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Orgulho de rival japonês, 'vale-tudo' fracassado quase custou perna a Ali

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

27/11/2013 06h00

O ano era 1976, e Muhammad Ali já havia consolidado sua posição como um dos maiores pesos pesados da história do boxe. As bolsas do norte-americano giravam em torno dos milhões, e os desafios se escasseavam. Neste cenário, o falastrão Ali questionou um dirigente japonês ligado à luta livre: “não tem nenhum oriental para me desafiar? Dou US$ 1 milhão se vencer”. Era a deixa para um combate percussor do vale-tudo e que hoje é quase esquecido. Um confronto, na verdade, cheio de regras e que quase custou uma perna ao astro.

Quem assumiu o desafio foi o japonês radicado no Brasil Antonio Inoki, uma estrela do pro wrestling (a luta livre combinada, muito famosa no Japão e nos EUA) que já fazia desafios entre modalidades de luta. O duelo foi marcada para 26 de junho no Nippon Budokan, em Tóquio.

“Na época, a luta livre era considerado uma marmelada. Como eu era lutador de luta livre, resolvi desafiar o Muhammad Ali para mudar a opinião pública. Vencendo ninguém poderia dizer que e marmelada”, afirmou ao UOL Esporte o hoje empresário e político Inoki, defendendo as encenações de sua modalidade.

O detalhe é que a disputa não seria de boxe. O formato foi uma das grandes discussões: pensada para ter um enredo combinado, acabou virando um vale-tudo, pois Ali não aceitou ser derrotado na “história” proposta. Em outra versão, a de Inoki, era o campeão de boxe quem achava que seria uma exibição e que só ao chegar ao Japão e ver seus treinos é que percebeu que teria de lutar de verdade.

O fato é que acabou sendo criado um vale-tudo cheio de regras, com ajustes definidos dias antes do evento e que levaram a um combate chato. Um verdadeiro fiasco.

“Eu era lutador e ao mesmo tempo empresário. Precisava realizar o evento de qualquer maneira, por isso fui obrigado a aceitar quaisquer regras, mesmo que fossem totalmente negativas para mim. Mas tinha convicção de que venceria de qualquer maneira”, conta Inoki. A rivalidade estava exacerbada por uma crise política entre Japão e Estados Unidos, e Ali chegou a clamar em provocação: “aqui não terá Pearl Harbor”.

Entre as regras especiais criadas para a luta e que não foram, a pedido de Ali, divulgadas ao público, a maioria delas era prejudicial a Inoki. Ele não podia derrubar Muhammad Ali, não podia partir para a luta agarrada no solo e só podia dar chutes se estivesse com um joelho no solo. Com isso, os organizadores acabaram matando a emoção do combate, que acabou com vaias e os japoneses pedindo o dinheiro de volta.

 

“Naquele evento eu fiquei muito endividado. Porém, consegui abrir o caminho para as lutas de arte marcial e hoje é reconhecido no mundo inteiro. Por isso eu me considero satisfeito de ter realizado o evento”, explica o japonês.

Com 15 rounds de duração, o duelo foi praticamente um monólogo de Inoki. Ele se apegou à regra dos chutes com um joelho no chão. Fez praticamente isso o tempo todo. Em outros momentos, ficava apenas deitado com as costas no chão, chamando Ali, que só rondava o oponente.

Muhammad Ali acreditava que com seus jabs manteria o rival à distância: ‘o que é o caratê dele de longe? Nada. Quando jabbear o suficiente, nocautearei ’. Mas não desferiu nem uma dúzia de golpes, no total. O primeiro foi apenas no sétimo assalto. O japonês ainda teve deduzidos três pontos em um momento em que acertou uma cotovelada em Ali no solo, e isso determinou o resultado: um frio empate.

Lesão de Ali e risco de amputação

Apesar de pouco atrativa, a tática de Inoki no combate foi efetiva. Seus chutes machucaram muito as pernas de Ali, que chegou a ter detectados dois coágulos após a disputa. A gravidade foi tão grande que ele teve risco de perder uma das pernas.

Ali ficou internado por duas semanas quando retornou aos Estados Unidos e viu arriscada sua participação na luta contra Ken Norton, marcada para setembro daquele ano. Integrantes de sua equipe inclusive colocaram em dúvida seu físico nos combates seguidos, dizendo que o norte-americano nunca recuperou totalmente sua mobilidade devido ao forte castigo que tomou.

“Foi uma luta terrível, embaraçosa”, disse o promotor Bob Arum, à época. “Mas Ali estava sangrando nas pernas. Ele pegou uma infecção, quase teve de ser amputado! Não apenas a luta com Ken Norton poderia ter sido cancelada, mas Ali poderia ter ficado aleijado pelo resto da vida.”

Inoki hoje fala com saudosismo do combate. “Eu e Ali, ambos imaginávamos ser o mais forte do mundo. Cada um representava a sua modalidade. Foi muito difícil, mas hoje eu tenho orgulho de ter realizado aquela luta”, analisa ele, que afirma que o combate será lançado em uma versão em DVD, marcando os 40 anos de sua realização, em 2016.

Apesar de se dizer endividado, o combate valeu US$ 6 milhões a Ali e US$ 2 milhões a Antonio Inoki. Estima-se que 1,4 bilhão de pessoas assistiram à disputa, sendo que a arena em Tóquio recebeu quase 33 mil pessoas, lotação máxima.

Muhammad Ali voltou ao Japão em 1998, quando Inoki fez seu combate de despedida, após 38 anos na luta livre. O ex-pugilista subiu ao ringue, abraçou Inoki e um interpréte leu um discurso – devido às dificuldades de movimento de Ali, fruto do mal de Parkinson.

“Era 1976 quando enfrentei Inoki aqui em Budokan. No ringue, fomos duros oponentes. Depois, construímos uma amizade e mútuo respeito. Então, me sinto um pouco menos sozinho agora que ele se retira. É minha honra estar aqui ao lado de um bom amigo depois de 22 anos”, disse Muhammad Ali.

Relação com o Brasil

Hoje Inoki é um empresário e político no Japão e mantém relação com o Brasil, principalmente por meio de Wallid Ismail, presidente do evento de MMA Jungle Fight.

“Somos amigos de muitos anos. Um dia, em Los Angeles, no meio da conversa o Wallid me disse que ia realizar um evento em Amazonas. Eu achei interessante e sugeri se poderia realizar dentro de uma selva, pois para os japoneses era uma novidade. Wallid concordou e realizamos o primeiro Jungle Fight no Ariaú Amazon Towers”, explicou ele, citando um hotel famoso em Manaus, com cenário de “selva”.

Inoki, que recentemente completou 70 anos, reforçou o laço nos últimos anos com o Jungle Fight. “Espero que o Jungle Fight cresça cada vez mais e se expanda para o mundo afora”, concluiu Inoki, que diz não acompanhar o UFC com intensidade, mas que admite ser o maior evento de MMA do mundo.

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