesso a benefícios maiores”, complementou.
Além do aporte federal, Albino é atleta da Marinha. Recebe, portanto, um benefício oriundo do plano esportivo das Forças Armadas. O UOL Esporte tentou contato com o lutador, que atualmente está concentrado para o Campeonato Brasileiro da modalidade, agendado para os dias 11 e 12 de março. Ele não quis falar antes da disputa.
Ex-morador de rua, lutador já foi à Justiça contra o governo
A dificuldade do período pós-olímpico é apenas mais uma para a trajetória de Davi Albino. Nascido em São Paulo, o lutador de 1,87m precisou morar na rua depois de a mãe ter perdido a casa em que a família vivia, no Capão Redondo, zona sul da capital. “Infelizmente, ela tinha um namorado envolvido com drogas”, relatou em 2016, em entrevista ao hebdomadário global “Altas Horas”.
Albino tinha quatro ou cinco anos quando foi morar em uma praça em Moema, outro bairro da zona sul. Chegou a ser abrigado por conhecidos, mas rechaçava ficar longe da mãe e sempre fugia para encontrá-la.
O início do lutador no esporte aconteceu apenas porque o Centro Olímpico, espaço poliesportivo situado perto da praça em que Albino vivia, distribuía um lanche após os treinos.
Após ter sido fisgado pelo estômago, o atleta começou a acumular resultados expressivos. No ciclo olímpico passado, mudou-se para o Rio de Janeiro e conseguiu dinheiro para reformar a casa da família no Capão Redondo.
Em agosto, porém, a casa em que Albino vivia no Rio de Janeiro foi invadida. Segundo boletim de ocorrência registrado pelo lutador, foram furtados itens como TV, notebook, dinheiro e até as malhas de competição.
Albino era, àquela altura, uma das grandes esperanças do Brasil para a luta olímpica na Rio-2016. Meses depois, não conseguiu classificação para os Jogos e acabou virando protagonista de uma disputa judicial. Em dezembro, acionou o governo federal na Justiça por interrupção no pagamento da Bolsa Pódio. Alegou ter direito a cinco parcelas de R$ 8 mil não depositadas.
Na época, o Ministério do Esporte disse ter deixado de pagar Albino porque o atleta não se classificou para os Jogos Olímpicos. Para isso, usou como base o artigo 1º da Portaria nº 83 do Ministério do Esporte, que foi o dispositivo responsável pela criação do Plano Brasil Medalhas.
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