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Lutador brasileiro se perde no crack, vira "mendigo" e tenta recomeço

Fernando Tererê (esq.), pentacampeão mundial de jiu-jitsu - Reprodução/Facebook
Fernando Tererê (esq.), pentacampeão mundial de jiu-jitsu Imagem: Reprodução/Facebook

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

15/03/2013 06h00

Um dos maiores talentos do jiu-jitsu brasileiro tenta a recuperação no tatame depois de anos na luta contra as drogas e de perder, por conta do vício, principalmente em crack, quase tudo o que conquistou no início da carreira. Recuperado, busca não só a redenção no esporte mas também ajudar a evitar que outras pessoas tomem o mesmo caminho.

Fernando Augusto da Silva, mais conhecido como Fernando “Tererê”, tem 33 anos, é graduado pela equipe Alliance e, considerando todas as categorias nas quais competiu, já foi pentacampeão mundial de jiu-jitsu. Venceu duas vezes na preta, a mais tradicional, e uma em cada na azul, roxa e marrom. Ele possui também cinco títulos nacionais.

Todas as conquistas foram entre o final da década de 90 e o começo de 2000, quando passou a se envolver com as drogas. De 2004 até 2012, foram tentativas frustradas de conduzir a carreira em paralelo ao consumo de drogas. Tererê internou pelo menos três vezes desde 2004. Mas não adiantava.

“Nasci vendo pessoas usando drogas, mas não me envolvia, não conhecia o prazer daquilo. Depois de um tempo caí de gaiato, sem conhecimento. Comecei a usar e aquilo foi sendo um remédio e me viciando. Tomou conta do meu corpo e da minha mente e fez com que eu desabasse. Aí minha carreira foi por água abaixo. Não me dedicava mais ao esporte, não queria saber mais de nada. Vivia na rua”, lembrou Tererê, em entrevista ao UOL Esporte.

“Fiquei parado quase esse tempo todo [de 2004 a 2012]. Não botava quimono, não fazia esporte nenhum...era só cracolândia, baile funk, droga na rua, na praia, em casa...perdi o rumo. Sabe o que é uma pessoa sem rumo? Onde eu via uma fumaça, queria estar”, continuou.

O vício fez com que o lutador perdesse tudo o que ganhou. Perdeu desde as franquias de sua academia, que começava a fazer sucesso por suas várias conquistas e nome relevante no esporte, até roupas e utensílios domésticos.

“A vida que eu tinha estava me levando para a morte. Não tinha mais vida decente, não comia direito, não tinha grana. Perdi minhas academias, não tinha roupa mais. Parecia um mendigo”, explicou. “Perdi muito, perdi muito. Se eu tivesse R$ 300,00  na mãos, era gasto em papelote. Nem isqueiro eu comprava”, afirmou.

Das drogas que quase acabaram com a carreira de Tererê, a principal foi o crack. Mas ele conta que teve experiência com várias delas. “O crack foi o que mais atrapalhou, mas eu queria experimentar tudo. Cheirava cola, usava crack...cheguei a pesar 64 kg. E hoje estou com 82 kg”, disse.

“O crack é o que mais mexeu comigo. É uma mistura venenosa. Quanto mais você fuma, mais você quer. Machuca demais o seu corpo. Todas machucam, na verdade. Mas o crack te deixa muito mais inconsciente”, explicou.

Depois de setembro do ano passado, após sua quarta internação, Tererê enfim não teve mais recaídas. Diz que os pais e amigos mais próximos foram fundamentais na reviravolta. Decidiu, depois de enfim se sentir seguro contra recaídas, a voltar com tudo ao esporte.  

“Graças a Deus eu me superei, tive amigos, família e pessoas que não me abandonaram e deixei tudo de lado. Agora voltei e estou construindo tudo de novo que perdi antes.”

Reabriu sua academia, agora no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro. Ela leva seu nome, foi reinaugurada em janeiro e tem aproximadamente 23 alunos.

Tererê passou a voltar a disputar competições. De outubro do ano passado pra cá, venceu um torneio no México, um em São Paulo e foi vice-campeão em uma competição na Europa. Se prepara para o Mundial de jiu-jitsu, que será realizado em junho, nos Estados Unidos.

“Pretendo agora procurar patrocínio e suporte para voltar a lutar em 100% e ser o lutador que fui antes. O tempo vai passando, e a nova geração está vindo com tudo.  Tenho voltar com tudo”, falou, empolgado.

Uma das principais missões a fazer pelos alunos e pessoas próximas é evitar que eles cometam o mesmo erro. “A minha academia tem projeto social e dou oportunidade pra quem é do morro estar lá. Não quero vê-los irem pra onde fui.  No que eu puder alertar hoje, vou fazer. Sei o que é a pessoa passar nesse buraco e cair.”


Vitória contra lenda do MMA

Em um dos Mundiais de jiu-jitsu que foi campeão, na faixa marrom, Tererê venceu nas quartas de final o havaiano B.J. Penn, umas das lendas do UFC. Penn é um dos dois únicos lutadores da maior organização do mundo de MMA, ao lado de Randy Couture, que já conquistou cinturão em duas categorias diferentes.

O havaiano foi também o primeiro atleta não brasileiro a conquistar o título de um Mundial de jiu-jitsu de kimono em faixa preta, em 2000.

Fernando Tererê já tentou o MMA há alguns anos, mas não se adaptou. Pensa hoje em atuar como técnico de sua especialidade para algum atleta de ponta do MMA que deseje aprimorar seu jiu-jitsu.

“Muitos atletas do MMA procuram o jiu-jitsu pela base do chão. Eu tenho em mente um projeto de auxiliar como técnico algum craque do MMA, isso vai ser muito bom. Até migrei um tempo para o vale tudo, mas não era o meu forte, meu forte sempre foi o pano, o jiu-jitsu  de quimono.”