Por que Hitler elogiou o boxe e o jiu-jítsu em seu livro "Minha Luta"?
Escrito entre 1925 e 1926 por Adolf Hitler, o livro "Mein Kampf" ("Minha Luta") contém as bases do pensamento nazista que o extremista implantaria a partir de sua consolidação como ditador da Alemanha em 1933. Entre comentários antissemitas e relatos sobre sua juventude, Hitler fez um elogio a dois esportes populares na época. Em capítulo sobre como deveria ser treinada a milícia nazista, formada por jovens dispostos a defender os ideais do partido, o tirano escreve:
"Eu sempre considerei o boxe e o jiu-jítsu mais importantes do que algum tipo de treino ruim e medíocre de artilharia."
No texto, Hitler argumenta que a milícia nazista não deveria receber treinamento propriamente militar e, sim, esportivo. A importância dos esportes para a formação de "soldados da pátria" é mencionada também em outras passagens do livro, cuja publicação foi proibida no Brasil em 2016. O historiador José Tufy Carius, autor de uma tese de doutorado sobre a história do jiu-jítsu, ajuda a contextualizar a menção às duas artes marciais. Ele destaca que, na primeira metade do século 20, era considerado moderno quem dedicava seu tempo aos esportes.
"A partir do começo do século 20, o jiu-jítsu é utilizado como escola de educação física para o adestramento do corpo e a da mente de cidadãos modernos, independente de afiliações ideológicas", afirma o historiador, doutor pela Universidade de York, no Canadá. "O jiu-jítsu e o judô foram, em diversas ocasiões, utilizados como atividade física sintonizada com regimes nacionalistas e autoritários. Isto ocorreu no Japão, no auge do militarismo pré-Segunda Guerra, no Brasil, no período da ditadura Vargas e no regime militar (1964-1985). Porém, as artes marciais também foram utilizadas pelos movimentos de esquerda, na década de 1920 e 1930, como defesa pessoal, como elemento de coesão e para fortalecer os corpos de operários", conta.
"Portanto, a menção de Hitler ao boxe e ao jiu-jítsu está em consonância com as ideias da época, embora o nazismo fosse levar ao extremo as teorias pseudocientíficas preexistentes baseadas nos ideais eugênicos", conclui o pesquisador.
De fato, o livro de Hitler defende as vantagens que a prática esportiva traria. Mas ele também aponta a luta corporal como alternativa para a resolução de conflitos pessoais. Afirma ele sobre o boxe: "Não há esporte equivalente em desenvolver um espírito de militante nem que demande tanto o poder da decisão rápida ou que dê ao corpo a flexibilidade do aço. [...] Alguém que é atacado e se defende com os punhos certamente não é menos homem do que aquele que corre gritando por ajuda da polícia."
É bem conhecida a relação entre o nazismo e o boxeador Max Schmeling, campeão mundial dos pesos-pesados e usado por Hitler como ferramenta de propaganda de seus ideais de superioridade racial. Já a história do movimento extremista com o jiu-jítsu é menos conhecida. É importante lembrar que Hitler menciona em "Mein Kampf" o jiu-jítsu japonês, e não o brasileiro, que começaria a se formar em princípios do século passado no Rio de Janeiro, a partir dos treinos da família Gracie e seus alunos.
O jiu-jítsu japonês ganhou muita popularidade na Alemanha depois da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905). Vencedores, os orientais passaram a ser admirados na Alemanha, e suas técnicas milenares de luta invadiram o país, conquistando parte da juventude. A historiadora Sarah Panzer, doutora pela Universidade de Chicago, afirma que a primeira academia de jiu-jítsu da Alemanha foi inaugurada em 1906. Em 1923, já havia 13 espalhadas pelo país.
Um curioso caso de aculturação teria então ocorrido. Em panfletos produzidos pelo partido nazista, o jiu-jítsu japonês aparece como uma atividade "fundamentalmente alemã", cujas raízes estariam nas lutas medievais praticadas no território do país.
Como se sabe, os governos da Alemanha e do Japão estreitariam seus laços políticos e lutariam no mesmo lado durante a Segunda Guerra Mundial, da qual ambos saíram derrotados. "Nunca vi até hoje nada parecida com a aculturação germânica do jiu-jítsu no período pré-Segunda Guerra", escreveu o cientista social Benjamin N. Judkins, ao comentar o trabalho de Panzer.
"Eles não perderam tempo para substituir a identidade japonesa da arte pelo seu leque próprio de valores alemães e nacionalistas [...] Os atletas alemães certamente conheciam seus irmãos japoneses e sabiam o que acontecia do outro lado do Pacífico. Ainda assim, sem pedir desculpas, eles declaram a si mesmos mestres da melhor arte", completou.
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