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Testes surpresa escancaram problema de doping no UFC e atingem até estrelas

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

04/08/2014 06h00

Desde os tempos de vale-tudo, o MMA nunca deixou para trás a sombra do doping e os questionamentos em relação aos lutadores e a possíveis abusos no uso de substâncias ilícitas. O ano de 2014 tem marcado uma nova escalada no combate aos métodos ilegais de preparação, com comissões atléticas apertando o cerco. O resultado é um grande número de flagras com substâncias utilizadas para melhora na performance, escancarando que as estrelas do UFC que burlam as regras podem ser – e já estão sendo - desmascaradas. E o número promete aumentar.

Um trio de astros foi pivô das maiores discussões, com Chael Sonnen, Wanderlei Silva e Vitor Belfort chamando as atenções por suas controvérsias. Mas as medidas vão mais fundo. Da base à elite todos tem a temer agora por dois motivos: a maior aplicação de testes surpresa, a qualquer momento de um período de treinos, e o aumento da gama de substâncias que estão sendo procuradas em amostras de sangue e urina.

Até aqui em 2014, comissões atléticas e o UFC anunciaram oito casos de atletas que foram flagrados com níveis anormais de substâncias proibidas – contamos, entre eles, Vitor Belfort, que não foi punido por um nível de testosterona além do comum. O número total é menor que o visto no mesmo período de janeiro a julho de 2013, com dez. A diferença fundamental é que no ano passado, metade das punições foram por uso de maconha, que rendem penas mais brandas e não impulsionam o lutador de forma ilegal. Agora, são os chamados PEDs (drogas para melhora na performance) que lideram a lista, com sete.  E esta é a briga em que as comissões atléticas estão engajadas.

Belfort foi protagonista da primeira grande mudança, no começo do ano, quando o TRT (tratamento de reposição de testosterona) foi proibido, principalmente por críticas de que a falta de testosterona de diversos lutadores poderia ser fruto de uso de esteroides no passado. O TRT foi apenas um passo, mas o que vem a seguir é ainda mais importante.

A grande reclamação frente à política de doping levada pela maioria das organizações – sempre liderada pelas comissões atléticas, que são as responsáveis pelos exames – é que fazer os lutadores cederem amostras só logo antes e depois dos combates não é suficiente. Isso porque é possível se beneficiar usando substâncias em ciclos.

Explicando melhor: lutadores montam uma agenda para se dopar quando sabem que não vão ser testados, conseguem um melhor condicionamento para os treinos e quando se aproximam de realizar exames antidoping, sabem que já estão com o corpo limpo.

Quando se passa a ter a chance de estes lutadores serem surpreendidos a qualquer momento, em sua casa, ou na academia, a chance de serem pegos aumenta. Chael Sonnen, por exemplo, foi flagrado duas vezes só em 2014, tentando se adptar (da forma errada) à proibição do TRT. Wanderlei Silva simplesmente fugiu do funcionário que colheria suas amostras. Vitor Belfort fez um teste em fevereiro, pouco antes de entrar com a requisição para o TRT, que ainda estava em vigor, e foi pego com nível de testosterona acima do permitido.

Andy Foster, diretor executivo da Comissão Atlética do Estado da Califórnia (mais importante entidade dos EUA junto à de Nevada, que regulamenta os combates de Las Vegas), explicou ao UOL Esporte as mudanças colocadas em prática nos últimos meses, que refletiram quase que exclusivamente na rotina dos lutadores do UFC, os mais visados.

“A (comissão da) Califórnia aumentou o número de testes feitos na maioria de suas lutas. Em adição, passamos a utilizar um laboratório da Agência Mundial Antidoping na análise dos testes. Nosso contrato agora é muito extensivo e cobre todas as substâncias banidas pela Wada”, afirmou Foster. O impacto disso é um maior número de exames de sangue e novos grupos de substâncias pegos.

Exemplo disso é o EPO (Eritropoietina), que ficou famoso por seu uso no ciclismo, ao aumentar a quantidade de glóbulos vermelhos no sangue. Ali Baugatinov, da Rússia, foi flagrado com a substância em resultado divulgado após sua derrota para Demetrious Johnson, pelo cinturão peso mosca do Ultimate.

Marcio Tannure, médico responsável pela Comissão Atlética Brasileira de MMA, que trabalha em parceria com o UFC, adiciona: “Acho que existem vários motivos para um aumento de casos. Primeiro, há mais eventos, consequentemente mais atletas sendo testados e com isso mais casos positivos. Os exames estão cada vez mais sensíveis e consequentemente detectando mais substâncias e por um período maior no corpo mesmo após a suspensão de uso.”

Andy Foster diz que realizar os testes surpresa não é nada fácil e que principalmente ter acesso a lutadores de fora dos Estados Unidos acaba sendo um problema, mas que a medida será intensificada cada vez mais. “Este esporte está crescendo no combate ao doping. Os dias em que uma prescrição médica liberava testosterona acabaram. Os testes dentro e fora de competição são importantes medidas. E, enquanto indivíduos vão testar a sorte e trapacear, nossa meta é se aproximar o número (de trapaças) tão perto do zero quanto for possível.

Enson Inoue - Divulgação - Divulgação
Polêmica no Pride: O veterano lutador Enson Inoue acusa o evento japonês de ter regras permissivas ao uso de esteroides. Ele publicou em seu Facebook um suposto contrato que proíbe o uso de drogas como maconha e cocaína, mas que cita claramente que os testes não procuravam esteroides. O Pride sempre foi acusado de ser permissivo com doping, mas nunca se comprovou isso.
Imagem: Divulgação

Vale lembrar que outra mudança de comportamento observada desde 2013 é que, ainda que sejam proibidas, as drogas “recreativas”, como a maconha, são punidas de forma diferente e tem ganchos mais leves do que no uso de drogas que melhoram a performance.

Teste surpresa ainda não foi usado no Brasil

Principal evento no mundo, o UFC tem como parceira a Comissão Atlética Brasileira de MMA (CAB) no Brasil, que segue as diretrizes da Comissão Atlética de Nevada e outras entidades tradicionais no exterior. A CAB, por exemplo, acatou a decisão de banir a permissão para o TRT, apesar de abrir uma exceção a Dan Henderson, que tinha luta marcada no Brasil.

Marcio Tannure explica que a entidade prevê mudanças para aumentar o padrão. “Tentamos a cada dia mais aperfeiçoar os exames fazendo com que os atletas lutem em condições iguais. A partir de setembro utilizaremos um novo laboratório nos EUA que tem o sistema mais moderno em doping e realiza exames do comitê olímpico americano”, pontuou ele.

O médico explicou que lutadores que atuam no Brasil podem ser escolhidos para testes surpresas. Mas isso ainda não aconteceu. “Isso está no regulamento e qualquer atleta pode ser testado a qualquer momento. Aqui (ainda) nunca foi realizado, mas se acharmos que for necessário em algum momento, faremos.”