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Ciclista que perdeu braço se reencontra nas lutas e inspira até Minotauro

Jorge Corrêa

Do UOL, em São Paulo

28/08/2013 07h00

Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro davam a aula inaugural de mais uma academia Team Nogueira em São Paulo quando um rapaz franzino chegou com um capacete na mão e roupa de ciclista. Seu rosto era familiar, mas não por um bom motivo. Era David Santos, 21 anos, limpador de vidros que foi atropelado na av. Paulista em março e perdeu um braço – o atropelador estava bêbado e jogou o membro do jovem, que tinha ficado preso ao carro, em um córrego.

Assim como já tinha mostrado em entrevistas que deu após o acidente, até bem pouco tempo depois dele, David mantém a animação e vê na amputação apenas mais um dos muitos obstáculos que a vida pode dar a uma pessoa. “Eu continuo minha vida normal, apenas mudei minhas rotinas. Tenho muita fisioterapia, estudos e continuo praticando muito esporte”, explicou.

Já com alguma experiência com lutas antes do atropelamento – treinou capoeira, jiu-jítsu e boxe – ele começou a praticar muay thai há dois meses por incentivo do namorado de sua irmã, o agora seu mestre Marcelo “Sagat”. “Ouvi a história dela e o chamei para conhece-lo. Admito que no começo tive até dó dele, mas agora, tenho dó de mim, de ter todos os membros e não ter a vontade que ele tem.”

“Sempre gostei de lutas e sempre fui muito ligado a esportes radicais, coisas com muita adrenalina”, contou David, que mesmo com pouco tempo treinando o boxe tailandês, já tem uma boa movimentação. “Todo mundo pode fazer o que quiser da vida. Ela não para, sofri o acidente, mas tive de continuar. Se você cai, você levanta, como em uma luta.”

Souza diz não ter pretensão de se tornar lutador profissional de muay thai ou de ir para o MMA, mas Sagat já sonha com voos maiores para o aluno. “Ainda tenho de trabalhar muito a mudança de guarda dele, por ele não ter um braço, mas sei de um menino do Sul que também é amputado e luta. Quero tentar casar essa luta entre eles para daqui três meses. Acho um trabalho importante de divulgação.”

E não é apenas no tatame que David se identifica com a luta. Ele contou ao UOL Esporte que acompanha o UFC desde muito novo e aponta Anderson Silva, José Aldo e Rodrigo Minotauro como seus principais ídolos. “Acho que o momento que mais me marcou como torcedor foi o chute do Anderson no Vitor Belfort. Aquele momento foi demais, só me deixou ainda mais ligado ao esporte.”


Inspiração para lenda

Ele teve um problema muito maior e continuou a viver normalmente, não deixou de fazer as coisas que gosta. É uma lição de vida e de esperança para todos nós

Rodrigo Minotauro

David continuará treinando na maior parte do tempo em uma academia perto de sua casa em Diadema, na Grande São Paulo, mas fará alguns trabalhos na Team Nogueira recém-inaugurada na zona norte da capital. Ele foi uma das estrelas da festa de inauguração, quando pode conhecer os irmãos Nogueira. Depois dessa aula inaugural, já era íntimo das duas lendas do MMA.

“Esse cara é um exemplo, para mim e para todos os brasileiros. Acho que muita gente, como eu, se identificou com ele, porque todo mundo já passou por algum aperto na vida, com certeza muito menores que o dele. Ele teve um problema muito maior e continuou a viver normalmente, não deixou de fazer as coisas que gosta. É uma lição de vida e de esperança para todos nós”, disse Minotauro, que ainda se recupera de uma lesão. “Eu peguei muito o exemplo desse cara. Preciso admitir que depois que o conheci ontem, pensei nele a noite inteira.”

Continua pedalando muito

Para quem pudesse imaginar que David Souza teria algum tipo de trauma por conta do acidente, se enganou. E muito. Como disse lá em cima, ele chegou à academia com roupa e equipamento de ciclismo. O jovem contou que voltou a andar normalmente e fazer todos os seus compromissos de bicicleta.

“Saí cedo de casa em Diadema e fui até a João Dias para fazer aula de direção. Depois ainda fiz fisioterapia antes de vir para cá na zona norte”, contou David sobre o percurso de, pelo menos, 50 quilômetros que fez durante o dia. “Cara, ainda errei umas duas pontes, na marginal, antes de chegar aqui.”

Souza até tentou voltar a trabalhar, mas ainda não teve tempo para retomar uma profissão por conta da fisioterapia com a prótese especial que vai usar, dos treinos de musculação e das aulas de direção que está fazendo. Mas ele não nega que o esporte, principalmente as lutas, pode mudar – mais uma vez – o rumo de sua vida. Ele já mostrou que mudanças não são problemas.