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Royce diz que atuais astros se dariam mal no UFC de 20 anos atrás

Royce Gracie foi o primeiro campeão do UFC e ainda venceu o segundo e o quarto torneios - Divulgação
Royce Gracie foi o primeiro campeão do UFC e ainda venceu o segundo e o quarto torneios Imagem: Divulgação

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

08/03/2013 06h00

O UFC é conhecido por ser um mundo de lendas, astros e lutadores que são considerados quase como superheróis. Para cada uma destas estrelas que surgiu durante os últimos 20 anos da organização, uma sombra surge lá ao fundo: é Royce Gracie, o primeiro campeão do evento que mais tarde se tornaria o mais importante do mundo. Irmão do fundador, Rorion, ele foi escolhido a dedo para mostrar a força do jiu-jítsu, em uma época em que as artes marciais não eram misturadas e as regras quase inexistiam.

Para iniciar a série do UOL Esporte sobre os 20 anos do Ultimate - que se completa no próximo dia 12 de novembro - nada melhor do que falar com o primeiro campeão do torneio. Royce Gracie atendeu à reportagem para uma longa conversa, logo depois de levar a filha ao balé. Relembrou o passado, analisou o presente e admitiu ter saudade do octógono. E, para quem acha que os superatletas moldados por diversas artes marciais de hoje poderiam colocar medo no carioca, ledo engano.

Questionado se acha que teria dificuldades caso, hipoteticamente, enfrentasse a atual geração, Royce foi enfático. “Você quer dizer que o Muhammad Ali não teria chance hoje? Que o Pelé não teria chance contra o Neymar? Eu queria é ver os caras de hoje lutarem como era antes. É muito difícil comparar tempos, mas ninguém luta hoje se não for do mesmo peso. Um quilo acima, e o rival não luta! Sem limite de tempo, com três lutas por noite, quero ver quem aguentaria”, provocou ele, hoje aos 46 anos.

Apesar disso, o filho de Hélio Gracie não é crítico de Anderson Silva, Jon Jones e seus pares. “Esses caras são bons e por isso são os campeões. Não são apenas casca grossa, eles sabem usar a estratégia. Por isso parece fácil, eles sabem tirar os rivais dos jogos deles”, completou.

Royce representou um período muito diferente na história do UFC. A companhia foi criada pelo seu irmão, Rorion, com a ideia de confrontar estilos de artes marciais e provar qual era o mais completo. É claro que a intenção era provar que o jiu-jítsu era a melhor das artes, e foi isso que eles dizem ter deixado claro depois do magrinho brasileiro ser campeão dos UFCs 1, 2 e 4, somando 11 vitórias seguidas, todas por finalização.

“Tenho muito orgulho de ter sido o primeiro campeão do UFC. Seria muito difícil alguém repetir aquilo e, como na segunda edição, vencer quatro lutas em uma noite. Hoje não é mais o que o meu irmão criou: ele queria descobrir o melhor estilo e, com o puro jiu-jítsu, ganhamos de todos os adversários”, analisa ele, que aceita as regras de hoje, mas diz que o irmão fez bem, anos depois, em vender a empresa. “Sempre apoiei o Rorion, mas eles foram obrigados a aceitar as regras, ou o show não existiria hoje. Seria banido.”

“Eu fazia as lutas parecerem fáceis”

A família Gracie tem uma aura de confiança. Medo? Essa palavra nem existe no vocabulário do clã, segundo Royce, mesmo que ele tenha enfrentado rivais gigantes ou que tenha sido escalado para lutar o UFC não pela qualidade, mas por ter o corpo franzino, que aparentava fragilidade diante dos outros competidores naquele dia 12 de novembro de 1993. “Se tivesse medo, não tinha entrado no ringue, malandro”, ri ele.

NÚMEROS DE ROYCE

  • 19

    LUTAS

    Fez Royce no vale-tudo/MMA: 14 vitórias, 2 derrotas e 3 empates

  • 5

    MINUTOS

    Bastaram para Royce vencer três lutas e faturar o UFC 1, em 1993

  • 1

    HORA...

    ... e meia durou o épico combate contra Sakuraba em 2000; o japonês venceu

  • 11

    VITÓRIAS

    ... por finallização Royce teve no UFC, um recorde até hoje

    Royce chegou aos Estados Unidos convidado por Rorion. O irmão dava aulas de jiu-jítsu em sua garagem e começou a chamar a atenção de famosos - Mel Gibson e Chuck Norris foram alguns dos alunos dos Gracie. Mesmo sem falar uma palavra de inglês, o irmão mais novo se manteve no país estranho, dando aulas o dia inteiro e aproveitando estas aulas para afiar seu próprio jogo rumo ao UFC.

    Mas foi no octógono que ele realmente mostrou sua voz. “Rapaz, não tem luta fácil, nunca teve. Nem hoje. Parecer que eu venci uma luta fácil é uma coisa, ser fácil é outra”, conta Royce. “Pega o exemplo do Akebono Taro, que era do sumô. Todo mundo falando: ‘ele tem 220 kg, é um monstro, uma pedreira, não dá pra finalizar’. Depois os comentários eram outros: ‘Ele é lento, é gordo, não sabe se mexer...’. Eu conseguia fazer uma luta parecer fácil.”

    Um dos segredos de Royce era a união com a família. Aquele trenzinho Gracie que se encaminhava ao octógono era uma mostra de algo que se repetia nos dias anteriores: para onde o lutador ia, os outros integrantes da família iam atrás, fosse para almoçar, descansar ou treinar. Rickson e Royler sempre estavam presentes ao seu lado, além do próprio pai, Hélio.

    Royce chegava uma semana antes aos locais das lutas - o UFC 1 foi em Denver - para se aclimatar e participar das reuniões técnicas. Sem pesagem, bastava entrar na jaula. E, depois de fazer seu serviço no octógono, não havia tempo para comemorar. “Uma coisa que aprendi com meu pai foi: festejar o que? Fiz meu serviço, meu trabalho. Meu pai sempre foi contra celebrar. Você bateu no seu adversário. Vai festejar, humilhar ainda mais o cara?”, explica ele.

    Lutador ‘tira onda’ e não escolhe sua luta preferida

    • Com o passado que teve, Royce Gracie não se safa de falar exaustivamente do que passou. E, na hora de escolher sua luta preferida, ele tira onda, em um texto quase decorado: “Deixa eu pensar aqui: lutar três vezes no UFC 1? Não... Quatro lutas na mesma noite, no segundo UFC? Não... Lutar contra um cara de 120 kg, como o Kimo Leopoldo? Não, esquece... Contra o Dan Severn, bom de wrestling? Não, esquece essa também... Talvez o Sakuraba: 1h45 no ringue contra ele? Também deixa essa de lado. Akimono, com seus 220 kg? Hmmm... Tá difícil de escolher uma luta só”, gaba-se ele.

    Saudade e satisfação

    Passados 20 anos da sua primeira conquista, o carioca esta satisfeito com o reconhecimento do público e do próprio UFC. Ele foi o primeiro integrante do Hall da Fama e hoje é paparicado: basta querer assistir a um evento, e ganha ingressos na hora.

    Apesar dos 46 anos, Royce segue com um coração de atleta e não perdeu o espírito competitivo de outrora. Questionado se sente saudades de lutar, ele confessa: “Sempre! Isso é difícil, mas você tem que saber a hora de parar. Eu parei bem, cumpri minha missão”, conclui.

    Memórias de crescer entre os Gracie

    • Royce fala com saudade quando relembra a infância dentro da família que espalhou o jiu-jítsu brasileiro, criado por Carlos e Hélio Gracie. "Cara, nós temos nossa tradição, tudo isso é natural para nós. A gente cresce, por exemplo, vendo a Dieta Gracie. Olhamos para os outros e nos perguntamos, 'como você não é da dieta Gracie?'. É o natural, o que os outros fazem é que parece errado. O jiu-jítsu é assim também, nascemos lutando, com um espírito forte". Sobre o pai, a lição que Royce guarda até hoje é de não apenas falar, mas ir para a ação: "Ele era um cara que fazia as coisas, servia como exemplo. Ele não mandava, ele ia fazer. Até na fazenda é ele quem servia de exemplo, pegava na enxada com peão, para mostrar como se fez. A mesma coisa com o jiu-jítsu e com a vida em geral."